A guerra dos bonés

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Por CHRISTIAN RIBEIRO*

Não foi percebida o tom nacionalista, de potencial xenófobo, que a frase “O Brasil é dos brasileiros”, possui?

1.

Em tempos de intolerância sistêmica, e de prevalência de uma discursiva [ultra]conservadora no Brasil, que atinge e se reproduz enquanto fenômeno social a partir das nossas camadas sociais mais populares, é mais que necessário que um governo de pretensão progressista e de inclusão social, obtenha meios que dialoguem diretamente a essa população.

Nesse sentido e por essa perspectiva, procurando estabelecer novas formas de inserções dialogais que atendam ao enfrentamento ideológico que se faz posto em meios aos conjuntos de relações sociais que nos constituem enquanto sociedade contemporânea.

Em suma, cabe ao governo Lula 3 conseguir se fazer compreender, ser recepcionado e circular entre as populações mais carentes e marginalizadas. Que se guiam hoje midiaticamente e ideologicamente por setores mais conservadores, quando não reacionários. Que se pautam comumente por distorções de dados concretos ou pela criação e propagação de fake news. Num interesse político de desestabilizar o governo federal, não divulgando suas conquistas sociais, negando as suas virtudes. Fixando nele a imagem de incompetência e despreparo em atender as demandas de nosso país. Visando seu insucesso eleitoral na próxima eleição presidencial.

Situação que se constata pela incapacidade de a atual gestão atingir uma avaliação positiva que rompa o um terço de nossa população. Em que os aspectos positivos atingidos pelos programas governamentais não se façam reconhecidos nem por seu público-alvo. Em que a comunicação governamental se dava de maneira arcaica, tradicional e fora da dinâmica das linguagens de interação midiáticas contemporâneas.

Sempre em atraso por atender a sua premissa de estabelecer um vínculo público confiável, rápido, moderno e direto. Não sendo por acaso, que houve uma troca na orientação e intenção da agenda de comunicação do governo federal.

Para sanar as lacunas dialogais já apontadas, como também buscar estabelecer um diálogo com um público ideologicamente mais conservador e – de antemão – refratário a quaisquer propostas ou realização que advenha da gestão lulista. Visando constituir uma comunicação direta, eminentemente popular, de fácil entendimento e compartilhamento, de rápida circulação e reprodução. Sempre ampliando o seu alcance informativo. Rompendo assim o reacionarismo informativo difamatório e falacioso que barram ou distorcem o acesso das populações socialmente periféricas acerca de seus próprios benefícios e direitos sociais.

2.

E aí, que adentramos a questão do uso do boné azul, com o seu slogan “O Brasil é dos brasileiros”. Como uma forma de paródia ácida, mordaz, ante aos pretensos conservadores nacionalistas que estão usando o boné vermelho da campanha trompista “Make America Great Again”, como símbolo de um orgulho viralatismo em se subordinar a supremacia estadunidense perante o mundo. Inclusive ao Brasil.

Um atestado de sua mediocridade intelectual e política. E demonstrar, revelar essa face do conservadorismo nacional é mais que necessário e faz parte de um processo de disputa ideológica condizente a uma sociedade classista. Ainda mais, numa tão tensionada como a brasileira!

Sendo que o lançamento do boné azul, se deu em meio aos ritos eleitorais pelas presidências da Câmara Federal e do Senado. “Aqui, ninguém bate continência para a bandeira de outro país. Valorizamos o Brasil e os brasileiros”, declarou Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais. Numa provocação que encontrou eco e mostrou ter atingido seu objetivo pela reação colérica de Eduardo Bolsonaro em denunciar o uso de bonés anti-Trump por integrantes do governo lulista.

O que acarretou, numa onda de promulgação midiática, que impactou inclusive aos debates políticos que davam naquele momento. Tendo eco inclusive, nas populações mais conservadoras. Ideologicamente imbuídas de um nacionalismo enviesado e alienante. De viés abertamente intolerante e xenofóbico. Uma ação intencionalmente realizada de maneira meticulosa e que atingiu primorosamente o seu objetivo principal de furar a bolha de informações regidas pelos interesses eleitoreiros reacionários.

Assim, estabelecendo uma comunicação, através de uma discursiva de linguagem que se dá a partir de referenciais imagéticos identificados e acolhidos, pelo espectro populacional mais conservador da sociedade brasileira. Sendo que é por essa lógica de comunicação discursiva, ao qual apontamos discordância e abrimos divergência, em relação a essa opção política do atual governo Lula.

Destacando que essa discordância se dá por um recorte progressista, ideologicamente de esquerda, no interesse – e pelo temor – de termos o país novamente guiado pelo chorume do ideário civilizatório fascista e sua naturalização de intolerâncias, preconceitos e discriminações ao qual estivemos mergulhados a pouco tempo.

E embora reconheça que tal análise crítica, possua um tom provocativo… Me indago…

Será que a única alternativa de comunicação direta, e que consegue romper a barragem dialogal que há entre as ações governamentais da atual gestão federal que não chegam as nossas camadas mais populares, é emular e balizar o conservadorismo cotidiano destes grupos? Visando evitar assim um mal maior? Que seria uma eventual derrota ao próximo pleito eleitoral, abrindo o país mais uma vez a sanha reacionária obscurantista?

3.

E nesse sentido, não foi percebida o tom nacionalista, de potencial xenófobo, que a frase “O Brasil é dos brasileiros”, possui? Realmente, ninguém percebeu o teor preconceituoso inerente a essa frase? Precisamos recorrer sempre a teores nacionalistas, em vez de contextualizações de brasilidades que se façam mais includentes e populares? Evitando toda e qualquer comparação a extremismos conservadores ou xenófobos?

Como por exemplo, ter como base idearia, a mesma lógica discriminatória e racista, empregada por Donald Trump – ao qual o boné teve como objetivo afrontar e desmascarar – que não tolera e muito menos respeita a convivência com o “outro”. Negando-lhe toda e qualquer noção humanidade. Inclusive a expulsão ou morte de sua terra. Estimulando uma práxis de supremacia que não aceita e respeita a diversidade de cada um, de cada povo e cultura, que torna todos nós, cada vez mais, humanos.

É essa a medida, é essa a régua que irá reger como se dará a busca governamental de estabelecer diálogos com setores mais populares da nossa sociedade? Reproduzindo os seus padrões alienantes e discriminatórios?

Em vez de disputar a prevalência discursiva demarcando suas diferenças e divergências ideológicas com o campo adversário, no sentido de maior promulgação e circulação de suas metas e objetivos governamentais ainda para esse mandato, sem deixar de destacar as obras e conquistas já realizadas. Se opta por uma postura pragmática, não conflitiva, conciliatória. Para não inflar mais ainda o tensionamento político de nossa sociedade.

A escolha foi essa, a aposta é essa! No objetivo de uma rápida melhoria dos índices de pesquisas em relação a popularidade do governo Lula 3. Na expectativa por uma popularidade em alta, com sua equivalência em votos. É só a isso que devemos, ou temos, de esperar até as próximas eleições? De nos atermos a tolerar e reproduzir as manifestações conservadoras de nossos cotidianos, de nosso dia a dia, para não radicalizar os ânimos. Garantindo assim, uma harmonia artificial, em que as ideias e o debate político gerido pelos ventos de progressismo, não devem mais soprar com muita força. Para não atrapalhar o bem maior da política institucional, em detrimento da política de práxis.

Historicamente, sempre que as forças políticas progressistas tiveram que adequar suas premissas e anseios em detrimento de sua contraparte conservadora. O reacionarismo sempre sai mais fortalecido em seu alcance e impacto. Enquanto as facetas políticas emancipatórias, acabam por vezes perdendo até mesmo a sua identidade.

O pragmatismo político, guiado por uma lógica partidária utilitarista e resultadista são as correntes burocráticas que atrofiam, os processos históricos de efetiva transformação social. Em que progressismo, não consegue pôr em prática as suas premissas ideológicas. E muito menos, instituir diálogo a contento com o campo social mais conservador. Já referido em sua lógica existencial e de potência, independente de toda forma de diálogo que as forças progressistas estendam em sua direção.

E um governo, mesmo constituído numa premissa de frente nacional contra o fascismo, mas que possuí como base ideológica e discursiva ser progressista, é um erro, ou no mínimo uma jogada muito perigosa, essa sinalização ao outro lado da força. Sendo preocupante, quase desolador, essa forma de sinalização aquilo que temos de pior entre nós, como a imbricação entre xenofobia e racismo, como esperança de novo folego político a atual gestão lulista. Tanto ódio enfrentado, tanta ignorância superada, para agora reverberarmos os preceitos desse mal que nunca dormi.

Uma coisa é sermos intolerantes com os intolerantes, outra – bem diferente – é acreditarmos poder emular preconceitos e discriminações, sem perdermos nossa alma. Sem esquecer quem somos de fato!

Não é preciso copiar discurso, nem fala discriminatória ou preconceituosa, para fazer valer intenções ou premissas. Nem legitimar o inadmissível para buscar ampliar a influência de uma discursiva. Mal menor não existe. Deve ser sempre combatido em todas as suas formas e expressões.

O que não impede de o governo buscar constituir uma forma, uma imagem e discursiva de brasilidade, como instrumento de comunicação dialogal institucionalizada. Um preceito lógico, que cada vez mais se justifica. Mas que não pode se tornar refém de um pragmatismo político que sempre acaba por deixar marcas terríveis aos que pensam poder domar ao seu bel interesse, as forças tempestuosas e incontroláveis do reacionarismo.

4.

Ficar protagonizando troca de bonés durante sessões oficiais do Legislativo, para ganhar mais visualizações e likes do que os seus rivais políticos. Com se essa fosse a única resposta para popularizar as ações governamentais, é de uma tristeza sem tamanho. Cenas de melancolias dantescas. É dessa maneira que se pretende qualificar o debate político?

Não negamos as complexidades da política brasileira, nem do emaranhado de interesses e tensões que se desenvolvem cotidianamente na geopolítica internacional e ao qual o Brasil é um de seus atores de destaque. Muito menos, não desconsideramos a importância histórica, até mesmo em sentido civilizatório, que a vitória de Lula em 2022 representou. Um dos momentos mais lindos e importantes de toda a nossa história.

Como também não desconhecemos o delicado jogo de equilíbrio político que esse governo precisa a todo momento exercer, para não sucumbir aos interesses e sanha predatória de um “centrão político” cada vez mais inescrupuloso. Além de também resistir, ao ódio visceral de um reacionarismo eleitoral destrutivo e vingativo dos políticos bolsonaristas. Dispostos a destruir a tudo e a todos para garantir o fracasso do terceiro mandato presidencial lulista. Todo um conjunto de relações, que aos eu final resultam nos processos de recomposições e rearranjos políticos que não são de agrado geral, nem mesmo do governo federal.

A essa realidade, a isso tudo, nós reconhecemos. Mas mesmo assim, há limites que não devem ser atravessados. Pois são caminhos sem volta, malditos em sua essência e direção.

Utilizar de um slogan xenófobo para a partir daí tentar buscar se mostrar relevante em meio ao cenário político nacional e ao mesmo tempo estabelecer ponte de diálogo com as nossas camadas populares, inclusive de seus setores mais conservadores, é exemplo daquilo que podemos tudo a perder, sem necessariamente ganharmos nada em troca! Visando de prática, obter likes e visibilidade numa disputa midiática, para deixar colérica a oposição bozonazi!

Isso, passa muito longe de ser uma retórica política, na verdade – quando muito – sendo uma forma simplória de infantilizar a arte da Política. E ter tal prática referendada e aplaudida de modo acrítico, como a resposta ante nossa incapacidade dialogal com as nossas camadas mais populares, é sinal deveras preocupante, que na verdade deveria nos deixar em alerta.

E se essa é a mediocridade que agora temos que chafurdar para nos mantermos relevante ao cenário político atual, talvez seja o sinal de que na verdade já estamos derrotados antes mesmo do que venhamos a perceber. Tão acorrentados aos nossos fracassos e desalmados de qualquer luz. Sendo essa, por si só, a maior confissão de nosso fracasso! Antevisão da desgraça que já paira sobre nós.

E acredito piamente, sermos mais e melhores do que isso!

Não precisamos nos igualar aos nossos inimigos e algozes para fazer a diferença no mundo, para deixarmos a nossa marca!

Ou ao pragmatismo político, tudo vale e pode?

Um Brasil para todos e de todos, essa é a meta! Esse é o discurso e prática que levou a derrota do projeto fascista bolsonarista nas últimas eleições presidenciais. É a ele que devemos centrar e enfatizar a toda hora e momento! Achando novas formas de linguagem e circulação midiática que o faça atingir a um número cada vez maior de brasileiros.

O resto é discursiva de reaça que ontem, hoje e sempre devermos de combater, e nunca emular, ou copiar! Por nenhuma justificativa ou motivo!

Muito menos por um boné azul qualquer.

*Christian Ribeiro é doutorando em Sociologia na Unicamp.


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