A presença do capital transnacional mineral na Amazônia

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Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE*

A atual conjuntura brasileira aponta para um cenário nada promissor, com destruição de direitos sociais e ambientais que afetam as comunidades mais atingidas por projetos do grande capital mineral

Introdução

Nas últimas décadas a presença do grande capital mineral na Amazônia se tornou um dos principais elementos econômicos da região, sendo essas empresas na sua maioria transnacionais que operam os fluxos internacionais de produção e transação das principais commodities minerais de exportação brasileira. A composição acionária dessas empresas é formada pelos três principais agentes econômicos da modernidade capitalista: Estado, capital financeiro e o capital industrial, nacional e internacional.

A análise aqui desenvolvida centrada no setor mineral da Amazônia oriental brasileira justifica-se por sua importância para a dinâmica produtiva regional e nacional e pelo caráter estratégico para acumulação de capital que representam as reservas minerais ali encontradas, e pelos profundos impactos sociais e ambientais que a exploração mineral provoca na região. A exploração mineral corresponde a quase 75% da pauta de exportação do estado do Pará, o maior segmento econômico do PIB (Produto Interno Bruto) do referido estado e um dos mais significativos da região como um todo, como podem ser constatados nos dados das Contas Regionais.[i]

O setor mineral constitui historicamente segmento fortemente monopolizado, especialmente nos segmentos de minério de ferro e alumínio (bauxita), isso parcialmente decorrente de três aspectos que possibilitaram forte concentração e centralização de capital, dois deles já elencados anteriormente: (i) a capacidade monopolizável espacialmente limitada de apropriação do potencial mineral; (ii) a capacidade tecnológica de atuação, sobretudo na indústria de transporte de longo curso e escala (logística de transporte ferroviário e navegação oceânica) e; (iii) a intricada relação entre os capitais do setor e as instituições estatais que definem a completa ou parcial apropriação da renda mineral pelos capitais privados.

Este texto encontra-se desenvolvido em quatro seções, além desta introdução. Na primeira seção estabelece-se a questão do padrão primário-exportador brasileiro e os aspectos teóricos da cumulação por espoliação, tal como estabelecido por David Harvey (2005), condicionamento macroeconômico diretamente ligado à exploração mineral na região; na segunda seção trata-se da empresa do capital mineral transnacional na região, mostrando como as empresas transnacionais se impuseram como base da acumulação minerária; a terceira seção aprofunda os fatores que definem a exploração do subsolo amazônico; por fim, mostra-se como este padrão econômico minerador não produz efeitos de desenvolvimento social e coloca em risco sistêmico ambiental o território ocupado.

Padrão primário-exportador e acumulação por espoliação

O sistema capitalista configura-se em uma dinâmica de acumulação em escala crescente. Um processo de renovados ciclos de acumulação e produção de mais valor que inclui diversos espaços territoriais de reprodução, perfazendo uma dinâmica reprodutiva mundializada.

A Amazônia constitui um destes espaços locais de exploração capitalista, um território de expansão da acumulação que sofreu uma reconfiguração econômica ao longo dos diversos ciclos de desenvolvimento capitalista brasileiro durante o século XX até a configuração atual de uma reserva neoextrativista de recursos naturais com efeitos em sua ocupação, espaço, uso da terra, valor, relações de trabalho e desagregação ambiental.

Nas últimas décadas se estabeleceu de forma crescente em toda América Latina uma nova disposição relacional com o capital mundial. Este padrão de desenvolvimento capitalista, centrado em alguns eixos comuns, se generalizou em diversos países do continente, estabelecendo o que Osório (2012), centrado numa perspectiva marxista, estabeleceu como “padrão exportador de especialização produtiva”.

Neste contexto dois aspectos são importantes: (i) o papel da produção mineral amazônica na atual lógica de desenvolvimento brasileiro, centrada em crescente reprimazação econômica e; (ii) a elevada degradação ambiental produzida pelas formas de exploração mineral estabelecida, o que David Harvey (2005) denomina de acumulação por espoliação. A reprimarização econômica constitui ponto mais evidente em economias que alcançaram um grau de complexidade industrial maior, como o caso do Brasil.

Especificamente as condições de evolução da pauta exportadora brasileira nos últimos anos recolocou a questão da problemática do desenvolvimento de um “padrão exportador de especialização produtiva”, seja pela base exportadora de baixa intensidade tecnológica, seja pela forte dependência do ciclo de valorização da demanda internacional por bens básicos ou primários.

Em relação a acumulação por espoliação, vale frisar que a acumulação por espoliação constitui um mecanismo histórico de reprodução do capital com base na apropriação ou “despossessão” de riqueza ou propriedade previamente existente, capaz de dar vazão as condições de acumulação de capital frente às crises de superprodução recorrentes do capitalismo. Esta forma de acumulação remete as condições prévias de desenvolvimento do modo de produção capitalista, o que Marx ([1867], 2013) denominou de acumulação primitiva de capital.

Essas formas de acumulação espoliativa são muito diversificadas, mas têm como ponto comum serem mecanismos de elevado grau de degradação social e ambiental. Desta forma a exploração dos recursos naturais e o neoextrativismo mineral são bastante característicos de um processo de exploração em elevada escala que se utiliza das jazidas minerais de elevado teor e de fácil prospecção próprias das grandes jazidas amazônicas, tanto ferríferas, quanto de bauxita, os dois principais minérios explorados na região que tratamos.

As condições especificas de expansão da indústria mineral amazônica realiza-se com a expulsão de diversas populações dos seus territórios originais, assim como com elevado custo ambiental na região como se buscará mostrar neste artigo. Por outro, a privatização de empresas estatais como a Companhia Vale na década de 1990, ao lado de gigantescas áreas florestais devastadas para garantir a exploração mineral são elementos que colaboram na identificação do atual ciclo neoextratiista como um processo propriamente de acumulação por espoliação.

A presença do capital transnacional mineral na Amazônia

O fato de a Amazônia cumprir o papel de repositório de valores de uso primários ao grande capital configura uma situação em que este vasto território possibilita um duplo papel, de um lado, garante uma gigantesca massa de valores exportáveis e que favorece o balanço de pagamento, via exportações à economia nacional, por outro, os baixos custos de produção minerária possibilitam ganhos as transnacionais do setor que atuam na região, seja pela qualidade do minério, seja pela enorme transferência de rendas extraordinárias advindas das minas e da logística quase toda ela provida pelo Estado brasileiro, como se demonstrará.

O setor mineral constitui historicamente segmento fortemente transnacionalizado, especialmente nos segmentos de minério de ferro e alumínio (bauxita), isso parcialmente decorrente de três aspectos que possibilitaram forte concentração e centralização de capital, dois deles já elencados anteriormente: (i) a capacidade monopolizável espacialmente limitada de apropriação do potencial mineral; (ii) a capacidade tecnológica de atuação, sobretudo na indústria de transporte de longo curso e escala (logística de transporte ferroviário e navegação oceânica) e; (iii) a intricada relação entre os capitais do setor e as instituições estatais que definem a completa ou parcial apropriação da renda mineral pelos capitais privados. No caso do minério de ferro três grandes empresas controlam o mercado transoceânico: a Companhia Vale, a Companhia Rio Tinto e a BHP Billiton.

O segmento do alumínio primário é controlado pelas chamadas “seis irmãs”, com algumas modificações estruturais ocorridas nas duas últimas décadas: Alcoa, Alcan, BHP Billiton, Norsk Hydro, Pechiney e Comalco, sendo que as duas primeiras são produtoras integradas da matéria-prima (bauxita) a bens finais.

Por tudo isso, depreende-se que os investimentos nacionais e, principalmente, os investimentos estrangeiros, orientados pelo Estado brasileiro, nesse período, assegurou a inserção do capital monopolista na região, e muito mais que isso, garantiu ao capital uma acumulação em escala ampliada.

Mas recentemente, pode-se destacar que, o papel do setor da mineração na Amazônia, não regrediu, pelo contrário, a mineração na Amazônia ascende a uma atuação de protagonismo considerando-se o volume das exportações e a sua participação em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do estado do Pará, todavia, no que se refere a uma melhor distribuição da renda proveniente da exploração mineral para com a sociedade local, muito pouco se tem contribuído.

De maneira geral, observa-se que a participação da indústria extrativa mineral na composição do PIB industrial tem aumentado em todas as unidades federativas apresentadas na tabela acima. Contudo, a principal ênfase de crescimento recai sobra a contribuição ascendente que a indústria extrativa mineral realiza na economia do estado do Pará, pois, verifica-se que, a taxa de crescimento médio do período que vai de 2002 a 2021, registra um crescimento de 30%.

Tabela 01 – Principais empresas ou holdings transnacionais de exploração mineral localizadas na Amazônia

EmpresaCapital (origem)UFMunicípio de Atuação
ValeBra/JapPAParaupebas
PAOurilândia do Norte
PACanaã dos Carajás
Vale SaloboBra/JapPAMarabá
CSN MineraçãoBra/Jap/ChiROItapuã do Oeste
HydroNorPAParagominas
PABarcarena
Mineração Rio do NorteAus/Ing/Eua/NorPAOriximina
BeadellAusAPPedra Branca do Amapari
ImerysFraPAIpixuna
PABarcarena
AlcoaEua/AusPAJuruti
TabocaPerAMPresidente Figueredo
CadamEuaAPVitória do Jarí
SerabiIngPAItaituba
White SolderBraROAriquemes
AVB MineraçãoAusPACurionópolis
PAAgua Azul do Norte
Fonte: Publicação Brasil Mineral 2017.

A territorialidade das empresas transnacionais e a busca pelo lucro extraordinário na Amazônia – os casos da exploração do ferro e do alumínio

A variabilidade da disponibilidade e qualidade das minas se relaciona a aspectos locacionais, acessibilidade e qualidade do minério disponível no subsolo. No caso amazônico a frequência de jazidas com alto teor mineral estabeleceu a base para acirrada disputa entre os diferentes capitais, que buscam, no limite, monopolizar esses recursos não reproduzíveis, a fim de garantir vantagens que proporcionem diferencial de lucro extraordinário setorial.

A mineração do ferro, no Sistema Norte da Companhia Vale, data de 1985, está localizada em Carajás, no estado do Pará, e contém uns dos maiores depósitos de minério de ferro do mundo. As minas estão localizadas em terras públicas para as quais a empresa obteve licenças de exploração. Devido ao elevado teor (66,7%, em média) dos depósitos do Sistema Norte, não é necessário operar uma planta de concentrados em Carajás.

O processo de beneficiamento consiste apenas de operações de medição, peneiramento, hidrociclonagem, britagem e filtragem. Após isto o minério de ferro é transportado pela Estrada de Ferro de Carajás (EFC) até o terminal marítimo de Ponta da Madeira, no estado do Maranhão.[ii]

A Companhia Vale teve em 2021 lucro líquido foi de R$ 121,2 bilhões em 2021, aumento de 354% frente aos R$ 26,7 bilhões de 2020, em grande medida derivada da elevada renda diferencial apropriada nas minas de Carajás.[iii] A renda suplementar pode ser vista como o diferencial entre os custos de produção das minas de Carajás e os custos de produção das minas Chinesas, assim considerando os valores de 2010 apresentados pela Vale referente a Carajás, temos uma diferença de US$ 85.

Nestes termos, maior a diferença entre os custos de produção, maior o lucro suplementar resultante de Renda Diferencial I, resultante da qualidade do minério e da escala de produção possível, elemento central para viabilizar a estrutura de logística necessária.

Outro grande sistema de exploração mineral é a produção de alumínio, controlada por um pequeno número de empresas. A partir de finais da década de 1980 e durante a década de 1990 verifica-se um movimento de reestruturação produtiva e relocalização espacial na indústria de alumínio. Observa-se, como movimento inicial, uma desconcentração das plantas produtoras nos países centrais, sendo a produção significativamente transferida para um conjunto de países que reuniam a dupla vantagem de fontes energéticas alternativas ao petróleo (hidroeletricidade, carvão, gás) e grandes jazidas de bauxita, entre estes destacam-se Brasil, Venezuela e Austrália, entre outros.[iv]

A Mineração Rio do Norte (MRN) contou com a participação do governo brasileiro, associado ao capital estrangeiro na implantação dos projetos minerais. No final de 1971, a Alcan deu início à implantação do projeto Trombetas, que logo em seguida foi suspenso devido à crise no mercado mundial do alumínio na época. O adiamento do projeto culminou na intervenção do governo brasileiro para dar-lhe e, a partir de junho de 1972, a CVRD e a Alcan iniciaram entendimentos para constituir uma joint-venture, visando retomar o projeto (BUNKER, 2004). Dessa forma, o Estado brasileiro, através da CVRD, adquiriu 40% da composição acionária da MRN e tomou a responsabilidade da implantação do projeto.[v]

A extração e beneficiamento de bauxita metalúrgica, levada a efeito pela MRN, constitui-se na fase inicial do ciclo de produção do alumínio. O processamento, que é intensivo em eletricidade – principal componente do custo -, ainda passa por uma fase intermediária, produção de alumina realizada pela Alunorte e, finalmente, o alumínio primário, cuja produção está a cargo da Albrás. A MRN fornece bauxita para os complexos de Barcarena (Alunorte/Albrás) e São Luiz (Alumar.

Os limites do extrativismo mineral

A indústria extrativa mineral é de reconhecido impacto ambiental, como frisa Penna (2009) “a atividade de mineração é a que tem mostrado o nível mais baixo de compromisso social e ambiental em comparação, por exemplo, com a exploração de petróleo”. A exploração na Amazônia segue a lógica internacional, com o agravante que a dinâmica extensiva da área de lavra tende a destruir um percentual superior de floresta primária.

A área de exploração ferrífera da Companhia Vale no estado do Pará corresponde a uma parcela da Floresta Nacional de Carajás[vi], sendo que a exploração se dá em diversas frentes, sendo as mais expressivas as de Parauapebas e de Cannãa dos Carajás.

Diversos estudos mostram que a extração mineral produz quatro efeitos socioambientais perenes: (i) a destruição do bioma “canga”; (ii) desmatamento florestal e perda de diversidade biótica; (iii) deslocamento e sofrimento imposto a comunidades e populações tradicionais; (iv) atração e concentração demográfica em áreas próximas.

A canga constitui um ecossistema complexo e específico de áreas de germinação ferrífera, muito parecidos com o cerrado inclui uma variedade grande de espécies das famílias Asteraceae, Fabaceae, Cyperaceae, Bromeliaceae, Cactaceae, Orchidaceae, Convolvulaceae, dentre outras. Este ambiente é totalmente destruído com o avanço da mineração, sendo que a área original da Floresta Nacional de Carajás aos poucos vai sendo completamente revertida a mineração. Impacto colateral ao avanço da mineração é a destruição da fauna que tinha a região como habitat, como destaca o estudo do ICMBio (2012, p. 23) este “ambiente de extremas pressões seletivas pode resultar em grande número de espécies endêmicas com adaptações metabólicas e anatômicas específicas”.

O desmatamento e a perda diversidade biótica na Amazônia, acompanha os diversos processos de exploração econômica, sendo que a literatura sobre o assunto traz como informação básica que mesmo sendo a pecuária a principal responsável direta pelo desmatamento na região amazônica, porém as frentes mineradoras representam um importante vetor de destruição das matas nativas.

Os primeiros anos da década passada foram críticos em termos de devastação florestal na Amazônia, chegando em 2005 com 19,01 mil Km² de área desmatada. Naquele ano, só o Estado do Mato Grosso foi responsável por mais de 40% do desmatamento total, seguido pelo Pará (32%). A partir desse pico, a área vem diminuindo gradativamente, alcançando 6,6 mil Km² de área desmatada em 2017, que ainda é muito elevado. Respectivamente a mineração e a produção de soja são os dois principais processos econômicos desenvolvidos nestas duas unidades federativas.

No caso da extração mineral, o forte discurso ambientalista das principais empresas do setor contrasta com o efetivo padrão devastador da mesma. Vale observar que o ciclo minerador completo se constitui de três fases: (i) o desmanche florestal, constituindo-se da remoção dos maciços florestais nas áreas a serem mineradas; (ii) a extração da laterita e a exposição da jazida mineral; (iii) o abandono da área atual e a abertura de nova frente. Em alguns casos as empresas mineradoras reconstituem uma floresta secundária, porém com enorme perda de diversidade.

Diferentemente da exploração mineral em minas de profundidade, como se observa em outros países, a exploração amazônica se dá a céu aberto e o afloramento mineral se dá a oito metros do solo, isto faz com que a exploração se faça numa extensividade crescente de áreas, sendo o desmanche florestal uma condição permanente para o ciclo de exploração. Em minas a céu aberto, após a retirada do capeamento florestal se faz a perfuração e detonação, retirando uma massa de material estéril, para então se fazer a retirada do minério. Assim, a expansão extrativa mineral estabelece, assim como em outras frentes de acumulação, forte impacto de desmatamento florestal.

Nas principais áreas de mineração, tanto ferríferas quanto bauxitíferas, o impacto sobre as comunidades tradicionalmente assentadas é enorme. No estudo organizado por Fernandes et al (2014, p. 17) os autores destacam que a “poluição das águas e a deposição inadequada de resíduos, dentre alguns outros impactos, têm trazido prejuízos ao ecossistema local”, sendo que os impactos dos projetos minerais instalados no Pará atingem diferentes grupamentos populacionais, sendo 12 comunidades urbanas, 04 comunidades ribeirinhas, 07 comunidades quilombolas e de pescadores e 04 comunidades indígenas.

Vale considerar três impactos presentes nas áreas de exploração: (i) deslocamento populacional e acelerada concentração demográfica; (ii) perda de capacidade de subsistência econômica, social e cultural das populações tradicionais; (iii) diferentes graus de contaminação e degradação ambiental.

O intenso deslocamento populacional e formação de novos núcleos urbanos são marcantes sendo em grande medida fruto tanto das alterações territoriais impostas pela logística necessária à acumulação do capital minerário, especialmente a Estrada de Ferro Carajás, quanto pela específica estrutura necessária a exploração das jazidas minerais, o que originou diversos municípios, destacando-se pelo expressivo crescimento demográfico recente os municípios de Canaã dos Carajás, Água Azul do Norte e Parauapebas.

Como mostram os dados do último Censo Demográfico (2022), os indicadores sociais dos municípios mineradores são muito precários, destacando-se tanto a elevada expansão demográfica, fruto da forte atração que os projetos mineradores exercem sobre populações do entorno, como também se observa a baixa capacidade de transformação qualitativa das condições de vida da população.

Como destacou Coelho (2008, p.248), “à exceção de Parauapebas, os demais são carentes de diversos recursos, inclusive os de infraestrutura em saneamento básico para atender à população”. Vale denotar que mesmo municípios mais antigos como Marabá, observam-se indicadores sociais sofríveis e forte expansão populacional recente.

Em geral a capacidade da mineração baseada na grande empresa transnacional em modificar positivamente a realidade socioeconômica local tem sido objeto de análises em diversos países (FERNANDES et al, 2014), sendo reconhecida a baixa capacidade de estabelecimento de “linkages” sociais e econômicos.

No caso paraense dois aspectos colaboram para o efeito enclave da mineração: (i) a desoneração tributária que diminui o volume de tributos arrecadados e reduz a capacidade de intervenção dos governos estadual e municipais, especialmente considerando ainda a não existência de princípios federativos que resguardassem a transferências de reposição das perdas; (ii) os royalties minerais (Compensação Financeira por Exploração Mineral – CFEM) são os mais baixos do mundo (varia de 0,2% a 3% sobre a base líquida), o que impossibilita apropriação por parte da sociedade estadual e local de uma parcela da renda mineral que seja significativa para o estabelecimento de uma agenda local de desenvolvimento.

Dos municípios acima considerados somente Parauapebas, Canãa dos Carajás, Oriximiná e Barcarena, por serem sedes das principais minas em operação (N4D e SN11D, Trombetas) e das redutoras de alumina/alumínio, receberam volume mais significativo de recursos oriundos de royalties minerais; porém como denotamos em outro estudo (TRINDADE et al., 2014), frente às atuais condições de exploração e ausência de políticas de planejamento e tributárias, o que se terá é a crescente precariedade dos indicadores sociais e a ausência de projetos para quando da exaustão das minas.

Por outro, as pesquisas realizadas na região, demonstram como a apropriação da terra pelas grandes empresas mineradoras estabeleceram a completa espoliação das populações tradicionais, sendo que a dinâmica do que Harvey (2008) denomina de acumulação por espoliação se torna muito visível nestes processos seja pela perda de capacidade de subsistência econômica, social e cultural destas populações tradicionais, seja pelo seu uso em processos produtivos complementares e necessários a extração mineral como, por exemplo, o uso de trabalho em condições análogas a escravidão na produção de carvão para uso nas indústrias de ferro-gusa da região.

As populações indígenas foram as mais atingidas pelo conjunto de projetos que veio a se denominar de Programa Grande Carajás (PGC), sendo que o Ferro Carajás, o Projeto Trombetas (MRN), Albrás-Alunorte (Barcarena), Alumar (São Luís) e a UHE de Tucuruí, constituíram o cerne do PGC e atingiram um conjunto de diversos povos indígenas a partir dos anos 1970, destacando-se pelo grau de impacto apinayé (Tocantins); gaviãoparkatêjê, parakanã, suruí e kayapó-xikrin (Pará); gavião-pukobyê, guajá, guajajara, krikatí e urubu-kaapor (Maranhão) e as terras indígenas Awáe Krikati que ainda não se encontravam demarcadas, como bem descreve o recente trabalho de Juliana Neves Barros (2024).

Os relatórios técnicos de Iara Ferraz (1983, 1984) para FUNAI/CVRD ainda hoje constituem importante testemunho documental da epopeia espoliativa do grande capital, em conjunto com a intervenção estatal, sobre estas populações que não tiveram nenhuma capacidade de defesa. Assim, o linhão da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, destruiu a antiga aldeia dos Gaviões, os quais foram transferidos para uma nova aldeia localizada a menos de 10 quilômetros da ferrovia de Carajás, fragilizando ainda mais esta população (FERRAZ, 1984).[vii]

Considerações finais

Diversos efeitos deletérios se estabelecem como parte desta dinâmica, aos quais identificamos e tratamos em uma primeira aproximação: (i) deslocamento populacional e acelerada concentração demográfica; (ii) perda de capacidade de subsistência econômica, social e cultural das populações tradicionais; (iii) diferentes graus de contaminação e degradação ambiental.

Os dados apresentados, bem como a consideração dos impactos sobre as comunidades locais, desmatamento e baixa interatividade econômica com os sistemas regionais de produção nos levam à conclusão de que a indústria extrativa mineral terá que necessariamente ser regulada mediante políticas tributárias e de royalties mais efetivas, bem como ser objeto de padrões de acompanhamento ambiental mais severos.

Infelizmente, a atual conjuntura brasileira aponta para um cenário nada promissor, com destruição de direitos sociais e ambientais que afetam as comunidades mais atingidas por estes projetos e uma crescente perda de soberania nacional.

*José Raimundo Trindade é professor do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UFPA. Autor, entre outros livros, de Agenda de debates e desafios teóricos: a trajetória da dependência e os limites do capitalismo periférico brasileiro e seus condicionantes regionais (Paka-Tatu).

Versão reduzida do artigo publicado nos Cadernos do observatório de Desenvolvimento Regional, organizado por Zulene Muniz Barbosa. São Luís, EDUEMA, 2024.

Referências


BARROS, Juliana Neves. A mão de ferro da mineração nas terras de Carajás. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2024.

BNDES. GRANDES CORPORAÇÕES DA MINERAÇÃO: ESTRATÉGIA DE CRESCIMENTO. Boletim Setorial n° 45, Abril (2001b).

BUNKER, Stephen G. Os fatores espaciais e materiais da produção e os mercados globais. Novos Cadernos NAEA, vol. 7, n° 2, pp. 67-107, Belém: NAEA, dez. 2004

COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO. Expansão da mineração ameaça os territórios quilombolas, 2015. Disponível aqui.

FERNANDES, Francisco Rego Chaves; ALAMINO, Renata de Carvalho Jimenez; ARAÚJO, Eliane (Eds.). Recursos minerais e comunidade: impactos humanos, socioambientais e econômicos. Rio de Janeiro: CETEM/MCTI, 2014.

FERRAZ, Iara. Duplo impacto: o Projeto Carajás e os “projetos de apoio” as comunidades indígenas Gaviao e Surui do Pará. Acervo do Centro de Trabalho Indigenista, 1984. Disponível aqui .

HARVEY, David. O Novo Imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICMBio). O AVANÇO DA MINERAÇÃO NA FLORESTA NACIONAL DE CARAJÁS, PARÁ VERSUS A CONSERVAÇÃO DO ECOSSISTEMA DE CANGA. In: Não Vale: duplicação dos lucros privados e dos impactos coletivos, 2012. Disponível aqui.

MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: O processo de produção do capital [1867]. São Paulo: Boitempo, 2013.

MINERAÇÃO RIO DO NORTE. Relatório Anual. Rio de Janeiro, 1995-1996.

OSÓRIO, J. América Latina: o novo padrão exportador de especialização produtiva: estudo de cinco economias da região. In: FERREIRA, C.; OSÓRIO, J.; LUCE, M. (Orgs.). Padrões de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012.

PENNA, Carlos Gabaglia. Efeitos da mineração no meio ambiente. In: ((o))eco: Jornalismo Ambiental. Disponível em: http://www.oeco.org.br.

TRINDADE, J. R. B. A metamorfose do trabalho na Amazônia: para além da Mineração Rio do Norte. Belém: UFPA/NAEA, 2001. 171 p.

TRINDADE, José Raimundo Barreto; OLIVEIRA, Wesley Pereira de; BORGES, Gedson Thiago do Nascimento. O Ciclo Mineral e a Urgência de Políticas de Desenvolvimento Local: o caso do município de Parauapebas no Sudeste do Estado do Pará. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 18, n. 2, p. 603-18, 2014.

Notas


[i][i] Cf.

[ii] No caso do minério de ferro, por exemplo, deve-se observar que as reservas mundiais atingem 310 bilhões de toneladas, sendo que o Brasil detém 6,1% deste total, atrás da China e Austrália. Entretanto, “considerando o alto teor do minério de ferro de 64% em média, o país apresenta posição diferenciada tendo em vista o teor médio 59% obtido na Austrália, de menos de 40%, na China” (BNDES, 2001). Vale observar que na Amazônia, se encontra a maior concentração de ferro do planeta, a província mineral de Carajás, cujas reservas somam mais de 17 bilhões de toneladas e de elevado teor de Fe2O3, chegando a alcançar 66%.

[iii] Conferir o Relatório Administrativo da Vale. Acesso aqui.

[iv] O Brasil responde por 9,4% da produção mundial total, sendo que a MRN responde por 65,82% deste total. Os maiores produtores mundiais são: Austrália (36,3%); Guiné (15,7%); Jamaica (10,4%); Brasil (9,4%).

[v] A composição acionária da MRN está vigente desde a década de 1970, quando foi assinado seu acordo de acionistas, dividindo a empresa entre: Vale (40%), BHP Billiton Metais (14,8%) Rio Tinto Alcan (12%), Companhia Brasileira de Alumínio – CBA (10%), Alcoa Brasil (8,58%), Norsk Hydro (5%), Alcoa World Alumina (5%) e Abalco (4,62%). Recentemente (2011) a Companhia Vale vendeu a sua participação na MRN e nas demais empresas do setor de alumínio, conferir Relatório Anual da Companhia da Vale (2012).

[vi] A Floresta Nacional de Carajás é uma área de conservação ambiental federal do Brasil localizada no sul Estado do Pará. É administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e atualmente está concedida à empresa Vale S.A. Tem pouco menos de 412 mil hectares, tendo sido criada pelo decreto 2.486 de 2 de fevereiro de 1998. Dentro da área protegida é permitida a exploração mineral. Conferir: http://pt.wikipedia.org/wiki/Floresta_Nacional_de_Caraj%C3%.

[vii]Vale assinalar que os povos indígenas tingidos têm resistido com diversas formas de lutas sociais, por exemplo, em 2003, índios da tribo Gavião interditaram a EFC, provocando a interrupção das atividades da Vale (FERNANDES et al., 2014, p. 46-47)


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