A esquerda pluricêntrica

Imagem: Hamilton Grimaldi
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LUIS FELIPE MIGUEL*

Reflexões iniciais sobre as eleições municipais

(1) Bolsonaro foi o grande perdedor. Em muitas das maiores cidades, seus candidatos tiveram votação pífia. Mesmo onde foram melhor, em geral foi bem abaixo do esperado. Sofreu ainda pequenas humilhações – Carluxo perdeu um terço dos votos em relação a 2016 e a famosa funcionária fantasma Wal do Açaí, com apenas 266 votos, não conseguiu uma vaga na Câmara de Angra dos Reis.

(2) A situação é particularmente dramática para o bolsonarismo na cidade de São Paulo. Bolsonaro intui, corretamente, que precisa impedir que Dória surja como aglutinador natural daquela direita cheirosa que fica com ele quando a premência aperta, mas não o ama com sinceridade. A derrota de Bruno Covas na capital paulista é, portanto, estratégica para ele. Por outro lado, é claro que uma vitória de Boulos é um péssimo negócio para a direita como um todo, pelo impulso que pode dar à reativação da luta popular.

(3) Mas Bolsonaro obviamente não é um bom perdedor. O ataque cibernético ao TSE, articulado à campanha de fake news para deslegitimar os resultados, mostram a disposição para levar a tática trumpista às últimas consequências. Bolsonaro dá indícios de que deseja permanecer no poder na lei ou na marra.

(4) A direita tradicional foi a maior vencedora da eleição, mas sua situação não é inteiramente confortável. Afinal, a esquerda também retomou algum fôlego – e essa direita tradicional só consegue se emancipar do bolsonarismo se tiver certeza de que a esquerda está nas cordas.

(5) A mídia tenta vender, além do fortalecimento do “Centro” (sic), a ideia de que o PT foi o grande derrotado. Um exemplo é o texto de Igor Gielow, um daqueles colunistas da Folha, que diz que o PT “nesta eleição municipal virou linha auxiliar da sigla radical saída de sua costela em 2004”. Numa mesma jogada estigmatiza o PSOL como “radical”, em perfeito alinhamento com o discurso do PSDB, e joga o PT na irrelevância. Mas o PT parece ter recuperado espaço nos municípios médios e chega ao segundo turno com chances de vitória em cidades como Juiz de Fora, Contagem, Caxias do Sul, Pelotas, Diadema, São Gonçalo, Anápolis, Cariacica, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Santarém – além do Recife e de Vitória. Mesmo em São Paulo capital, Tatto teve um desempenho razoável, dadas as condições adversas, e o PT fez a maior bancada na Câmara de Vereadores (empatado com o PSDB).

(6) Tudo indica que o PT não recupera a hegemonia que um dia teve no campo da esquerda, mas que o PSOL tampouco o substitui. A esquerda brasileira será pluricêntrica. Isso não é ruim, mas exige maior capacidade de articulação e diálogo.

(7) O grande fato da eleição é a chegada de Boulos ao segundo turno, com grande distância em relação a França e Russomano e muito mais próximo de Bruno Covas do que as pesquisas previam. A campanha para o segundo turno é curta e o PSDB conta com muito mais recursos. Mas Boulos é um candidato muito melhor, com capacidade de potencializar a janela de exposição da qual desfrutará agora. E o resultado do primeiro turno anima a militância da esquerda. Em suma, é permitido sonhar com uma vitória na maior cidade do país.

(8) A situação é mais difícil em Porto Alegre e Belém, em que Manuela e Edmilson chegam ao segundo turno com adversários mais fortes do que o esperado. Pelo simples somatório dos votos dos candidatos derrotados de acordo com suas posições políticas, o favoritismo está com o “centrista” Sebastião Melo, em Porto Alegre, e com o fascistoide Eguchi, em Belém. Felizmente não é tão simples assim. Mas, se fosse para apostar, eu depositaria mais esperanças em Marília Arraes e em Guilherme Boulos, que chegam ao segundo turno com viés de alta.

(9) Aparentemente, houve um crescimento das bancadas de vereadores da esquerda pelo Brasil afora. É uma notícia que merece comemoração. Quem quer que tenha acompanhado a política brasileira nos municípios nesses últimos anos sabe que cada mandato de esquerda faz diferença – para derrotar retrocessos, para denunciá-los, para articular a resistência com os movimentos sociais.

(10) Não falei nada da eleição no Rio de Janeiro, minha cidade natal. A eleição lá foi uma comédia de erros. Que o Rio descanse em Paes.

*Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). Autor, entre outros livros, de Dominação e resistência: desafios para uma política emancipatória (Boitempo).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Jorge Branco Francisco Pereira de Farias José Micaelson Lacerda Morais Annateresa Fabris Milton Pinheiro Antônio Sales Rios Neto Gilberto Maringoni Jean Marc Von Der Weid Alexandre de Oliveira Torres Carrasco José Machado Moita Neto Benicio Viero Schmidt Leda Maria Paulani Marilena Chauí Marjorie C. Marona Paulo Nogueira Batista Jr Daniel Afonso da Silva Samuel Kilsztajn Priscila Figueiredo João Sette Whitaker Ferreira Mariarosaria Fabris Paulo Martins Bernardo Ricupero Ladislau Dowbor Tarso Genro Mário Maestri Eleutério F. S. Prado José Geraldo Couto Marcos Aurélio da Silva Luís Fernando Vitagliano Carlos Tautz Gerson Almeida Liszt Vieira Alexandre de Lima Castro Tranjan Jean Pierre Chauvin Rubens Pinto Lyra Eugênio Bucci Otaviano Helene Airton Paschoa Flávio Aguiar Gabriel Cohn Fernão Pessoa Ramos Ronaldo Tadeu de Souza Heraldo Campos Eliziário Andrade Yuri Martins-Fontes André Singer Everaldo de Oliveira Andrade João Carlos Loebens Michel Goulart da Silva Ronald Rocha Juarez Guimarães Celso Frederico Boaventura de Sousa Santos Leonardo Avritzer Alexandre de Freitas Barbosa Rodrigo de Faria Salem Nasser Sergio Amadeu da Silveira Valerio Arcary Andrew Korybko Sandra Bitencourt Elias Jabbour Antonino Infranca Armando Boito Gilberto Lopes Lucas Fiaschetti Estevez Marcelo Módolo Marcos Silva Chico Alencar Ari Marcelo Solon Daniel Costa João Carlos Salles João Feres Júnior Luiz Werneck Vianna Luiz Renato Martins Marcelo Guimarães Lima Julian Rodrigues Thomas Piketty Matheus Silveira de Souza José Raimundo Trindade Érico Andrade Alexandre Aragão de Albuquerque Tales Ab'Sáber Jorge Luiz Souto Maior Marcus Ianoni Walnice Nogueira Galvão Eleonora Albano Luis Felipe Miguel Manchetômetro Antonio Martins Carla Teixeira Paulo Capel Narvai Lincoln Secco Anselm Jappe Fábio Konder Comparato Bruno Fabricio Alcebino da Silva Ricardo Musse Alysson Leandro Mascaro Renato Dagnino Michael Roberts Eduardo Borges Dênis de Moraes Osvaldo Coggiola Bruno Machado Luciano Nascimento Lorenzo Vitral João Lanari Bo Slavoj Žižek Henri Acselrad João Paulo Ayub Fonseca Paulo Sérgio Pinheiro Remy José Fontana Kátia Gerab Baggio José Dirceu Caio Bugiato Francisco Fernandes Ladeira Luiz Carlos Bresser-Pereira Ricardo Abramovay Luiz Roberto Alves Eugênio Trivinho Maria Rita Kehl João Adolfo Hansen Michael Löwy Berenice Bento Ronald León Núñez André Márcio Neves Soares Denilson Cordeiro Daniel Brazil Rafael R. Ioris Paulo Fernandes Silveira Fernando Nogueira da Costa Manuel Domingos Neto Igor Felippe Santos Ricardo Fabbrini Afrânio Catani Vladimir Safatle Luiz Eduardo Soares Francisco de Oliveira Barros Júnior Leonardo Boff Ricardo Antunes Bento Prado Jr. Luiz Marques Marilia Pacheco Fiorillo Celso Favaretto Dennis Oliveira José Luís Fiori José Costa Júnior Plínio de Arruda Sampaio Jr. Valerio Arcary Andrés del Río Vanderlei Tenório Atilio A. Boron Vinício Carrilho Martinez Flávio R. Kothe Tadeu Valadares Luiz Bernardo Pericás Leonardo Sacramento Henry Burnett Chico Whitaker Claudio Katz

NOVAS PUBLICAÇÕES