A financeirização em números

Imagem: Paulinho Fluxuz_
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LADISLAU DOWBOR*

O poder dos grandes grupos econômicos

A revista Valor econômico: Grandes grupos, publicada em dezembro de 2020, apresenta a evolução dos 200 maiores grupos econômicos do país. Baseado em dados de 2019, portanto antes do impacto da pandemia, o estudo constata que “dos quatro setores analisados, apenas o setor de Finanças registrou aumento no lucro líquido (27,1%). Comércio (-6,8%), Indústria (-7,8%) e Serviços (-34,8%) caminharam para trás” (1). Trata-se não do conjunto da economia, mas dos grandes grupos, onde as finanças predominam. O estudo ressalta “o bom desempenho da área financeira, sobretudo bancos, cuja fatia no lucro líquido consolidado dos 200 maiores aumentou de 37,7% para 48,9%”.

Traduzindo: o que rende no Brasil é ser banco, e de preferência grande. O resultado é muito impressionante, pois os bancos, intermediários do dinheiro dos outros, constituem atividade-meio, devendo custar à sociedade o menos possível, ao mesmo tempo em que tornam o dinheiro mais produtivo, fomentando a economia. Um banco que reúne poupanças, e oferece crédito a custos razoáveis para produtores industriais ou agrícolas ou de outros setores produtivos, torna empresários capazes de gerar emprego e produto.

Quando extraem mais dinheiro da sociedade do que contribuem em termos produtivos, eles estão empobrecendo as famílias que gastam em juros o que poderiam gastar em bens e serviços. Isso fragiliza a demanda, o que, por sua vez, fragiliza as empresas, e ambas fragilizam o fluxo de receitas para o Estado. Lembremos que estamos no oitavo ano de economia paralisada, desde 2014, quando começou o processo do golpe, o desmonte causado pela Lava Jato, a guerra eleitoral, a promoção da “austeridade”.

Se a China, ou o Vietnã e outras economias estão se desenvolvendo, é porque controlam os juros e canalizam os financiamentos para o fomento da economia. Aqui, os intermediários, em vez de servir a economia, decidiram servir a si mesmos. A tabela abaixo, que lista os 10 grupos que mais lucram no país, é clara. A Petrobrás está em primeiro lugar, mas não é propriamente ‘produtora’: o petróleo é da natureza, e é extraído, é natural que gere grandes lucros. Os cinco lugares seguintes são ocupados por bancos.

De toda forma é um documento importante, pois ao apresentar dados básicos sobre os maiores grupos do país, está trazendo uma radiografia do poder econômico, inclusive do sistema financeiro, pois tanto os bancos como outros grandes grupos constituem o essencial da atividade da bolsa, e desempenham também um papel central em termos de poder político.

É muito útil aproximar esse estudo dos 200 grandes grupos do estudo anterior da revista Forbes, sobre os mais de 200 bilionários brasileiros, onde se mostra como o dinheiro apropriado pelos grupos econômicos se transforma em fortunas pessoais. Joseph Safra, por exemplo, recentemente falecido, aumentou em 12 meses a sua fortuna em cerca de 30 bilhões de reais, o equivalente a um ano de Bolsa Família. Lembremos que as grandes fortunas são isentas de impostos (lei sobre lucros e dividendos distribuídos, 1995) (2).

Os dados mais recentes da Forbes mostram que 42 bilionários (em dólares) brasileiros aumentaram as suas fortunas pessoais em US$34 bilhões entre 18 de março e 12 de julho 2020. É o equivalente a cerca de 180 bilhões de reais, 6 anos de Bolsa Família, para apenas 42 pessoas, com a economia em queda, e isentos de impostos (3), enquanto tantos estão em dificuldades, porque a pandemia agravou o processo.

É o que tem sido chamado na literatura internacional de “extractive capitalism”, capitalismo extrativo. O caminho para onde estão carregando o nosso país constitui um imenso retrocesso. Produzir aqui não rende, ou rende muito menos do que especular no sistema financeiro. A desindustrialização faz parte, a fuga de empresas também.

*Ladislau Dowbor é professor titular de economia da PUC-SP. Autor, entre outros livros, de A era do capital improdutivo(Outras Palavras & Autonomia Literária).

Publicado originalmente no portal Carta Maior.

Referência


Valor Econômico: Grandes Grupos. Dezembro de 2020, Ano 19, Nº 19.

Notas


(1) Valor Econômico: Grandes Grupos. Dezembro de 2020, Ano 19, Nº 19, p. 12.

(2) Os dados da Forbes sobre as fortunas dos brasileiros são apresentados por Eduardo Moreira em https://dowbor.org/2019/11/eduardo-moreira-a-lista-de-bilionarios-da-forbes-e-a-destruicao-do-brasil-em-youtube-23-min.html/

(3) O relatório da Oxfam está disponível em https://dowbor.org/2020/07/bilionarios-da-america-latina-e-do-caribe-aumentaram-fortuna-em-us-482-bi-durante-pandemia-oxfam-brasil-2020-3p.html/

 

 

 

 

Outros artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Leda Maria Paulani Daniel Brazil Roberto Noritomi Carlos Tautz Alexandre Aragão de Albuquerque Ladislau Dowbor André Márcio Neves Soares Gabriel Cohn Michael Roberts Alexandre de Freitas Barbosa Eliziário Andrade Walnice Nogueira Galvão Ricardo Musse João Adolfo Hansen Fernão Pessoa Ramos Fábio Konder Comparato Marcelo Guimarães Lima Leonardo Avritzer Antonio Martins Milton Pinheiro Benicio Viero Schmidt Valerio Arcary Salem Nasser Manchetômetro Liszt Vieira Afrânio Catani Eduardo Borges Heraldo Campos Luís Fernando Vitagliano Dênis de Moraes Berenice Bento Luis Felipe Miguel José Luís Fiori Mariarosaria Fabris Alexandre de Lima Castro Tranjan Marcos Silva Thomas Piketty Caio Bugiato Eugênio Trivinho João Sette Whitaker Ferreira João Feres Júnior Manuel Domingos Neto Juarez Guimarães Luiz Renato Martins Kátia Gerab Baggio Henry Burnett Alysson Leandro Mascaro Osvaldo Coggiola Paulo Nogueira Batista Jr Francisco Fernandes Ladeira Marcos Aurélio da Silva Francisco de Oliveira Barros Júnior Luiz Werneck Vianna Marcus Ianoni Flávio R. Kothe Michael Löwy Vladimir Safatle Leonardo Boff Bruno Fabricio Alcebino da Silva Otaviano Helene Boaventura de Sousa Santos Luiz Eduardo Soares Luiz Marques José Machado Moita Neto Francisco Pereira de Farias João Paulo Ayub Fonseca Celso Favaretto Vanderlei Tenório Eleonora Albano José Raimundo Trindade Marilia Pacheco Fiorillo Rubens Pinto Lyra Anselm Jappe Rafael R. Ioris Atilio A. Boron Armando Boito Daniel Costa Ari Marcelo Solon Dennis Oliveira Renato Dagnino Flávio Aguiar Antônio Sales Rios Neto Ronald Rocha Gerson Almeida Paulo Martins Paulo Capel Narvai Daniel Afonso da Silva Antonino Infranca Ricardo Fabbrini Maria Rita Kehl Ronaldo Tadeu de Souza Lorenzo Vitral Priscila Figueiredo Samuel Kilsztajn Lincoln Secco Mário Maestri Eleutério F. S. Prado Sergio Amadeu da Silveira Jorge Luiz Souto Maior Jean Pierre Chauvin Tales Ab'Sáber Celso Frederico Luiz Bernardo Pericás José Geraldo Couto Eugênio Bucci Vinício Carrilho Martinez Chico Whitaker Yuri Martins-Fontes Ricardo Abramovay Denilson Cordeiro Leonardo Sacramento Roberto Bueno Sandra Bitencourt Plínio de Arruda Sampaio Jr. Carla Teixeira Luiz Carlos Bresser-Pereira Airton Paschoa Érico Andrade José Dirceu Paulo Fernandes Silveira Julian Rodrigues José Costa Júnior Henri Acselrad Luiz Roberto Alves Valerio Arcary Jorge Branco Anderson Alves Esteves Claudio Katz Bento Prado Jr. Lucas Fiaschetti Estevez Marilena Chauí Slavoj Žižek Everaldo de Oliveira Andrade Fernando Nogueira da Costa Rodrigo de Faria Ronald León Núñez João Carlos Loebens Chico Alencar Remy José Fontana Andrew Korybko João Lanari Bo Luciano Nascimento Bruno Machado Gilberto Lopes Bernardo Ricupero Igor Felippe Santos Marjorie C. Marona Annateresa Fabris Tadeu Valadares Ricardo Antunes Marcelo Módolo Gilberto Maringoni José Micaelson Lacerda Morais Paulo Sérgio Pinheiro Jean Marc Von Der Weid Elias Jabbour Matheus Silveira de Souza João Carlos Salles André Singer Tarso Genro

NOVAS PUBLICAÇÕES

Pesquisa detalhada