A Ucrânia e os bastidores da geopolítica

Imagem: lalesh Aldarwish
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Por THIERRY MEYSSAN*

Os povos democraticamente governados são responsáveis pelas decisões reiteradamente tomadas pelos seus dirigentes e mantidas mesmo com alternância de poder

Na madrugada do dia 24 de fevereiro, as forças russas entraram de forma massiva na Ucrânia. De acordo com o pronunciamento do presidente Vladimir Putin na televisão, essa “operação especial” foi o início da resposta de seu país “àqueles que aspiram à dominação mundial” e que vêm avançando a infraestrutura da OTAN até as portas do seu país. Durante a longa alocução, Putin se reportou à maneira como a OTAN destruiu a Iugoslávia sem autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas, chegando a bombardear Belgrado em 1999. Referiu-se depois à destruição disseminada pelos Estados Unidos no Oriente Médio, Iraque, Líbia e Síria. Foi só após essa extensa apresentação que anunciou que tinha enviado suas tropas para a Ucrânia, com a dupla missão de destruir as forças militares vinculadas à OTAN e acabar com os grupos neonazistas armados por essa aliança militar.

De imediato, todos os Estados membros da Aliança Atlântica denunciaram a “ocupação da Ucrânia”, que seria comparável à da Tchecoslováquia durante a “Primavera de Praga” (1968). Segundo eles, a Rússia de Vladimir Putin teria adotado a “doutrina Brejniev” da antiga União Soviética, e por isso o “mundo livre” precisaria castigar o “Império do Mal” redivivo, impondo-lhe “custos devastadores”.

A interpretação da Aliança Atlântica visa acima de tudo privar a Rússia de seu principal argumento. Evidentemente, a OTAN não é uma confederação de iguais, mas uma federação hierárquica sob o comando anglo-saxão. Mas a Rússia agora estaria agindo da mesma forma, e negando à Ucrânia a possibilidade de escolher o seu destino, tal qual os soviéticos o negaram aos tchecoslovacos. É evidente que a OTAN, pela sua forma de funcionamento, viola os princípios de soberania e igualdade dos Estados, estipulados pela Carta das Nações Unidas, mas não deve ser dissolvida, exceto se a Rússia também o for.

Talvez pareça assim. Mas não necessariamente é.

O discurso do presidente Putin não foi explicitamente dirigido contra a Ucrânia, nem mesmo contra os Estados Unidos, mas sim contra “aqueles que aspiram à dominação mundial”; em outras palavras, como veremos, contra os “straussianos” – de quem mais adiante vai-se tratar – instalados no poder nos Estados Unidos. Essa foi uma verdadeira declaração de guerra contra eles.

Em 25 de fevereiro, o presidente Vladimir Putin qualificou o regime de Kiev como uma “patota de viciados em drogas e neonazistas”. Para a mídia atlanticista, tais palavras não podiam ser outras que as de um doente mental.

Na noite de 25 para 26 de fevereiro, o presidente Volodymyr Zelensky enviou à Rússia, através da Embaixada da China em Kiev, uma proposta de cessar-fogo. O Kremlin respondeu imediatamente com suas condições: (i) prisão de todos os nazistas (Dmitro Yarosh, o Batalhão Azov etc.); (ii) a eliminação de todos os nomes de ruas e a destruição dos monumentos que glorificam os colaboradores nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (Stepan Bandera etc.); (iii) a deposição das armas.

A imprensa atlanticista preferiu ignorar esse acontecimento, enquanto o resto do mundo que o conhecia prendeu a respiração. A negociação fracassaria algumas horas depois, com a intervenção de Washington. Só então a opinião pública ocidental viria a ser informada. Ainda assim, as condições russas foram mantidas escondidas. Do que está tratando o presidente Putin? Contra quem ele está lutando? E quais são as razões que cegam e silenciam a imprensa atlanticista?

 

Breve história dos straussianos

Detenhamo-nos por um momento no que se trata desse grupo, os straussianos, a respeito dos quais os ocidentais, em geral, sabem pouco. São originalmente indivíduos, todos judeus – mas absolutamente não representativos dos judeus americanos ou de comunidades judaicas ao redor do mundo –, que foram formados no entorno do filósofo alemão Leo Strauss, que se refugiou nos Estados Unidos durante a ascensão do nazismo e se tornou professor de filosofia da Universidade de Chicago.

De acordo com relatos os mais variados, ele reuniu um pequeno grupo de alunos fiéis, aos quais proferia seminários orais. Portanto, não há registros escritos sobre eles. Propugnava junto a eles que a única maneira de os judeus não serem vítimas de um novo genocídio era constituindo a sua própria ditadura. Ele se referia a seus discípulos como hoplitas (os soldados de Esparta), e tinha por hábito enviá-los para perturbar as aulas dos professores rivais. Por fim, os ensinava a serem discretos e elogiava o que chamava de “a nobre mentira” [deception: “a mentira é a norma da vida política”]. Mesmo que tenha morrido em 1973, sua fraternidade estudantil seguiu adiante.

Os straussianos começaram a formar um grupo político há meio século, em 1972. Todos eles eram membros da equipe do senador democrata Henry “Scoop” Jackson, incluindo Elliott Abrams, Richard Perle e Paul Wolfowitz. Trabalhavam em estreita colaboração com um grupo de jornalistas trotskistas, também judeus, que se conheceram no City College de Nova York e editavam a revista Commentary, e por isso eram chamados de “intelectuais de Nova York”. Ambos os grupos estavam intimamente ligados à CIA, mas também graças ao sogro de Perle, Albert Wohlstetter (o estrategista militar dos EUA), à Rand Corporation (o principal think tank do complexo industrial-militar). Muitos desses jovens formaram matrimônios, até estabelecer um grupo compacto de influência de cerca de cem pessoas.

Juntos, eles redigiram e conseguiram aprovar, em plena crise de Watergate (1974), a “Emenda Jackson-Vanik”, que obrigava a União Soviética a autorizar a emigração de sua população judaica para Israel, sob pena de sanções econômicas. Esse é o seu ato fundacional. Em 1976, Paul Wolfowitz foi um dos artífices da “Equipe B” (Team B), encarregada pelo presidente Gerald Ford de avaliar a ameaça soviética.[1] A equipe entregou um relatório delirante, onde acusava a União Soviética de se preparar para assumir a “hegemonia global”. A natureza da Guerra Fria então mudou: não se tratava mais de isolar (conter) a URSS; era preciso detê-la para “salvar o mundo livre”.

Os straussianos e os “intelectuais de Nova York” (ditos de esquerda) colocam-se então a serviço do presidente de direita Ronald Reagan. É preciso entender que esses grupos, a rigor, não se posicionavam nem à “direita” nem à “esquerda” no espectro político norte-americano. Alguns de seus membros chegaram a mudar cinco vezes do Partido Democrata para o Partido Republicano e vice-versa. O importante para eles é se infiltrar no poder, seja qual for a ideologia. Elliott Abrams tornou-se Secretário de Estado Adjunto. Ele liderou uma operação na Guatemala, onde implantou no poder um ditador e testou, com oficiais israelenses do Mossad, a criação de reservas para os índios Maya, para eventualmente fazer o mesmo em Israel com os árabes palestinos. A resistência maya viria a render a Rigoberta Menchú o prêmio Nobel Prêmio da Paz em 1992.

Elliott Abrams seguiu com seus excessos e delitos em El Salvador e, por fim, na Nicarágua, operando contra os sandinistas por meio do esquema Irã-Contras. Por sua vez, os “intelectuais de Nova York”, agora chamados de “neoconservadores”, criaram o National Endowment for Democracy (NED) (Fundo Nacional para a Democracia) e o United States Institute of Peace (Instituto Norte-Americano de Paz), dispositivo bifronte que organizou muitas revoluções coloridas, a começar pela China, com a tentativa de golpe do primeiro-ministro Zhao Ziyang e as subsequentes ações na Praça da Paz Celestial.

No final do mandato de George H. Bush (pai), Paul Wolfowitz, então número três na Secretaria de Defesa, elaborou um documento em torno de uma ideia forte: após a decomposição da URSS, os Estados Unidos deveriam evitar o surgimento de novos rivais, a começar pela União Europeia[2]. O documento concluiu defendendo a possibilidade da ação unilateral, ou seja, na prática, de pôr fim à consulta às Nações Unidas. Wolfowitz é, sem dúvida, o idealizador da “Tempestade no Deserto”, a operação para destruir o Iraque, que permitiu aos Estados Unidos mudar as regras do jogo e organizar um mundo unilateral. Foi nessa época que os straussianos entronizaram os conceitos de “mudança de regime” e de “promoção da democracia”.

Gary Schmitt, Abram Shulsky e Paul Wolfowitz ingressaram na comunidade de inteligência dos Estados Unidos através do Grupo de Trabalho sobre Reforma da Inteligência (Consortium for the Study of Intelligence’s Working Group on Intelligence Reform). Eles criticaram a suposição de que outros governos raciocinariam da mesma forma que o dos Estados Unidos.[3] Em seguida, criticaram a falta de liderança política dos serviços de inteligência, deixando-os vagar por assuntos sem importância, em vez de se concentrar nos essenciais. Politizar a inteligência tinha sido o que Wolfowitz havia feito no Team B, e novamente o faria com sucesso em 2002, com o Escritório de Planos Especiais (Office of Special Plans); inventando argumentos para novas guerras contra o Iraque e contra o Irã (…a “nobre mentira” de Leo Strauss).

Os straussianos foram removidos do poder durante o mandato de Bill Clinton. Eles passaram então para os think tanks de Washington. Em 1992, William Kristol e Robert Kagan (marido de Victoria Nuland, de quem se tratará logo adiante) publicaram um artigo na Foreign Affairs lamentando a política externa tímida do presidente Clinton e pedindo uma renovação da “hegemonia global benevolente” ‎‎(benevolent global hegemony) dos Estados Unidos.[4] No ano seguinte, fundaram o Projeto para um Novo Século Americano (Projet for a New American Century – PNAC) nas instalações do American Enterprise Institute. Gary Schmitt, Abram Shulsky e Paul Wolfowitz eram membros. Todos os admiradores não-judeus de Leo Strauss, incluindo o protestante Francis Fukuyama (autor de O fim da história), imediatamente se juntaram a eles.

Em 1994, Richard Perle, agora convertido em traficante de armas, também conhecido como “o príncipe das trevas”, tornou-se conselheiro do presidente e ex-nazista Alija Izetbegović na Bósnia-Herzegovina. Foi ele quem trouxe do Afeganistão Osama Bin Laden e sua Legião Árabe (precursora da Al-Qaeda) para defender o país. Perle viria a ser até mesmo membro da delegação bósnia quando da assinatura dos Acordos de Dayton, em Paris. Em 1996, membros do PNAC (incluindo Richard Perle, Douglas Feith e David Wurmser) redigem um relatório no âmbito do Instituto de Estudos Estratégicos e Políticos Avançados (Institute for Advanced Strategic and Political Studies – IASPS), um think tank de Israel, em nome do novo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que defende a eliminação física de Yasser Arafat, a anexação de territórios palestinos, uma guerra contra o Iraque e o translado dos palestinos para lá.[5] O relatório se inspira não apenas nas teorias políticas de Leo Strauss, como também nas de seu amigo Ze’ev Jabotinsky, o fundador do “sionismo revisionista”, e de quem o pai de Netanyahu era secretário particular.

O PNAC arrecadou fundos para a candidatura de George W. Bush (Jr.) e publicou seu famoso relatório Rebuilding America’s Defenses (Reconstruindo as Defesas da América) antes de sua eleição. Esse relatório praticamente roga por uma catástrofe comparável à de Pearl Harbor, para lançar o povo norte-americano em uma guerra decidida pela hegemonia global. Esses acabaram sendo exatamente os termos que o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, membro do PNAC, viria a fazer uso em 11 de setembro de 2001.

Graças aos ataques de 11 de setembro, Richard Perle e Paul Wolfowitz instalaram o almirante Arthur Cebrowski na sombra de Donald Rumsfeld. Ele teve um papel comparável ao que Albert Wohlstetter teve durante a Guerra Fria. Cebrowski consagrou a estratégia da “guerra sem fim”: as forças armadas norte-americanas não deveriam mais vencer guerras, mas iniciar um grande número delas e fazê-las durar o maior tempo possível. Trata-se de destruir todas as estruturas políticas dos Estados visados, para arruinar esses países e privá-los de qualquer meio de defesa contra os Estados Unidos; uma estratégia que há vinte anos vem sendo implementada no Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Iêmen…

A aliança dos straussianos com os sionistas revisionistas foi selada em uma grande conferência em Jerusalém em 2003, à qual figuras políticas israelenses de todas as tendências acreditaram infelizmente que deveriam comparecer[6]. Assim, não chega a ser surpreendente que Victoria Nuland (esposa de Robert Kagan, então embaixador da OTAN) interveio para proclamar um cessar-fogo em 2006 no Líbano, permitindo que o derrotado exército israelense não fosse mortalmente fustigado pelo Hezbollah.

Indivíduos como Bernard Lewis trabalharam com todos os três grupos, os straussianos, os neoconservadores e os sionistas revisionistas. Ex-agente de inteligência britânico, ele adquiriu as nacionalidades americana e israelense, foi conselheiro de Benjamin Netanyahu e membro do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Lewis, que havia afirmado, no meio de sua carreira, que o Islã é incompatível com o terrorismo e que os terroristas árabes são na verdade agentes soviéticos, mudou posteriormente de ideia e afirmou, com a mesma desenvoltura, que essa religião prega o terrorismo.

Ele inventou, para o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, a estratégia do “choque de civilizações”. Tratava-se de instrumentalizar as diferenças culturais para mobilizar os muçulmanos contra os cristãos ortodoxos. O conceito acabou popularizado por seu assistente do Conselho, Samuel Huntington. Só que este último não o apresentou como uma estratégia, mas sim como uma fatalidade contra a qual era preciso agir. Huntington iniciou sua carreira como conselheiro do serviço secreto do apartheid sul-africano, depois escreveu um livro, O soldado e o Estado, assegurando que os soldados (regulares ou mercenários) formavam uma casta à parte, única capaz de entender as necessidades da segurança nacional.[7]

Após a destruição do Iraque, os straussianos foram objeto de todo tipo de controvérsia.[8] Todos ficaram surpresos que um grupo tão pequeno, apoiado por jornalistas neoconservadores, possa ter adquirido tal autoridade sem ter sido objeto de debate público. O Congresso dos Estados Unidos nomeou um Grupo de Estudo sobre o Iraque (conhecido como “Comissão Baker-Hamilton”) para avaliar sua política. Ele então condena, sem nomeá-la, a estratégia Rumsfeld-Cebrowski e lamenta as centenas de milhares de mortes que causou. Mas Rumsfeld renunciou, e o Pentágono segue inexoravelmente essa estratégia que, oficialmente, nunca reconheceu ter adotado.

No governo Obama, os straussianos encontraram abrigo no gabinete do vice-presidente Joe Biden. Seu conselheiro de segurança nacional, Jacob Sullivan, desempenhou um papel central na organização das operações contra a Líbia, a Síria e Mianmar, enquanto um de seus outros conselheiros, Antony Blinken, se concentrou no Afeganistão, Paquistão e Irã. Foi ele quem liderou as negociações com o líder supremo Ali Khamenei, que resultaram na prisão de membros-chave da equipe do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em troca do acordo nuclear.

A mudança de regime em Kiev em 2014 foi organizada pelos straussianos. O vice-presidente Biden se engaja nela resolutamente. Victoria Nuland apoiaria os elementos neonazistas do Setor Direita e supervisionaria o comando de sabotagem israelense Delta[9] na eclosão dos conflitos da Praça Maidan. Uma interceptação telefônica revela seu desejo de “foder a União Européia” (sic!) (“Fuck the EU!”), bem na tradição do relatório Wolfowitz de 1992. Mas os líderes da UE não chegaram a entender muito bem, e apenas protestaram debilmente.[10]

Jake Sullivan e Antony Blinken colocaram então o filho do vice-presidente Biden, Hunter, no conselho de uma grande empresa de gás ucraniana, a Burisma Holdings, apesar da oposição do secretário de Estado John Kerry. Hunter Biden infelizmente não é muito mais que um junkie, mas servirá como cortina para encobrir uma enorme patifaria cometida contra o povo ucraniano. Ele nomearia, sob a supervisão de Amos Hochstein, vários amigos do seu círculo de usuários de drogas para servirem como laranjas à frente de várias empresas ucranianas, e saquear o seu gás. Essas são as pessoas que o presidente Vladimir Putin chamou de “patota de viciados”.

Sullivan e Blinken também contam com o apoio do chefão da máfia, Ihor Kolomoisky, a terceira fortuna do país. Apesar de judeu, ele financia os capangas do Setor Direito, uma organização neonazista que trabalha para a OTAN e lutou na Praça Maidan durante a operação de “mudança de regime”. Kolomoisky tentou fazer uso de sua influência para assumir a liderança da comunidade judaica europeia, mas seus correligionários reagiram e o expulsaram das suas associações internacionais. Ainda assim, ele conseguiu que o chefe do Setor Direita (Pravyy Sector), Dmytro Yarosh, fosse nomeado vice-secretário do Conselho de Segurança e Defesa Nacional da Ucrânia, e ele próprio nomeado governador do oblast de Dnipropetrovsk. Acabariam ambos afastados de suas funções políticas. É ao grupo deles que o presidente Vladimir Putin se referiu como “patota de neonazistas”.

Em 2017, Antony Blinken fundou a WestExec Advisors, uma empresa de consultoria que reúne ex-funcionários do governo Obama e muitos straussianos. A atividade dessa empresa é extremamente discreta. Usa as conexões políticas de seus funcionários para ganhar dinheiro; o que em qualquer outro lugar seria reconhecido como tráfico de influência e corrupção.

 

Os straussianos não mudam

A partir do retorno de Joe Biden à Casa Branca, desta vez como presidente dos Estados Unidos, os straussianos passam a controlar todo o sistema. “Jake” Sullivan torna-se Conselheiro de Segurança Nacional; enquanto Antony Blinken, Secretário de Estado, com Victoria Nuland ao seu lado. Como subsecretária de Estado, esta última viaja a Moscou em outubro de 2021 e ameaça esmagar a economia russa se o país não se submete. Esse é o início da crise atual.

Nuland traz Dmitro Yarosh de volta à vida, e o impõe ao presidente Zelensky, um ator de televisão protegido por Ihor Kolomoisky. Em 2 de novembro de 2021, Zelensky o nomeia conselheiro especial do Chefe das Forças Armadas, general Valerii Zaluzhnyi. Este, um autêntico democrata, primeiro fica indignado, mas acaba aceitando. Questionado pela imprensa sobre essa parceria surpreendente, ele se recusa a responder e diz tratar-se de uma questão de Segurança Nacional. Yarosh dá todo o seu apoio ao “führer branco”, coronel Andrey Biletsky, e seu Batalhão Azov. Essa formação é cópia das divisões nazistas SS Das Reich, e desde o verão de 2021 está sob o comando de mercenários americanos da antiga Blackwater, hoje chamada Academi.[11]

Tendo essa digressão se prestado a identificar quem são e o que querem os straussianos, somos obrigados a admitir que a aspiração da Rússia é compreensível. Até desejável. Livrar o mundo dos straussianos seria fazer justiça a mais de um milhão de mortes que eles causaram e salvar aqueles que estão prestes a matar. Resta saber se essa intervenção na Ucrânia será um bom recurso.

Seja como for, se a responsabilidade pelos eventos atuais é dos straussianos, todos aqueles que os permitiram agir a rédeas soltas também têm responsabilidade. A começar pela Alemanha e pela França, que assinaram os Acordos de Minsk há sete anos e não fizeram coisa alguma para garantir que fossem implementados. Seguem-se os cinquenta ou mais Estados que assinaram as declarações da OSCE (Organization for Security and Co-operation in Europe) proibindo a expansão da OTAN a leste da linha Oder-Neisse e que tampouco fizeram coisa alguma. Curiosamente, só Israel, que acabou de se livrar dos sionistas revisionistas, veio a expressar uma posição mais matizada sobre os atuais acontecimentos.

Esta é uma das lições dessa crise: os povos democraticamente governados são responsáveis pelas decisões reiteradamente tomadas pelos seus dirigentes e mantidas mesmo com alternância de poder.

*Thierry Meyssan é jornalista e ativista político francês. Autor, entre outros livros, de Before our very eyes, fake wars e big lies: From 9/11 to Donald Trump.

Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel.

Publicado originalmente no Réseau Voltaire.

 

Notas


[1]           Cahn, Anne H. 1998. Killing Detente: The Right Attacks the CIA. State College: Pennsylvania State ‎University Press.

[2]          Esse documento foi revelado pelo artigo “US Strategy Plan Calls For Insuring No Rivals Develop”, de Patrick E. Tyler, no New York Times, em 8 de março de 1992. Vejam-se também os trechos do documento, publicados na mesma fonte e data: “Excerpts from Pentagon’s Plan: ‘Prevent the Re-Emergence of a New Rival’”. Informações adicionais são fornecidas em “Keeping the US First, Pentagon Would preclude a Rival Superpower”, de Barton Gellman, em The Washington Post, em 11 de março de 1992.

[3]          Shulsky, Abram N. & Schmitt, Gary J. 1999. Silent Warfare: Understanding the World of Intelligence. Dulles, VA: Potomac Books.

[4]          Kagan, Robert & ‎Kristol, William. 1996. “Toward a neo-Reaganite Foreign Policy”. Foreign Affairs 75(4): 18-32.

[5]          “A Clean Break: A New ‎Strategy for Securing the Realm”, Institute for Advanced Strategic and Political Studies, 1996.

[6]          “Sommet historique pour sceller ‎l’Alliance des guerriers de Dieu”, Réseau Voltaire, 17 de octubre de 2003: https://www.voltairenet.org/article10834.html.

[7]          N. do T.: The Soldier and the State: The Theory and Politics of Civil-Military Relations, originalmente publicado em 1957 pela Belknap Press, uma subsidiária da Harvard University Press, foi traduzido para o português e publicado no Brasil em 1996 (curiosamente!) pela Biblioteca do Exército Editora.

[8]          Essa polêmica ainda persiste. Para escrever este artigo foram consultados, em especial, esses oito livros:

  • Drury, Shadia B. 1988. The Political Ideas of Leo Strauss. Londres: Palgrave Macmillan.
  • Norton, Anne. 2005. Leo Strauss and the Politics of American Empire. New Haven, CT: Yale University Press.‎
  • Zuckert, Catherine ‎H. & Zuckert, Michael P. 2008. The Truth About Leo Strauss: Political Philosophy and American Democracy. Chicago: University of Chicago Press.‎
  • Minowitz, Peter. 2009. Straussophobia: Defending Leo Strauss and Straussians Against Shadia Drury and Other ‎Accusers. Washington, DC: Lexington Books.‎
  • Gottfried, Paul E. 2011. Leo Strauss and the Conservative Movement in America Cambridge: Cambridge ‎University Press.‎
  • Jaffa, Harry ‎V. 2012. Crisis of the Strauss Divided: Essays on Leo Strauss and Straussianism, East and West. Lanham, MD: Rowman and Littlefield.‎
  • Deutsch, ‎Kenneth L. 2013. Leo Strauss, the Straussians, and the Study of the American Regime. Lanham, MD: Rowman and Littlefield
  • Hirst, Aggie. 2013. Leo Strauss and the Invasion of Iraq: Encountering the Abyss. Londres: Routledge.

[9]          “Qui sont ces anciens soldats israéliens parmi les ‎combattants de rue dans la ville de Kiev?”, AlyaExpress-News.com, 2 de março de 2014. “La nuova Gladio in Ucraina”, por Manlio Dinucci, Il Manifesto, Roma, 18 de março de 2014; tradução para o português: https://www.voltairenet.org/article182901.html.

[10]         A transcrição da interceptação telefônica foi originalmente publicada por Andrey Fomin, na Oriental Review, da Rússia, e traduzida para o espanhol com o título “El texto íntegro de la intercepción telefónica. Conversación entre la secretaria de Estado adjunta y el embajador de Estados Unidos en Ucrania”, na Red Voltaire, 8 de febrero de 2014: https://www.voltairenet.org/article182074.html.

[11]         Simon Shuster, “Exclusive: Documents Reveal Erik ‎Prince’s $10 Billion Plan to Make Weapons and Create a Private Army in Ukraine”, Time, 7 de julho ‎de 2021: https://time.com/6076035/erik-prince-ukraine-private-army/.

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