A nova visão do universo

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LEONARDO BOFF*

O universo e toda a criação constituem um como que espelho no qual Deus mesmo se vê a si mesmo

A questão da presença de Deus dentro da moderna visão do mundo (cosmogênese) surge quando nos interrogamos: o que havia antes do antes e antes do big-bang? Quem deu o impulso inicial para a aparição daquele pontozinho, menor que a cabeça de um alfinete que depois explodiu? Quem sustenta o universo como um todo para continuar a existir e a se expandir bem como cada um dos seres nele existentes, o ser humano incluido?

O nada? Mas do nada nunca vem nada. Se apesar disso apareceram seres é sinal de que alguém ou algo os chamou à existência e os sustenta permanentemente. O que podemos sensatamente dizer sem logo formular uma resposta teológica, é: antes do big bang existia o incognoscível e vigorava o mistério. Sobre o mistério e o incognoscível, por definição, não se pode dizer literalmente nada. Por sua natureza, o mistério e o incognoscível são antes das palavras, antes da energia, da matéria, do espaço, do tempo e do pensamento.

Ora, ocorre que o mistério e o incognoscível são precisamente os nomes pelos quais as religiões, também o judeo-cristianismo, significam Deus. Deus é sempre mistério e incognoscível. Diante dele mais vale o silêncio que a palavra. Apesar disso, Ele pode ser intuido pela razão reverente e sentido pelo coração inflamado. Seguindo Blaise Pascal diria: crer em Deus não é pensar Deus mas senti-lo a partir da totalidade de nosso ser. Ele emerge como uma presença que enche o universo, se mostra como entusiasmo dentro de nós (em grego: ter um Deus dentro) e faz surgir em nós o sentimento de grandeza, de majestade, de respeito e de veneração. Essa percepção é típica dos seres humanos. Ela é inegável, pouco importa se alguém é religioso ou não.

Colocados entre o céu e a terra, vendo as miríades de estrelas, retemos a respiração e nos enchemos de reverência. Naturalmente nos surgem as perguntas: Quem fez tudo isso? Quem se esconde atrás da Via-Lactea e comanda a expansão do universo ainda em curso?

Em nossos escritórios refrigerados ou entre quatro paredes brancas de uma sala de aula ou numa roda de conversa solta, podemos dizer qualquer coisa e duvidar de tudo. Mas inseridos na complexidade da natureza e imbuídos de sua beleza, não podemos calar. É impossível desprezar o irromper da aurora, ficar indiferentes diante do desabrochar de uma flor ou não quedar-se pasmados ao contemplar uma criança recém-nascida. Ela nos convence de que, sempre que nasce uma criança, Deus ainda acredita na humanidade. Quase que espontaneamente dizemos: foi Deus quem colocou tudo em marcha e é Deus que tudo sustenta. Ele é a fonte originária e o abismo alimentador de tudo, como dizem alguns cosmólogos. Eu diria: ele é aquele ser que faz ser todos os seres.

Outra questão importante vem simultaneamente suscitada: por que exatamente existe este universo e não outro e nós somos colocados nele? Que Deus quis expressar com a criação? Responder a isso não é preocupação apenas da consciência religiosa, mas da própria ciência.

Sirva de ilustração Stephen Hawking, um dos maioress físicos e matemáticos, em seu conhecido livro Breve história do tempo (1992): “Se encontrarmos a resposta de por que nós e o universo existimos, teremos o triunfo definitivo da razão humana; porque, então, teremos atingido o conhecimento da mente de Deus” (p. 238). Ocorre que até hoje os cientistas e sábios estão ainda se interrogando e buscando o desígnio escondido de Deus.

As religiões e o judeo-cristianismo ousaram uma resposta, dando,com reverência, um nome ao mistério chamando-o por mil nomes, todos insuficientes: Javé, Alá, Tao, Olorum e principalmente Deus.

O universo e toda a criação constituem um como que espelho no qual Deus mesmo se vê a si mesmo. São expansão de seu amor, pois quis companheiros e companheiras junto de si. Ele não é solidão, mas comunhão dos divinos Três – Pai, Filho, Espírito Santo – e quer incluir nesta comunhão toda natureza e o homem e a mulher, criados à sua imagem e semelhança.

Dizendo isso, descansa o nosso cansado perguntar mas face ao Minstério de Deus e de todas as coisas, continua o nosso perguntar, sempre aberto a novas respostas.

*Leonardo Boff é teólogo, filósefo e escritor. Autor, entre outros livros, de A nova visão do universo (Vozes).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

A crônica de Machado de Assis sobre Tiradentes
Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Uma análise machadiana da elevação dos nomes e da significação republicana
Umberto Eco – a biblioteca do mundo
Por CARLOS EDUARDO ARAÚJO: Considerações sobre o filme dirigido por Davide Ferrario.
Dialética e valor em Marx e nos clássicos do marxismo
Por JADIR ANTUNES: Apresentação do livro recém-lançado de Zaira Vieira
O complexo de Arcádia da literatura brasileira
Por LUIS EUSTÁQUIO SOARES: Introdução do autor ao livro recém-publicado
Cultura e filosofia da práxis
Por EDUARDO GRANJA COUTINHO: Prefácio do organizador da coletânea recém-lançada
Ecologia marxista na China
Por CHEN YIWEN: Da ecologia de Karl Marx à teoria da ecocivilização socialista
Papa Francisco – contra a idolatria do capital
Por MICHAEL LÖWY: As próximas semanas decidirão se Jorge Bergoglio foi apenas um parêntesis ou se abriu um novo capítulo na longa história do catolicismo
A fraqueza de Deus
Por MARILIA PACHECO FIORILLO: Ele se afastou do mundo, transtornado pela degradação de sua Criação. Só a ação humana pode trazê-lo de volta
Jorge Mario Bergoglio (1936-2025)
Por TALES AB´SÁBER: Breves considerações sobre o Papa Francisco, recém-falecido
O consenso neoliberal
Por GILBERTO MARINGONI: Há chances mínimas do governo Lula assumir bandeiras claramente de esquerda no que lhe resta de mandato, depois de quase 30 meses de opção neoliberal na economia
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES

JUNTE-SE A NÓS!

Esteja entre nossos apoiadores que mantém este site vivo!