A Europa globalista em crise vai à guerra

Imagem: Sputnik / Evgeny Biyatov
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Por MÁRIO MAESTRI*

A União Europeia em crise existencial, tenta salvar-se através de uma guerra que aprofunda sua dependência e declínio

Após 1917, a luta do grande capital contra a URSS, extensão e acirramento do anterior combate ao socialismo e ao mundo do trabalho, foi vanguardeada pelo Vaticano, pela França e, sobretudo, pela Inglaterra. [Decretum, 1/07/1949.] O Império Tzarista e, mais tarde, a URSS, impediram que o imperialismo europeu conquistasse a Eurásia, como fizera com a Ásia e a África, sobretudo. Desde o século XVII, os fabulosos recursos naturais daquelas regiões ensejaram operações de conquista da Rússia pelo colonialismo-imperialismo europeu: Polônia, 1610; Suécia, 1709; França, 1812; Alemanha, 1914 e, sobretudo, a operação teuto-nazista Barbarossa, de 22 de junho de 1941. [TOYNBEE, 1955: 16 et passim].

A partir da Segunda Guerra Mundial [1939-1945], o grande capital europeu readequou seus objetivos históricos às orientações e limites determinados pela nova hegemonia estadunidense e pela existência da URSS. A formação da Otan, em abril de 1949, sob a escusa de conter o expansionismo soviético, foi o desdobramento militar do domínio econômico ianque da Europa Ocidental, consolidado pelo “Programa de Recuperación Europea” estadunidense — Plano Marshall [1948-1951]. A Otan serviu também para justificar, até hoje, a permanência das tropas de ocupação estadunidenses na Alemanha e na Itália. [PECIQUILO, 2014, Cap. 1.3.; HOLGADO, 2000, p. 62; BENEYTO, 2024, I.7.]

Em 1951, criou-se, em Paris, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Em 1957, em Roma, surgia a Comunidade Econômica Europeia (CEE), que instituiu um mercado comum entre a França, a Itália, a República Federal Alemã, a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo. Em 1961, os três últimos países acordaram o livre movimento de capitais, de mercadorias e de trabalhadores. O Benelux foi uma antecipação da União Europeia.

Em 1973, o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca aderiram à Comunidade Econômica Europeia [CEE], fazendo o mesmo a Grécia, em 1981, e o Portugal e a Espanha, em 1986. Até aquele momento, a CEE desempenhara sobretudo uma função de integração econômica, sob os auspícios do grande capital europeu, sempre sob hegemonia estadunidense, que necessitava de mercado supranacional.

A queda do muro

A partir de 1989-91, a restauração capitalista nas ex-repúblicas soviéticas da URSS, nas repúblicas populares do Leste Europeu, na Iugoslávia esfacelada, etc. desvelou o caráter estratégico da contra-revolução capitalista na Europa e na Eurásia. Enormes áreas das repúblicas ex-socialistas mais frágeis tornaram-se semiprotetorados europeus, sempre sob a hegemonia ianque. As regiões mais avançadas foram igualmente abocanhadas pela produção capitalista euro-estadunidense.

O bloco euro-estadunidense rejeitou a proposta ingênua apresentada por Vladimir Putin da incorporação da Federação Russa à Otan e à União Europeia, para participar da divisão capitalista internacional do mundo. Não havia lugar para a Federação Russa na mesa de banquete em que se esperava que ela constituísse um dos pratos fortes a serem servidos. [BBC NEWS Brasil,        11 março 2022.]

No contexto da restauração capitalista no Leste Europeu, a CEE conheceu um salto de qualidade. Em 1992, um ano após a explosão da URSS, o tratado de Maastricht criou a União Europeia, com amplas funções políticas, que previu uma moeda única, a ser criada em 1999. O euro coroaria uma união econômica, monetária e política que se expandiu, fortemente, nas décadas seguintes, sob a hegemonia do grande capital europeu-estadunidense. [PECIQUILO, 2014.]

A marcha para o leste

Em 1995, a Áustria, a Finlândia e a Suécia, nações neutras, incorporam-se à União Europeia. Em 2004, ela conheceu mega-expansão, com a adesão de países sobretudo oriundos da antiga área de influência soviética: Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, Eslováquia, Eslovênia, República Checa. Em 2007, foi a vez da Bulgária e da Romênia e, em 2013, da Croácia, de ingressarem na União Europeia. [HOLGADO, 2000, p. 24 et seq.]

A expansão da União Europeia deu-se concomitantemente com a da Otan, apesar das garantias verbais dadas a Gorbachov, pelo governo estadunidense, em 1990-1991, quando da dissolução da URSS. [PECIQUILO, 2014, Cap. 3.2.] O governo estadunidense comprometera-se que a Otan não incorporaria as ex-nações membros do Tratado de Varsóvia, se aproximando assim das fronteiras da Federação Russa e ameaçando sua segurança nacional.

Em 2017, foram reveladas referências documentais estadunidenses confirmando esses compromissos. [BOUD, 2022, Cap. 3.9.] A Otan incorporou, em 1999, a República Checa e a Hungria; em 2004, a Bulgária, a Estônia, a Lituânia, a Romênia; em 2004, a Eslováquia e a Eslovênia; em 2009, a Albânia e a Croácia; em 2017, o Montenegro e em 2020, a Macedônia do Norte. [ZIMA, 2023, Cap. IV.]

Por las buenas o por las malas

A incorporação das novas nações à União Europeia, com 27 estados-membros e em expansão, e à Otan, hoje com 32 nações associadas, deu-se em um contexto de compulsão soft e hard, no estilo “marche ou morra”, com amplas imposições, quanto à privatização de empresas públicas, contensão dos gastos e direitos sociais, compra de armamento ocidental [sobretudo estadunidense], prática da russofobia, etc.

A consolidação da União Europeia-Otan exigiu e impôs, aos seus antigos e novos membros, assimilação aos preceitos neoliberais, atlantistas e globalistas que dominaram e se expandiram através do mundo, até onde puderam, nos anos que antecederam e, e sobretudo, sucederam à dissolução e restauração capitalista do dito campo socialista.

Em 1989-1991, a “Queda do muro de Berlim” e a dissolução da URSS demarcaram derrota histórica do mundo do trabalho. Após décadas de avanço da revolução, seguido de anos de estagnação, com a vitória mundial da contra-revolução, abriu-se uma nova era contra-revolucionária que se mantém até hoje. Ela motivou profunda crise de subjetividade do mundo do trabalho, desde então descrente no seu programa para a superação dos problemas postos pela ordem capitalista em adiantado estágio senil. [MAESTRI, 07.03.2023; MANDEL, 1997.]

A relação entre os grandes capitais europeus, entrincheirados na governança da União Europeia, e o estadunidense, dominante, foi sempre de colaboração-antagonismo. Inicialmente, o imperialismo USA necessitava da União Europeia-Otan para conformar um bloco unitário contra a URSS. A seguir, após 1991, serviu-se delas para uma melhor gestão de seus interesses na Europa e através dela, no mundo. A Inglaterra foi sempre o principal representante dos interesses ianques no Velho Mundo.

Em sentido contrário, o imperialismo estadunidense sempre viu com maus olhos, por um lado, o fortalecimento do euro, como eventual moeda alternativa ao dólar, mesmo em um horizonte distante, e, por outro, a dominação econômica da Alemanha unificada sobre o Velho Mundo. Temia, e muito, uma aliança, entre ela e a Federação Russa, partejando um poderoso polo econômico e nuclear, quando a China ameaçava já a dominação mundial ianque decrescente. [GROSSER, 2023, Cap. 3.]

Bloco globalista

A União Europeia e suas instituições — Parlamento Europeu, Comissão Europeia, Banco Central Europeu, Tribunal de Justiça da União Europeia e por aí vai — constituíram, sempre, um poderoso instrumento de imposição do neoliberalismo globalista no Velho Mundo e em sua área de influência. Uma importante ferramenta no avanço do projeto mundial de construção de espaço único, supra-nacional, sem fronteiras, segundo às necessidades do grande capital, sobretudo financeiro.

A União Europeia é instrumento essencial do programa de conformação de área global, na esfera econômica, tendencialmente livre à circulação de capitais, da mão de obra, de mercadorias, com um mínimo de restrições quanto à exploração do mundo do trabalho, do meio-ambiente, etc. Um mecanismo apoiando o reordenamento mundial em favor do grande capital, regido por instituições oficiais, como o FMI, o Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio, a ONU, etc., além dos organismos europeus citados oficiais e semioficiais, — G7, G8, G20, Fórum Econômico Mundial etc. [COSTA, 2023.]

No Velho Mundo, a União Europeia constituiu-se como um espaço geográfico supra-nacional, governado em forma unificada, a partir de instituições localizadas sobretudo em Bruxelas, a nova Roma do globalismo europeu, respondendo formalmente à vontade das populações nacionais e inalcançáveis e incompreensíveis a elas. às populações europeias. Tudo na perseguição de uma sociedade mundial, sob a batuta do grande capital dominante.

Direita e a dita esquerda

A construção de um mundo globalista, na Europa, em desenvolvimento e consolidação, com o apoio dos partidos tradicionais de direita e de esquerda, no último caso, com destaque para os sociais-democratas, socialistas, ex-comunistas. Uma maré que arrasta, total ou parcialmente, o que restou de movimentos que se reivindicaram e se reivindicam do marxismo, que abandonaram a luta pelo mundo do trabalho pelo identitarismo, wokismo, ecologia pequeno-burguesa , etc.

Uma deserção mundial, multitudinária, no plano político, ideológico e organizacional, em favor do neo e do social-liberalismo, de partidos, movimentos, políticos, intelectuais socialistas, progressistas, marxistas, terceiro-mundistas etc., favorecida pela assinalada vitória mundial da contra-revolução demarcada pela dissolução da URSS. Fenômeno que agravou e agrava a crise atual do mundo do trabalho.

Ao igual que nos EUA, a hegemonia do globalismo europeu, sob o império do capital financeiro, promoveu a desindustrialização tendencial de tradicionais centros industriais europeus, locus no passado de uma classe trabalhadora organizada e combativa, desorganizada e esfacelada nesse processo. Entre as nações que sofreram o processo de deslocalização industrial, em favor de regiões de menor custo de mão de obra e de amplos mercados, na Ásia, nas Américas, etc., destacam-se, em forma desigual, a Inglaterra, a França, a Itália, a Espanha, a Polônia. Alguns países, como Portugal, perderam boa parte do seu escasso parque industrial.

A exceção alemã

O abandono da dominância industrial, mesmo relativa, da sociedade europeia, em prol dos serviços — turismo, finanças, comunicações, etc. — foi acompanhado por um empobrecimento sobretudo do mundo do trabalho e dos segmentos populares, golpeados igualmente por imigração selvagem incentivada e imposta, pela Comissão Europeia, a fim de deprimir os salários e a organização operária. Por longos anos, a Alemanha escapou dessa tendência, avançando sua industrialização, apoiada nos baixos gastos com as forças armadas, na energia barata chegada da Federação Russa, em uma imigração monstruosa de trabalhadores.

Na Europa Ocidental, a adesão dos antigos partidos operários ao globalismo e ao social-liberalismo deixou o mundo do trabalho e as classes populares órfãos de representação política. A luta contra a imigração selvagem programada, contra o confisco dos direitos de representação política nacional, contra a degradação das condições de existência, contra a deslocalização industrial, contra a guerra e em favor da paz, contra as sandices e mesmo monstruosidades da cultura woke etc., foi recolhida por partidos de direita populista, hoje muito fortes na Alemanha e a França e, em menor grau, na Suíça, Dinamarca, Áustria, Finlândia, etc. [MOUTOT, Dora & STERN, 2024; HEINICH, 2024.]

Em geral, mesmo as facções da esquerda marxistas denunciam essas organização como fascistas, fortalecidas não se sabe bem de onde ou por quê, sem se preocuparem com as razões que levam os trabalhadores e populares, não apenas na Europa, a aderirem a elas. Isso, quando não reafirmam e defendem as políticas, as instituições, os complexos ideológicos etc. do globalismo.

Cinco ou mais Rússias

Em 2014, o golpe de Estado na Ucrânia, impulsionado pelo democrata Barack Obama, pela União Europeia e pela Otan, almejava concluir o cerco da Federação Russa, obrigando-a a uma rendição que seria a anticâmara de sua crise e dissolução, em cinco ou seis nações, facilmente colonizáveis, como ocorrera com a Iugoslávia esquartejada. A Federação Russa é constituída de 21 repúblicas, um maior número de regiões, meia dúzia de províncias, além de distritos autônomos. Uma babilônia à espera de “revoluções coloridas”.

A explosão da Federação Russa em diversos estados frágeis abriria as portas à colonização, pela Europa imperialista associada aos USA, de região riquíssima em recursos naturais. Maná dos céus para uma Europa imperialista em regressão econômica estrutural, que perde as últimas posições conquistadas através do mundo no passado. O imperialismo francês vem sendo expulso, aos pontapés, de antigas zonas de influência na África Negra.

Para o imperialismo globalista estadunidense, além de ganhos econômicos e geopolíticos, a explosão da Federação Russa fragilizaria a República Popular da China, que ele se propõe e necessita abater, para poder reerguer seu status hegemônico mundial em regressão, que o levou à difícil situação que atravessa atualmente, também no plano nacional.

O conflito entre a Otan e a Federação Russa, iniciado com o golpe de Estado na Ucrânia, em 2014, acelerou-se, em 2022, devido à decisão dos USA-Grã-Bretanha de sabotarem as negociações de paz entre Kiev e Moscou, em fase conclusiva. A Otan estreitava relações com a Ucrânia desde 1997, preparando o bote concluído em 2014. [ZIMA, 2023, cap.IV, IV; [LOPES, 31/07/2024.]

O bloco imperialista euro-estadunidense prometeu a Valodymyr Zelensky o apoio até a vitória sobre a Federação Russa, que se esperava alcançar, em alguns meses, com a desorganização de sua economia e sociedade, através do bloqueio diplomático e econômico ao país e exacerbação da panóplia de sanções aplicadas desde 2014.

A vitória do exército ucraniano, preparado pela Otan desde 1914, sobre as tropas da Federação Russa, vistas como periclitantes, aceleraria o esperado rápido desenlace final de uma operação com raízes fincadas na história. A Rússia desapareceria, para sempre, como uma potência capaz de impedir a expansão colonial-imperialista sobre a Eurásia e como aliada da China. [MAESTRI, 12/04/2022.]

Um erro existencial

Na primavera de 2022, a intervenção da Otan-EUA, através do então primeiro-ministro inglês Boris Johnson, pôs por terra as adiantadas negociações entre Kiev e Moscou, em torno da neutralidade da Ucrânia e, portanto, de sua não adesão à Otan, assim como do respeito aos direitos civis e linguísticos dos russos étnicos, no interior da Ucrânia. O acordo dispunha que o Donbass permanecesse, com garantias, nos marcos da nação ucraniana. [Brasil 247, 25 de novembro de 2023.]

O rompimento dos acordos em discussão, praticamente concluídos, levou a Federação Russa a empreender a disputa com os exércitos ucranianos, em campanha indireta contra a Otan-EUA, pelo domínio territorial da Novaya Russia e obtenção de garantias à sua segurança nacional. Uma guerra que os USA-Otan esperavam, como proposto, vencer em alguns meses.

É paradoxal que os dirigentes da Otan-EUA não apenas apresentassem em sua publicidade belicistas, mas também acreditassem, em uma Federação Russa de economia, instituições políticas e forças armadas frágeis, prontas a se dissolverem. Nada, entretanto, de se estranhar. É comum que a realidade objetiva seja distorcida, sob a pressão de necessidades políticas, econômicas, ideológicas, etc., e que as fantasmagorias nascidas nesse processo, sejam aceitas como a verdade dos fatos aos interessados, não raro, analistas perspicazes. [BAUD, 2023, Cap. 5.]

Em maio de 2022, a secretária do Comércio ianque declarou ao Senado dos USA que, por falta de semicondutores [microchip], os russos os retiravam de lava-louças para uso militar e que vacilava a produção de tanques pela mesma carência. [PODER360, 12/05/2022; BAUD, 2023, 3.3.3.] Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, reafirmou a historieta e propôs que a “indústria russa” estava em “farrapos” e que a vitória, próxima. [CNN Portugal, 14/09/2022.]

Essa guerra não é minha

O poderio e avanço da indústria bélica e a resiliência diplomática, econômica e social russa motivaram derrotaram a ofensiva euro-estadunidense, tornando quase certa a vitória da Federação Russa. Entretanto, ela é inaceitável ao imperialismo europeu, que a sente como um poderoso cravo fincado no ataúde de sua obsolescência. Os USA abandonam simplesmente as operações militares em que fracassam: Coreia, Vietnã, Iraque, Afeganistão.

O fiasco ucraniano de Joe Biden contribuiu à vitória do empresário republicano topetudo e o seu retorno ao governo com sua proposta nacional-imperialista mais madura e consolidada e uma equipe mais coesa. Quanto à Ucrânia, Donald Trump simplesmente propôs ser uma guerra de Joe Biden e dos democratas e não sua e do Estado imperialista estadunidense.

O programa trumpista propõe: rompimento com o globalismo financeiro; impulsão da reindustrialização ianque, por cima de questões ambientais e outras; reversão dos déficits comerciais, em detrimento das nações parceiras; diminuição do Estado nacional, com corte radical dos gastos civis e militares; diminuição de impostos ao grande capital; fim da guerra na Ucrânia, aproximação da Federação Russa, a ser afastada, mesmo relativamente, da China; centralização do confronto comercial, tecnológico, diplomático, etc. com a China,; fortalecimento dos exércitos estadunidenses.

É narrativa ideológico-publicitária a apresentação da doutrina trumpista como desatino de um político destrambelhado. Ela assenta raízes na tradicional vertente isolacionista estadunidense, associada a uma rejeição fundamentalista da modernidade e pós-modernidade globalista. Ela é antiliberal e antidemocrata, na gestão e na organização do Estado. Sonha com a redução da autoridade e autonomia da Justiça; com a transferência dos poderes federais aos governos estaduais e municipais; com uma administração pública dirigida por magnatas esclarecidos, proposta do positivismo comtiano de fins do século 19. Não prevê espaço para legislação e organizações sindicais. [MAESTRI, 05/03/2025.]

Antidemocratismo

Paradoxalmente, o antidemocratismo trumpista, nos marcos de uma sociedade industrial nacional, converge com o autoritarismo do globalismo, em sua proposta de uma organização mundialista sem barreiras nacionais, atual estágio mais avançado da ordenação capitalista. Os dois são profundamente anti-democráticos e apontam, em um horizonte mais ou menos distantes, para novas formas de dominação de vieses semifascistas. Ambas fazem parte da ressaca civilizacional permitida pelo destruição do que restava dos estados operários e da derrota e da regressão do programa do mundo do trabalho para a superação do capitalismo em sua fase patológica e senil.

No plano cultural e ideológico, o trumpismo se propõe como uma guerra cultural em favor do conservadorismo, sob a consigna “Deus, pátria e família”. J. D. Vence nasceu em uma família evangélica batista, pobre e desclassada, da região do “Cinturão da Ferrugem”. Sua família integrava a comunidade branca lumpenizada pela desindustrialização, que responsabiliza comumente, por sua decadência, o avanço das comunidades negras, mais imaginado do que real, o feminismo, o ecologismo, a modernidade. O atual vice-presidente se converteu, já adulto e parlamentar ambicioso, a um catolicismo de estampa tradicionalista, conservadora, autoritária e identitária.

J. D. Vence integra uma corrente católica pós-liberal que propõe governos fortes, orientados pelos princípios do fundamentalismo cristão. Poderoso nos Estados Unidos, o catolicismo conservador se opõe frontalmente à orientação reformista do pontificado do papa argentino, recém falecido. O vice-presidente passou a Páscoa, com a família, em Roma, visitou o Vaticano e foi recebido pelo papa Francisco, ao igual que a italiana, Giorgia Meloni, e o argentino Javier Milei, todos, mais ou menos, varinha do mesmo saco. Foi o último dignitário recebido pelo papa peronista. [Le Monde, 19.04.2025; 20.04.2025.]

As classes trabalhadoras, sob a pressão da desindustrialização, do neoliberalismo e do globalismo, sem direções de esquerda e mesmo classistas, abraçam as propostas de reindustrialização protecionista e rejeitam o elitismo yuppie e o intelectualismo pernóstico das classes médias das grandes cidades ianques, trabalhando no setor terciário, financeiro, tecnológico, etc., base social atual de apoio da globalização e do Partido Democrata.

Essa rejeição popular à cultura das classes médias elitistas é compreensível e, em alguns aspectos, positiva, com destaque para a ojeriza ao “feminismo” e o “ecologismo” extremados; aos horrores da dita “ideologia de gênero” e seus tratamento cirúrgicos, suspensão da puberdade, aplicação de hormônios desde a infância; definição-opção forçada da orientação sexual de crianças etc. [MOUTOT, Dora & STERN, 2024; HEINICH, 2024.] Uma rejeição manipulada pelo trumpismo e pelos partidos da direita populista que grupos e movimento de direitas procuram aproveitar para promoverem mobilização contra direitos civis.

Revolução conservadora

J. D. Vance, na 61ª reunião da Conferência sobre a Segurança Europeia de Munich, anunciou a ruptura radical, no plano moral, entre o globalismo [não apenas] europeu e a revolução conservadora trumpista. [MAESTRI, 22/02/2025.] Ruptura do eixo atlantista, sobre o qual a Europa imperialista se apoiara, desde a II Guerra mundial, sob a orientação estadunidense. O divórcio se materializou, no plano diplomático, nas discussões diretas de Washington com Moscou, sem a participação da Europa e de Kiev, e, no plano econômico, no tarifaço de 2 de abril, “Dia da Libertação” trumpeana, que ameaça de cobrar taxa de 20% sobre as exportações europeias para os Estados Unidos.

A vitória de Donald Trump desorganizou o governo estadunidense como avançada mundial do globalismo. Este último, sob a direção do Partido Democrata, reorganizou prontamente suas forças nos Estados Unidos — governadores, parlamentares, mídia, intelectuais democratas, Deep State, etc. — em favor da oposição e sabotagem das iniciativas do novo governo. O globalismo estadunidense prepara-se para o combate a ser livrado nas eleições do “meio mandato”, em 2026, e, sobretudo, para o pleito presidencial, em 2028. Sem contradições de classe, são duas facções do grande capital em pugna que causa e causará perdas ingentes aos derrotados.

Todas as armas servem nesse combate. Bernie Sanders, judeu por origem familiar e pró-sionista por decisão pessoal — “Israel tem o direito de se defender”—, destacou-se nos últimos anos na galvanização da juventude radicalizada procurando impedir que ela rompa com o curral eleitoral do Partido Democrata. Agora, percorre os Estados Unidos proclamando discursos inflamados contra o governo trumpista, atacando o capitalismo e defendendo os trabalhadores, sem pronunciar a palavra socialismo ou se referir à construção da autonomia política dos trabalhadores. O trumpismo segue sem oposição real de esquerda, o mesmo que ocorreu com a administração democrata anterior.

O giro nacional-industrialista do trumpismo determinou que a União Europeia se tornasse a vanguarda política mundial do globalismo, não apenas o Partido Democrata livra igual batalha no outro lado do Atlântico. O aríete atual do globalismo europeu é a sabotagem da operação de paz trumpista, através do amplo financiamento e apoio à continuação da guerra à Federação Russa. Para tal, ele se serve da Otan, sem os USA, e de novas coordenações belicistas.

A Rússia não pode vencer

A Inglaterra-União Europeia, até agora com indiscutíveis resultados parciais, tem impedido um fim do conflito que sancione a vitória objetiva da Federação Russa, que assentaria um golpe terrível no prestígio das nações imperialistas do Velho Mundo e debilitaria fortemente o governo supra-nacional da União Europeia. Entretanto, a ameaça do trumpismo de interromper totalmente o apoio ao conflito ucraniano pode levar ao debacle do esforço militar da União Europeia.

A derrota militar da Otan- União Europeia iniciaria corrida das atualmente aguerridas e prepotentes nações com fronteira com a Federação Russa, para restabelecer as relações de antes de 2014. A Finlândia já se movimenta nesse sentido. E motivaria uma desesperada procura de restabelecimento do fornecimento energético russo, sobre a qual já se começa a falar. As sequelas da vitória russa ensejariam maremoto político no Velho Continente e na sua governança.

A atual sustentação da guerra, empreendida sobretudo pela Inglaterra, França, Polônia, Alemanha, Dinamarca e as micro-nações bálticas – Estônia, Letônia e Lituânia –, procura obrigar o governo de Donald Trump a recuar em sua aproximação à Federação Russa, ao não conseguir impor a paz, sendo assim obrigado a algum apoio à continuação da guerra.

A literal sabotagem europeia da iniciativa de paz na Ucrânia procura se apoiar nas dificuldades do em outras iniciativas programáticas, como o desmantelamento do Deep State globalista estadunidense e a renegociação mundial dos déficits monstruosos do balanço comercial ianques, nascida, esta última, sobretudo da resistência da China de negociar em situação de inferioridade.

A China é a grande opositora ao nacional-imperialismo trumpista. Ela defende, literalmente para afastar a ameaça de soçobrar no marasmo econômico, proposta definida com sensibilidade, em recente discussão, pelo economista Plínio Arruda Sampaio Júnior de “globalismo multi-polar”. Orientação capaz de prosseguir sua posição de “fábrica do mundo”, de potência mega-exportadora-importadora e de nação com pretensões à hegemonia mundial.

Vance contra Rubio

No governo Donald Trump parecem conviver duas grandes posições sobre a Ucrânia. Uma, representada pelo vice-presidente J. D. Vance, em favor da paz. Ela defende concessões à Federação Russa, já que compreende que Moscou não abandonará sua atual ofensiva vitoriosa, abandonando na mesa das negociações parte da Novaya Russia recuperada e a garantia do afastamento da Otan de suas fronteiras.

A posição oposta é defendida por Marco Rubio, atual chefe da diplomacia estadunidense, no passado destacado neo-con belicista e armamentista, ao igual que Dick Cheney, John Bolton, Colin Powell, Donald Rumsfeld, Paul Wolfowitz. Essa facção, atualmente em recuo, propôs aumentar as sanções para forçar Federação Russa a uma meia-vitória ou meia-derrota. J. D. Vence e Marco Rubio são propostos como possíveis candidatos à presidência em 2028.

No Velho Mundo, hoje, vive-se uma literal ditadura da grande mídia; repressão de direitos de manifestação e de expressão, etc. por muitos governos, sobretudo no relativo à guerra na Ucrânia, à Federação Russa, à resistência palestina, etc. Essa ordem ditatorial disfarçada se fortaleceu enormemente quando da epidemia do Covid-19 – obrigação em alguns casos policial da vacinação, do uso de máscaras, da permanência nas moradias, etc.

No olho da justiça

Úrsula Von der Leyen, ex-ministra da Defesa do governo alemão, de 2013 a 2019, portanto, durante o golpe de Estado na Ucrânia, reeleita pelo Parlamento Europeu como presidenta da Comissão Europeia, empreendeu negociações, atualmente em investigação, sobre a compra de vacinas da Pfizer no valor de vinte milhões de euros, com, no mínimo, quatro milhões de doses desperdiçadas. A Comissão Europeia tem arenado as investigações.

Nesse contexto geral, cresce uma dissidência multifacetada com a ordem supra-nacional da União Europeia e dos partidos hegemônicos que a sustentam, com as políticas antipopulares, com o financiando milionário do conflito na Ucrânia, etc. Tudo isso enquanto seguem decaindo as condições populares de existência. O mesmo ocorre na Inglaterra, que abandonou a União Europeia.

À oposição isolada, à orientação globalista e à guerra à Federação Russa, por parte do governo húngaro de direita, de Victor Orban, recebeu o apoio do governo de centro-esquerda da Eslováquia, de Robert Fico, objeto há alguns meses de gravíssimo atentado a sua vida. Mantém-se e se fortalece, igualmente, a neutralidade da Áustria e de Malta e a resiliência da Sérvia e da Geórgia às enormes pressões por parte da União Europeia – financiamento de ONGs, de mídias, de partidos, de manifestações da oposição, etc.

Bloco em crise

As fissura no globalismo europeu ampliaram-se com o deslocamento recente de posição, da presidenta do conselho de ministros italiano, Giorgia Meloni, populista de direita e neofascista no passado recente. Sem enrubescer, ela trocou o colo protetor de Joe Biden, quando defendia o atlantismo, o europeísmo e a guerra na Ucrânia – “A sorte da União Europeia e da democracia ocidental passam também pela vitória da Ucrânia” [21/02/2023] — pelo regaço do vitorioso de Donald Trump e por sua política “antiglobalista”. Ela acaba de se pronunciar contra o “wokismo”.

Giorgia Meloni, mesmo ao apoiar firmemente a ofensiva contra a Federação Russa, não se destacou pelo envio substancial de armas para a Ucrânia. A população italiana, sobretudo as classes trabalhadoras e populares, mesmo votando na direita populista, se mantém contra a guerra e o rearmamento e, não raro, é simpática à Rússia e a Putin. A secretária geral do Partido Democrata, Elly Schlein, ex-PCI, hoje entre a social-democracia e o social-liberalismo, se opõe à proposta de rearmamento, contra a burocracia dirigente de seu partido.

Giorgia Meloni, explicitamente direitista, a primeira pós-fascista ao chegar à direção do governo, surfa inegável prestígio popular, não apenas na Itália, quarta maior economia do continente, após a Alemanha, a Inglaterra e França, por total falta de oposição coerente de uma esquerda italiana atlantista e belicista. Atualmente, ela é o homem de Trump na Europa. A própria Comissão Europeia serve dela para as negociações com Donald Trump, que odeia von Der Leyen.

Farsa democrática

Os governos da Inglaterra, da França, da Alemanha, principais eixos imperialistas da Europa, apesar de eleições recentes, conhecem crescentes desgaste e descrédito junto às suas populações nacionais. Eles servem-se de medidas autoritárias para prosseguir as políticas globalistas antipopulares. Por sua vez, a União Europeia fortalece seu controle despótico sobre seus associados mais frágeis e em nações fronteiriças.

Desde 6 de dezembro de 2024, a Comissão Europeia organizou uma sequência de golpes institucionais que anularam a vitória, já consumada, no primeiro turno, na Romênia, de candidato favorável à paz. Calin Georgescu, conservador, opunha-se à instalação de enorme base aérea da Otan, em Mihail Kogalniceanu, próximo à fronteira do país com a Federação Russa. Ele foi impedido de se reapresentar, consubstanciando-se a situação do país como um protetorado da Comissão Europeia.

O grande capital europeu, sobretudo inglês, alemão, francês, suíço e holandês, defronta-se com uma grave ameaça a sua hegemonia. O avanço da Federação Russa na Ucrânia desvela a fragilidade militar do imperialismo europeu, expressão da regressão industrial-manufatureira do continente. Com o fim do devaneio de uma rápida derrota e colonização da Federação Russa, naufraga o sonho de uma independência, não apenas energética, do continente; de espaço virgem para o investimento das massas fluviais de capitais europeus sub-rentabilizados; de um renascimento do imperialista que a Europa conheceu no passado.

A Europa globalista enfrenta a difícil conjuntura mundial mergulhada em longa estagnação tendencial, devido sua desindustrialização em favor do setor terciário. Da destruição industrial escaparam, sobretudo, o centro-sul da Alemanha, hoje às portas da recessão, e algumas regiões do continente, como regiões da Itália, da Holanda, da Bélgica (Flândia), etc.

Uma nova era

O capital globalista europeu e mundial vive a ameaça do capital manufatureiro, que o trumpismo prometer renascer, nos Estado Unidos, escorchando o mundo e submetendo a China. Mesmo uma fuga limitada de indústrias para o outro lado do Atlântico, à procura de maior mercado e energia mais barata, assentará uma forte estocada no periclitante parque manufatureiro europeu.

A Europa se defronta, anêmica, diante dos Estados Unidos que promete retornar ao velho poderio; de uma China em expansão, mais ou menos significativa; de uma Federação Russa fortalecida, apesar das sanções e da guerra, e aliada ao Dragão Oriental e aos Brics +, que Donald Trump intenciona desorganizar.

De 1995 a 2024, a taxa anual de crescimento da área do euro foi de 1,59%. O crescimento médio da Alemanha, a locomotiva europeia, em 1971-2024, foi de 1,82%. E, com a substituição da energia chegada da Federação Russa, por gás e petróleo a preço mais elevado, o país mergulhou na depressão, com um crescimento negativo do PIB em 2023 e 2024 de – 0,3 e 0,2%.

A Europa vai à guerra

A Comissão Europeia retirou da cartola, como salvação do globalismo no Velho Mundo, substituir as exportações e mercado interno, ambos em crise, por um keynesianismo de guerra. Produzirá, em vez de carros e de manteiga, canhões e tanques! Agora e durante os próximos dez anos, à espera da invasão dos bárbaros chegados das estepes russas, sempre anunciada, mas jamais realizada, como no belíssimo romance de Dino Buzzati, O Deserto dos Tártaros.

Uma solução impulsionada com resultados por Adolfo Hitler, que retirou a Alemanha da crise militarizando a indústria do país, levado inevitavelmente à guerra, já que é impossível acumular armas sem consumi-las e rentabilizá-las. A Federação Russa cresceu durante a guerra impulsionada parcialmente pela indústria militar. [BAUD, 2023, Cap. 3.1.]

O investimento militar da Federação Russa, em torno de 7,5% do PIB, tem sido sustentado por fortes exportações de petróleo, gás, grão, etc. E ela possui importantes reservas cambiais, em crescimento em inícios de 2025, e dívida pública minúscula — 16,40 % do PIB em 2024. Tudo o que as grandes nações europeias não dispõem. A dívida pública inglesa é de 96%; a francesa, de 113%; a italiana de 135,2% do PIB, em 2024. Todas crescendo.

Justifica-se o armamento geral com a fantasiosa invasão da Europa, já sem a proteção dos EUA, pelas hordas de Vladimir Putin, até os confins de Portugal. Uma idéia inculcada no imaginário europeu desde 1917. [BAUD, 2023, Cap. 3.1.] O governo espanhol sugeriu sabotagem estrangeira — certamente de Putin — do recente apagão geral.

Salvando os bancos

Em 4 de março de 2025, em nome da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen propôs investir oitocentos bilhões de euros na indústria militar e apoio à guerra contra a Federação Russa. As somas monstruosas seriam obtidas com empréstimos que rentabilizariam, sob garantia pública, capitais europeus imobilizados. Elas aumentarão as imensas dívidas públicas, que pesam sobre não poucas nações europeias, com corte nos gastos sociais e aumento de impostos. Propõe-se a mobilização, mesmo forçada, da poupança popular. A Comissão Europeia prepara a introdução do Euro virtual, com a retirada tendencial da circulação do papel-moeda e a proibição sem justificativa plausível de saques bancários em numerário, mesmo de somas medíocres.

A pressão das imposições da União Europeia, fortalece a oposição, consciente, semiconsciente e inconsciente de uma população submetida a um permanente estresse. O que exigirá uma ainda maior manipulação e estreitamento dos direitos de expressão, de voto, de organização, etc. pelo globalismo.

Os oitocentos bilhões propostos por von Der Leyen, já questionados por estados nacionais e mesmo no Parlamento Europeu, aproximariam-se do exigido pelos trumpismo para manter alguma participação na Otan. Esses fundos terminarão sendo gastos em armamentos estadunidenses de alta tecnologia, incapazes de serem produzidos na Europa.

A França já fortalece seu parque militar que, como é habitual nesse ramo industrial, contrata escassa mão-de-obra, em geral, especializada. Essa concentração de recursos lançará bóia ao capital financeiro mas recuará as exportações tradicionais, os investimentos em pesquisa não militar, o parque industrial civil do continente. [Le Monde, 20.04.2025.].

Um vovô da pesada

O próximo chanceler, Friedrich Merz, 69, assumirá em maio o comando de aliança entre o conservadorismo alemão [CDU] e a social-democracia social-liberal [SPD], apenas apeada do governo. Ele apoiou recentemente modificação constitucional, por debaixo do poncho, para impulsionar, com enormes déficits públicos, o rearmamento do país, dirigido contra a Federação Russa, em favor do capital financeiro.

Friedrich Merz anunciou a disposição de entregar mísseis alemães Tauros de longo alcance, para a Ucrânia atacar o interior profundo da Federação Russa, o que motivaria duríssima reação russa. [EURO NEWS, Europe, 14/04/2025.]A bravata retórica foi feita ao se preparem as celebrações, em 9 de maio, dos 80 anos da derrota da Alemanha pelo Exército Vermelho. Na guerra, 25 milhões de soviéticos foram mortos pelas tropas alemãs. Como os mísseis Tauros possuem componentes estadunidenses, Donald Trump vetou a entrega dos mesmos à Ucrânia.

Em 2004, durante campanha eleitoral, Friedrich Merz pronunciou-se, “com profundo horror”, contra a possível vitória de um “prefeito vermelho” [social-democrata], em sua cidade natal, Brilon, onde seu “querido avô”, Josef P. Sauvigny [1875- 1967], fora, por anos, um “prefeito maravilhoso”. O futuro chanceler declarou não conhecer o passado do vovozinho, aos serem reveladas suas ligações com o nazismo. [R/Staiy]

O Banco Central Europeu impulsiona também a redução das taxas básicas de juro, hoje em torno aos 3%, para ajudar a reativação da União Europeia. Não é improvável a promoção de surto inflacionário, como o de 2022 [9-10%], em resposta à desvalorização persistente do dólar e da China, se ela proceder, de igual modo, em relação ao o renminbi. O que ensejaria outro golpe à debilitada economia da população europeia.

O globalismo no fio da navalha

O globalismo europeu vive profunda insegurança. Encontra-se sob o ataque do nacional-imperialismo da administração estadunidense, aliado que seguiu subserviente desde a Segunda Guerra Mundial. Periga terminar pagando sozinho os custos do conflito na Ucrânia, impulsionada pelo bloco imperialista euro-estadunidense, hoje esfacelado.

A União Europeia procura manter e impulsionar o governo supra-nacional e a economia em estagnação tendencial com keynesianismo militar, vendido à população como imprescindível para enfrentar uma fantasiosa invasão da Federação Russa. Sob sua gestão tendencialmente despótica, se avoluma a oposição da população, com destaque para a Inglaterra, a França, a Alemanha.

Mantidas na marginalidade, as nações e as forças políticas da direita populista que se opunham ao governo supranacional da União Europeia se fortalecem com o apoio explicito que recebem da administração trumpista. Neste quadro conflituoso, é muito fraca a alternativa levantada pelo mundo do trabalho e os partidos que pretendem representá-lo, a única capaz de tirar o continente e o mundo do atual atoleiro.[1]

*Mário Maestri é historiador. Autor, entre outros livros, de Filhos de Cã, filhos do cão. O trabalhador escravizado na historiografia brasileira (FCM Editora).

Refrências


COSTA, Alexandre. O mínimo sobre globalismo. São Paulo: O Mínimo, 2023.  

BAUD, Jacques. Ukraine entre guerra et paix. Paris: Max Milo, 2023. [Apple Books.]

BAUD, Jacques. Putin: ¿el amo del juego? Paris: Max Milo, 2022. [Apple Books.]

BENEYTO, José María. ¿Guerra o paz? China, Estados Unidos y Europa. Barcelona, Deusto, 2024.

CASELLI, G. P. La Russia Nuova. Economia e storia da Gorbacëv a Putin. Milano: Mimesis, 2013.

Decretum, 1 de Julho de 1949, in Acta Apostolicae Sedis (AAS) 1949.

GROSSER, Pierre. L´autre Guerre Froide? La confrontation États-Unis/Chine. Paris: CNRS, 2023.

HEINICH, Nathalie. Le wokisme serait-il un totalitarisme? Paris: Albin Michel, 2023. HOLGADO, Hernandez.Historia de la OTAN: de la Guerra Fría al intervencionismo humanitario. Apple Books. Madrid: Los Libros de la Catarata, 2000.       

KEMPF, Olivier. L’Otan Au XXIe Siècle. La transformation d’un héritage. Paris: Arège, 2010.

Le Monde, 19.04.2025, “J. D. Vance, le converti devenu idéologue du catholicisme postlibéral.”; “J.D. Vance au Vatican, une visite très politique”.

Le Monde, 20.04.2025. “Bourges, bouleversée par le réarmement: La ville est redevenue l’un des fers de lance de la défense française.”

LOPES, Gilberto. A longa marcha da OTAN para o Leste. A Terra é Redonda. 31/07/2024. https://aterraeredonda.com.br/a-longa-marcha-da-otan-para-o-leste/

MAESTRI, Mário. Revolução e contra-revolução: 1917-2023. Revista AComuna, 07.03.2023. https://acomunarevista.org/2023/04/07/revolucao-e-contrarrevolucao-mundial-1917-2023/

MAESTRI, Mário. J. D. Vance em Munich. A Terra é Redonda, 22/02/2025, https://aterraeredonda.com.br/

MAESTRI, Mário. Rússia: o direito à defesa. A Terra é Redonda, 12/04/2022. https://aterraeredonda.com.br/russia-o-direito-a-defesa/

MAESTRI, Mário. O que é, o que quer, aonde vai o trumpismo. A Terra é Redonda, 05/03/2025, https://aterraeredonda.com.br/o-que-e-o-que-quer-aonde-vai-o-trumpismo/

 MANDEL, Ernest. Le troisième âge du capitalisme, Paris: Editions de la Passion, 1997.

MOUTOT, Dora & STERN, Margherite. Transmania: Enquête sur les dérives de l’idéologie transgenre. Paris: Magnus, 2024.

PECIQUILO, Cristina Soreanu. A União Europeia. Os desafios, a crise e o futuro da integração. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

R/Staiy. Friedrich Merz and his “admirable grandfather”. https://www.reddit.com/r/Staiy/comments/1i9v7jg/friedrich_merz_und_sein_bewundernswerter_opa/?tl=en

TOYNBEE, Arnold. J. O Mundo e o Ocidente. São Paulo: CEN, 1955.

ZIMA, Amélie. L´Otan. 2 ed. Paris: Que sais-je?, 2023. [ZIMA, 2023, cap. IV.]

Nota


[1] O presente texto, de nossa única responsabilidade, foi apresentado, à terceira reunião mensal de grupo virtual sobre a situação internacional, em 26/04/2024. Agradecemos a leitura do arquiteto Gregório Carboni Maestri e da linguista Florence Carboni.


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