A bolsa da linguagem

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Por FLAVIO AGUIAR

As cotações mutáveis das palavras “capitão”, “médico”, “doutor”, “filósofo”, “jornalista”, “juiz”, “presidente”

Terão as palavras ações na bolsa da linguagem? Claro que sim! E sobem e descem nas cotações ao sabor da disposição dos investidores, também dos insumos que recebem e das vantagens colaterais que propiciam. É claro que há multidisciplinaridade nisto: a cotação de uma pode baixar aqui e subir ali. Portanto leia-se o que se segue com a cautela necessária. Trata-se da opinião apenas de um dos muitos analistas deste mercado tão inseguro quando as demais bolsas de valores do mundo. Não compre nem venda palavras, nem as ponha na gaveta dos ativos ou no seu arquivo morto, com base apenas nas minhas opiniões. Consulte mais, leia outros comentários, e depois tire suas próprias conclusões. Neste caso aqui tratado, trato de palavras que estão oscilando para baixo em meu conceito, embora possam, eventualmente, render bons dividendos e investimentos offshore, em algum outro recanto do globo. Vamos a elas.

Capitão

Decididamente, é uma palavra que despenca na bolsa. Antigamente, “Capitão” tinha uma aura de nobreza. Vou dar alguns exemplos. Nos longínquos tempos das Guerras Missioneiras, dos Guaranis contra Portugueses e Espanhóis, quem liderava os indígenas era o “Capitão Sepé”, corregedor e cacique da Missão de São Miguel. Tanto prestígio tinha que depois de sua morte em combate, virou santo popular (São Sepé, nome de município no Rio Grande do Sul), integrante do Panteão dos Heróis Nacionais em Brasília, personagem legendário de poemas (“O lunar de Sepé”), lendas, canções, romances, etc.

No mesmo estado apareceria, na literatura, o Capitão Rodrigo Cambará, ainda que beberrão pai de família descuidado, mas valente, leal e corajoso como o quê, cercado por uma aura libertária. Mais tarde viraria astro de cinema e televisão, emprestando sua aura para o prestígio de gente como Tarcisio Meira e Francisco di Franco.

Também gaúcho, mas transformado em herói de exportação nacional e internacional, veio o Capitão Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Tamanho prestígio teve ele que a histórica coluna foi batizada com o seu nome, ao invés de Miguel Costa, embora formalmente, pelo menos de início, este oficial fosse o seu comandante. A meninada esperta do romance de Jorge Amado ganhou o nome de “Capitães da Areia” (1937), que também foi parar no cinema. Houve ainda o Capitão Carlos Lamarca, heroico e infeliz guerrilheiro dos anos 60 e 70, literalmente caçado e assassinado no sertão da Bahia. Também migrou para o cinema, emprestando o prestígio (contestado pela direita) de seu nome ao ator Paulo Betti por duas vezes.

A palavra “Capitão” deve seu prestígio a sua associação com o conceito de “personagem de ação”, junto da tropa, ao contrário de “Coronel”, de prestígio institucional durante o Império e mesmo depois, associada ao exercício de um poder discricionário e despótico, e mesmo de “General”. “General” teve ainda seu prestígio arranhado porque alguns dos portadores desta patente se alçaram a “Generalíssimo”, como Deodoro, nome de rua em Belém do Pará, embora fosse Marechal, além do detestável Generalíssimo Francisco Franco, aliás Francisco Paulino Hermenegildo Teódulo Franco y Bahamonde Salgado Pardo, o pobre.

Quando o poeta cubano quis homenagear o camarada Joseph Djugashvili, aliás, Koba, chamou seu poema de “Stalin, Capitán”, publicado em 1942.

Dentre as palavras da baixa patente militar, “Sargento” ainda tem uma aura de simpatia, mais do que de prestígio, devido a obras como “Memórias de um sargento de milícias”, de Manuel Antonio de Almeida. Entretanto o “Sargento Getúlio”, de João Ubaldo Ribeiro, focalizando um personagem violento e algo destemperado, talvez tenha arranhado aquela imagem simpática.

“Cabo” entrou em baixa devido ao Cabo Anselmo, que além de informante e agente da repressão, tornou-se traidor e nesta condição cúmplice do assassinato até mesmo de sua companheira de amores.

A única palavra que rivalizava com “Capitão” era “Tenente”. Tanto é assim que, pedindo licença, confesso que chamei o personagem Costa, que luta ao lado de Garibaldi e Anita, no romance que leva o nome desta, de “Tenente da Cavalaria de Libertos” do Exército da República Riograndense, vulgarmente conhecida como “de Piratini”. Lembro ainda que na Revolução Farroupilha Garibaldi tinha o posto de “Capitão-tenente da Marinha Riograndense”, que se resumia a três barcos.

Pois bem, graças a Bolsonaro, “Capitão” é uma palavra decididamente em baixa. Vem se tornando sinônimo de “tosco”, “bruto”, autoritário”, “covarde”, “garoto propaganda de cloroquina” e, por semelhança, até mesmo de “Capetão”. Está mais próxima do antigo “Capitão do Mato”, caçador de escravos fugidos, do que daqueles valentes acima lembrados. Vai ser necessário todo um exército de novos capitães para recuperar o seu prestígio ferido e rasgado.

Médico

Outro termo que está em baixa nas cotações brasileiras, mas oscila no plano mundial. Na tradição antiga, “médico” era palavra associada em geral à “dedicação”, “racionalidade”, “lucidez” e coisas assim. No plano nacional, lembro do “dr. Seixas”, personagem do ciclo urbano dos romances de Erico Veríssimo: secarrão,algo sarcástico, pessimista, mas generoso e dedicado a seus pacientes, sobretudo os mais pobres, embora a todos atendesse por igual.

Sem dúvida, ele deve sua existência ao jovem Andrew Manson, nobre e dedicado médico do romance “A cidadela” do escritor escocês A. J.Cronin, ele mesmo também médico. No correr do romance Manson se corrompe, abandonando seus princípios, mas a eles retorna ao final. Consta que o romance de A. J. Cronin foi um dos elementos responsáveis pela construção do National Health System do Reino Unido, que já foi um dos melhores da Europa, antes de ser demolido pela heroína dos mercados, Margareth Thatcher, com resultados nefastos que se veem hoje na debacle inicial do tratamento da pandemia nas terras governadas by appointment of Her Majesty, the Queen.

A trajetória de Manson certamente influiu na de Eugënio Fontes, o jovem médico do romance “Olhai os lírios do campo”, de Erico Veríssimo. Também ele se corrompe, mas recupera seus bons valores ao final, tornando-se amigo do dr. Seixas.

Além do concurso dos personagens médicos, também contribuiu para o prestígio destes profissionais a quantidade de médicos que se tornaram escritores, dentre eles Moacyr Scliar, Pedro Nava, Guimarães Rosa, seguindo uma tradição mundial que remonta a São Lucas, o evangelista que é o padroeiro da categoria. Tamanho era o prestígio do setor que nem a presença de médicos que auxiliavam os torturadores dos porões policiais brasileiros, hoje tão valorizados pelo “Capetão” e seus expoentes, conseguiu desprestigia-lo.

Pois bem, agora a coisa está um pouco complicada. A atuação feroz de associações corporativas contra o programa “Mais Médicos” toldou o prestígio. As imagens de jovens médicos atacando os médicos cubanos, chamando-os de “escravos”, enquanto usavam ostensivamente seus jalecos brancos, arranharam bastante aquele prestígio de generosidade e solidariedade.

Porém no plano internacional, os médicos cubanos, espalhados pelo mundo, defendem o prestígio da categoria com denodo e valor, havendo quem sugira o Prêmio Nobel da Paz para eles. A ver o que acontece.

Doutor

Vou relatar um caso pessoal sobre o prestígio da palavra. Durante 11 anos morei num condomínio da Vila Indiana, distrito do Butantã, ao lado da Cidade Universitária, em São Paulo. Os funcionários do conjunto residencial me chamavam de “Professor”. E eu me orgulhava. Achava aquilo o máximo do prestígio.

Certo dia fui incumbido de ser o mestre-de-cerimônias de uma homenagem ao professor Antonio Candido, no antigo prédio da também antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, na rua Maria Antônia. Nossa, pensei, preciso me vestir à altura do acontecimento. Ganhei de presente de minha então namorada um terno de giz, cinzento, com colete e tudo, a que nenhum Al Capone poria defeito. Comprei um sapato preto de verniz, uma camisa impecavelmente nova e uma gravata preta digna de elogios. Assim enfarpelado, ao entardecer, me preparei para sair para a Maria Antônia, como era chamada, por metonímia da rua, a antiga Faculdade. Ao passar pela portaria, o funcionário presente me cumprimentou: “Boa noite, Doutor”. Eu fora promovido. Não precisa comentar, não é mesmo?

Historicamente, o significado do termo “doutor” oscilou entre dois extremos. Em latim, língua-mãe da nossa, o doctor equivalia ao sentido de “mestre”, “preceptor”. Tornou-se comenda máxima de distinção durante a Idade Média europeia, prestígio multiplicado pelo surgimento das Universidades. Tornar-se “doutor” era de tal distinção que em várias universidades, como em Paris, a concessão do título era comemorada com missa especial e o direito ao uso de roupas específicas, como um manto vermelho ou preto e até um chapéu próprio, como na Alemanha.

No outro extremo da escala de valores estava o dottore, personagem da Commedia del’Arte italiana, um tipo enfatuado, falso erudito beirando o charlatanismo, dono de um discurso chato e grotesco. Este tipo entrou na nossa comédia brasileira do século XIX através de personagens pedantes, afrancesados, imitadores de mau gosto de tudo o que lhes parecia europeu (leia-se, francês ou quando muito inglês). Entretanto, este jogo pendular não anulou o prestígio da palavra entre nós.

Desconfio que este prestígio cresceu com o surgimento das primeiras escolas de ensino superior no Brasil, de Medicina, Direito e Engenharia (Politécnica). Nestas escolas havia, por vezes, a exigência de que, para diplomar-se no que hoje chamamos de “graduação”, o estudante tinha de apresentar uma tese e defende-la perante uma banca.

Juntando a autoridade do conhecimento e do diploma acadêmico à distinção de classe (seja pela origem familiar ou pela ascensão social) o termo “doutor” passou a equivaler, no mundo urbano, ao significado do termo “coronel” no mundo rural. Passou a ser quase sinônimo de “autoridade” – como no caso dos médicos, por exemplo – e, por extensão, recobriu com seu sentido a posição de superioridade social. A palavra passou a ser usada pelo mais humilde em relação àquele em quem reconhecia posição de mando, inclusive no caso de delegados de polícia. E em geral, esta condição de superioridade traduzia-se na vestimenta.

Para o povo em geral, paletó, gravata e sapato fino são adereços de domingo, dia de festa, casamento, batizado ou enterro. Para o mandante urbano – empresário ou homem de governo – o traje formal passou a ser seu uniforme de trabalho, equivalente à batina do padre, à toga do juiz e à farda do militar. Assim o cumprimento que recebi ao sair do prédio enfarpelado para a homenagem ao professor Antonio Candido enquadra-se nesta longa romaria de significados que remonta ao antigo latim erudito.

Pois bem, penso que hoje o termo “doutor” está em baixa, ainda que relativa. Primeiro, porque o mundo acadêmico, com seus mestrados, doutorados, pós-doutorados, livre-docências, etc., está sob ataque generalizado. Este ataque provêm da maré montante de ignorância autossatisfeita que cresce no mundo inteiro, sob a liderança de gente como Trump, nos Estados Unidos, Viktor Orban, Matteo Salvini, o polonês Duda e o lado conservador da Igreja católica na Europa, Bolsonaro, Ernesto Araujo, Malafaia, Edir Macedo et alii no Brasil, e ainda Steve Bannon e Olavo de Carvalho à solta pelo mundo. Não raro, a autoridade dada pelo conhecimento se vê atropelada, inclusive em relação à saúde, pelo autoritarismo sedutor e redutor do pastor ignorante. Sublinho o ignorante, porque é claro que nem todo pastor de igreja é autoritário, nem ignorante; assim como as “relações” no romance antigo, as generalizações podem ser muito perigosas, e levar também ao encanto da ignorância autossatisfeita. Qualquer um pode se tornar o dottore da antiga comédia.

O desdém pela autoridade acadêmica tem tradição também antiga entre nós. Não precisamos ir muito longe. Desde o começo de minha vida profissional trabalhei, simultaneamente, no mundo universitário e no jornalismo. Lá pelos idos dos anos sessenta e setenta, quando, no mundo jornalístico, se queria qualificar um texto como excessivamente longo, pedante, chato, se dizia que ele era “acadêmico”. Em contrapartida, no mundo universitário, quando se queria dizer que um texto era superficial, leviano, inócuo, se dizia que ele era “jornalístico”. Muita bordoada levei de ambos os lados desta polaridade pelo convívio de meus pés com ambos os barcos à deriva nesta nossa correnteza (será esta minha metáfora “acadêmica” ou “jornalística”? Vá se saber!).

Ultimamente o termo “doutor” sofreu uma estocada mortal que, se não o matou definitivamente, levou-o ao leito de alguma UTI da linguagem. Refiro-me ao “episódio Decotelli”. Não adianta tapar o caso com a peneira que se queira, dizendo que Decotelli foi prejudicado pelo racismo à brasileira, ou que se tratou de um “mal entendido”, etc. Decotelli picareteou o próprio currículo, esta é a questão, e o resto é silêncio. Aparentemente, seu caso confirmou o prestígio da palavra “doutor”, pois grudou-a no currículo, inclusive com o prefixo “pós”, de maneira inconsistente, ou mentirosa, para valorizar-se. Mas no fundo ele deu uma contribuição para afunda-la mais ainda neste mar de ignorância em ebulição, comprovando como se pode manipula-la durante tanto tempo e em voo tão alto quanto o de um pretendido ministério.

Bom, depois de uma dança das cadeiras, o referido ministério acabou cedido, pelo menos de momento, a um pastor que me parece fundamentalistamente retrógrado, mas que tem doutorado. Vamos ver no que isto vai dar, se a palavra “doutor” vai sobreviver, e como.

Filósofo

Decididamente em baixa. De “amante da sabedoria” passou a designar “guru inimigo da inteligência”, “terraplanista de araque”, “astrólogo picareta e fanfarrão”. Sem mais comentários. Venda suas ações enquanto é tempo. E não volte a comprar algo no setor, até que ele seja saneado.

Chanceler brasileiro

Idem. De “melhor diplomata do mundo”, a expressão passou a significar “pessoa que acredita no milagre de Ourique, que o vírus da pandemia é de fato chinês e que um falastrão na Casa Branca é o verdadeiro pilar da democracia no mundo”. Melhor não investir. Ou então vá investir na Alemanha. Neste caso, retorno garantido, pelo menos por ora.

Jornalista

Palavra cujas ações permanecem abertas a todos os investimentos possíveis, sobretudo na conta dos detentores do título, na mídia convencional. É palavra de sóbria tradição, tendo ocupado o trend de nomes como Macedo, Alencar, Machado, Barreto, Andrade (vários), Braga e Silveira, Francis (à esquerda e depois à direita), etc. etc. etc. Hoje suas ações oscilam mais que vara de juiz. O valor depende do titular à venda: E. Massa Cheirosa Castanheira, Mirtes Porcão, Mercal Pirambeira, etc., e também de acordo com o fundo que representam: Globúsculo, Estadinho, Folha Provinciana, et alii. Se quiser investir nestas ações, aja rápido: compre e venda em seguida na alta, pois como estes titulares estão sempre à venda, e por valores merrecais, as ações podem cair de imediato no limbo ou no inferno.

Juiz

Já se foi o tempo em que, num jogo de futebol, mais importante do que o juiz era a mãe do juiz. No vocabulário atual a palavra “juiz” abandonou de vez os estádios. No passado recente a cotação da palavra passou por uma alta vertiginosa quando a mídia tradicional deu apoio ilimitado aos mandos e desmandos da Operação Lava Jato e às arbitrariedades cometidas pelo juiz Sérgio Moro. Na verdade esta valorização no mercado começara antes, com o empenho feroz do juiz Joaquim Barbosa contra o PT graças ao tema do “Mensalão”, coisa que, no dirimir das dúvidas, jamais ficou comprovada. Nos últimos tempos a palavra vem demonstrando oscilações perigosas para os investidores, que devem agir com cautela em seu entorno. A fase se abriu com as revelações do site The Intercept sobre os bastidores da Lava Jato e de seus aloprados procuradores e do juiz Moro. Também comprometeu o valor das ações da palavra a própria ação do juiz Moro, aceitando a prebenda (ou seria sinecura?) de sua nomeação para o ministério da Justiça no governo que ajudou ostensivamente a eleger, roubando no jogo do lawfare contra Lula. Para complicar tudo mais ainda, o referido juiz ficou entre a cruz de sua cumplicidade com as loucuras ilegais do presidente que o recompensara, e a caldeirinha em que foi pouco a pouco fritado, até sua patética e apatetada renúncia – ou demissão, tanto faz – motivada pela disposição do mandatário para intervir no comando da Polícia Federal. Outros fatores ajudaram a empurrar a palavra para as cordas, mostrando que juízes e procuradores também aceitavam gordas esmolas, como a de receber auxílio moradia para se estabelecer em cidades onde dispunham de imóveis próprios. Para completar esta progressiva perda de valor, um juiz criou a figura notável da “fuga premiada”, concedendo prisão domiciliar a pessoas foragidas da justiça, a pretexto de cuidar do marido que fora igualmente remetido para seu domicílio, convertido em presídio de ocasião. Ambos, marido e mulher, estão agora no conforto de uma “rachadinha domiciliar”. Juízes do Supremo, depois de alguns deles ser coniventes com a avacalhação da palavra durante a perseguição ao ex-presidente Lula no agora definido pelo próprio juiz Moro como o “ringue da Lava Jato”, se esmeram no momento para recuperar o valor destas ações tentando conter as pirotecnias piromaníacas do governo Bolsonaro. A empresa é difícil, mas quem sabe? Tudo pode acontecer nos quadrantes do quartel dos Abrantes – expressão adequada para definir nossos novos tempos governamentais.

Presidente

Esta é uma palavra que exige a maior cautela e a mais precavida precaução por parte dos investidores, sobretudo aqueles preocupados com o mercado de futuros. No momento, ela atrai cada vez menos investidores tanto por parte dos da alta finança quanto por parte dos pertencentes às camadas médias, que durante o ano passado apostaram pesado nela. Por parte destes setores ela sofrera, antes, uma intensa desvalorização quando passou a ter como o principal de seus assets a figura – para eles esdrúxula e extemporânea – de uma mulher. Preferiam investir nela (na palavra, não na mulher) quando condecorava o peito de quem já conduzia na ombreira o capital de quatro estrelas. Era ganho líquido e certo, até chegar o imprevisível domador de cavalos, que a sepultou sob seus cascos. Depois, nos tempos civis, ela sofreu forte oscilação ao decorar o paletó de um maranhense que, assim como a levou aos píncaros com o Plano Cruzado a conduziu ao fundo do poço graças ao mesmo Plano Cruzado. Destino igual teve com seu sucessor imediato, novamente galgando píncaros de início ao prometer caçar marajás para mergulhar nas sombras logo em seguida quando cassou a poupança de todo mundo e terminou se autocassando para não ser cassado e caçado. Seguiu-se nova valorização, graças a alguém que frequentara a Sorbonne, a de Paris, não a facção militar assim conhecida, cujo manager e CEO era o general Castelo Branco. Tinha título nobiliárquico. Mas ele também a conduziu ao desastre, desvalorizando-se com ela, transformando-se, de “Príncipe da Sociologia”, em mero e senil “Barão de Higienópolis”. Passou por nova e brusca valorização com a unção de um torneiro-mecânico, inclusive no plano internacional, embora continuasse a ser vista com desdém por muitos daqueles investidores da pesada.

Agora, como comentado, a palavra se encontra sub judice, em estado de suspensão, não se sabendo se irá para cima, para baixo, para os lados ou se simplesmente implodirá, dando lugar a outra, como “ditador” ou “miliciano”. O tratamento que seu asset de hoje vem dando à pandemia compromete bastante o valor de suas ações. Merece ser enxaguada com cloroquina, para se ver melhor qual será seu futuro.

Pensando bem, talvez seja melhor investir em suas ações na bolsa de passados. Afinal, se há coisa que não falta em metrópole brasileira, com a exceção compreensível de São Paulo, é uma “Avenida Presidente Vargas” ou algum outro, até do estrangeiro, como Kennedy. Há aqueles que valorizariam uma “Avenida Presidente Lula”, mas estes, infelizmente, não costumam investir nas bolsas de valores, por falta de capital de giro, já que quase sempre dançam no giro dos capitais.

*Flávio Aguiar é escritor, professor aposentado de literatura brasileira na USP e autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).

 

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