A resiliência de Jair M. Bolsonaro

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JOÃO FERES JÚNIOR*

Bolsonarismo, democracia e golpe

Toda pessoa que acompanha o noticiário político brasileiro, a essa altura dos acontecimentos, já deve ter se perguntado qual seria a razão da popularidade de Bolsonaro apresentar tamanha resiliência, uma vez que os problemas que acometem sua gestão e seu comportamento seriam potencialmente muito danosos para qualquer político. Pesquisa após pesquisa, assistimos a uma flutuação razoavelmente tímida do índice de aprovação da gestão do presidente, que se manteve acima de 30% ao longo da série temporal, a despeito da crise do Coronavírus e sua administração desastrosa por parte do governo federal.

A última rodada da pesquisa “A cara da Democracia”, realizada entre 20 e 27 de abril, detecta uma queda significativa do índice de aprovação do Governo Bolsonaro: a proporção agregada de avaliações ótimo/bom foi de apenas 22%. Efeito semelhante foi observado pela pesquisa do Datafolha, divulgada em maio. O resultado completo da avaliação do governo na pesquisa A Cara da Democracia vai no gráfico abaixo:

Gráfico: Avaliação do Governo Bolsonaro
Imagem: Pesquisa A Cara da Democracia 2021 (INCT-IDDC)

Como vemos, a proporção daqueles que consideram o governo Bolsonaro ótimo se aproxima de 8%. No plano das hipóteses, é razoável supor que esse contingente corresponde ao que podemos chamar de bolsonarismo raiz, ou seja, aquelas pessoas que apoiam e concordam com o presidente mesmo depois dele ter assumido posturas negacionistas e antidemocráticas bastante extremadas. O grupo dos que acham o governo bom provavelmente é composto por aqueles que reconhecem alguns problemas na gestão, mas consideram seu saldo ainda positivo. É mais difícil fazermos conjecturas acerca do numeroso grupo que responde regular, pois dado o alto grau de rejeição da política representativa na população, revelado por um sem número de pesquisas, é possível que haja aí muitas pessoas que estão desgostosas com Bolsonaro mas não enxergam opção desejável de mudança.

Os dois últimos grupos são os que rejeitam fortemente o governo, com preponderância para o péssimo, com quase 40% dos respondentes da pesquisa. Juntos, as categorias “ruim” e “péssimo” perfazem praticamente metade dos respondentes. É claro que uma leitura “copo meio vazio” dos dados poderia ser feita, pois metade dos respondentes não rejeita fortemente o governo.

Ao cruzarmos o resultado da pergunta de avaliação do governo com os de outras perguntas, conseguimos obter informações mais precisas sobre o perfil do apoio ao presidente nos dias de hoje no que toca a demografia, as preferências e os valores de cada grupo.

No geral, quando comparamos o voto em 2018 com a avaliação presente de Bolsonaro, notamos que ele perdeu muito apoio nos grupos de maior renda (5-10 e acima de 10 salários mínimos), e ganhou apoio nos de menor renda (até 2 e de 2-5 salários mínimos). Essa reorientação de preferências em relação à renda é clara, e também se reflete na variável escolaridade: 41% dos respondentes com nível superior declaram ter votado em Bolsonaro, mas hoje somente 9% acham seu governo ótimo e 12 % bom.

Em relação ao sexo, as mulheres continuam a ser significativamente mais antipáticas ao presidente do que os homens. Essa preferência se mostra particularmente nos extremos da avaliação. Hoje, entre aqueles que acham o governo péssimo, 61% são mulheres e 39% homens. Já na outra ponta, dos que o avaliam como ótimo, 59% são homens e 41% mulheres.

Para além dessas tendências mais gerais, relevadas também por outras pesquisas, o nosso survey traz baterias de perguntas sobre temas específicos que nos permitem penetrar nas preferências e valores dos respondentes. A primeira delas diz respeito às razões que justificariam um golpe militar no Brasil atual. O questionário contém as seguintes razões: alto desemprego, instabilidade política, alta corrupção, muitos protestos sociais, muito crime e crise econômica aguda. Ao cruzarmos as respostas para essas questões com os diferentes graus de apoio ao presidente obtemos o seguinte resultado:

Gráfico: Avaliação do Governo x Justificativas para golpe militar
Imagem: Pesquisa A Cara da Democracia 2021 (INCT-IDDC)

Para simplificar a representação, optei por plotar as diferenças entre apoio e rejeição em cada categoria. Por exemplo, o ponto mais alto do gráfico, que marca 47% na curva da corrupção, é resultado da diferença entre os 72% que apoiam o golpe em caso de alta corrupção e os 25% que não apoiam, no grupo daqueles que consideram a gestão de Bolsonaro ótima. O ponto mais baixo, que marca – 61% na curva de protestos sociais, corresponde à diferença entre os 18% que apoiam o golpe em caso de muitos protestos sociais e os 79% que o rejeitam, no grupo daqueles que consideram Bolsonaro péssimo.

Primeiramente, não precisamos criar um índice geral de golpismo para notar a forte correlação entre o apoio a Bolsonaro e a aceitação da possibilidade de golpe militar no Brasil. Essa tendência se verifica em todos os temas. E ela é particularmente marcante nas transições entre ótimo e bom, e ruim e péssimo. Ou seja, os bolsonaristas raiz são significativamente mais golpistas que os apoiadores mais moderados, assim como os que rejeitam fortemente o governo do capitão rejeitam também o golpe com mais intensidade do que aqueles que o rejeitam mais moderadamente.

O assunto desemprego é o que menos ativa o golpismo. Os bolsonaristas, inclusive, rejeitam essa justificativa. O tema protestos sociais conquista maior adesão dos bolsonaristas. Mesmo assim, a sua maioria, composta daqueles que marcaram ótimo e bom na avaliação do governo, não aceita tal justificativa. Em seguida temos crise econômica e instabilidade política. Ambas ganham adesão da maioria dos bolsonaristas raiz, mas não entre os mais moderados. A diferença entre os bolsonaristas no tema crise econômica é de 26 pontos percentuais entre o grupo do ótimo e o do bom.

No topo da lista temos corrupção e crime, as justificativas que mais geraram respostas de apoio à intervenção militar. A curva do crime é curiosa, pois o saldo é positivo em prol do golpe para os valores ótimo, bom, regular e ruim. Somente o grupo dos que acham a gestão péssima rejeitou tal solução, esse sim por uma margem razoavelmente larga de 27 pontos percentuais. No cômputo geral, 45% dos respondentes emprestaram legitimidade à intervenção dos militares sob a justificativa de alta criminalidade.

Esse resultado revela a importância da questão da segurança, um dos carros-chefes da agenda de Bolsonaro, para uma ampla fatia da população: mesmo entre aqueles que consideram o governo péssimo, mais de um terço aceitariam golpe militar em caso de alta criminalidade.

Finalmente, corrupção é a campeã no ranking das justificativas de golpe. Seus resultados são idênticos ao da alta criminalidade para aqueles que acham o governo ruim ou péssimo, mas muito maiores para as categorias ótimo, bom e regular. Isso parece indicar a centralidade desse tema para o bolsonarismo. O apoio ao golpe no grupo raiz é de 3 para 1 em caso de alta corrupção, e de mais de 2 para 1 no grupo que acha o governo bom. E esse apoio continua forte no grupo do regular, com vantagem de 19 pontos percentuais para o golpismo.

Muito mais poderia ser dito dos padrões das respostas para essa bateria de perguntas sobre a possibilidade de golpe. Por exemplo, poderíamos examinar o outro lado das curvas, ou seja, o grupo que rejeita Bolsonaro, mas que ainda assim revela adesão surpreendente a soluções de exceção.

O exame dessas perguntas nos permite cotejar a adesão à democracia de maneira mais complexa, evitando, ao mesmo tempo, a pergunta direta. Ele nos permite confirmar, ainda que provisoriamente, a hipótese de que a corrupção é tema central no bolsonarismo, mais ainda que a segurança. Nenhuma outra questão, mesmo posturas antidemocráticas como a rejeição do protesto e da instabilidade política, induziu apoio tão forte quanto a corrupção. Sabemos que esse tema está ligado à rejeição da política representativa e de suas instituições e ao antipetismo. A exploração dessas conexões fica, contudo, para uma próxima oportunidade.

*João Feres Júnior é professor de ciência política do IESP-UERJ. Coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) e o Laboratório de Estudos de Mídia e Espaço Público (LEMEP).

Nota metodológica: A edição de 2021 da pesquisa nacional “A Cara da Democracia” foi realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação. Foram entrevistados 2031 brasileiros de todas as regiões do país entre 20 e 27 de abril. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais considerando um intervalo de confiança de 95%. A amostra representa a população eleitoral brasileira de 16 anos ou mais distribuída proporcionalmente à população eleitoral existente em cada uma das cinco regiões do Brasil: Norte, Centro-Oeste, Sudeste, Nordeste e Sul. Os municípios foram selecionados probabilisticamente através do método PPT (probabilidade proporcional ao tamanho) tomando como base o número de eleitores de cada município. A amostra obedeceu ainda a cotas de sexo, idade, escolaridade e renda familiar dentro de cada setor censitário. Esta edição da pesquisa foi realizada presencialmente, seguindo os protocolos de segurança conforme orientação dos órgãos competentes, tais como uso de máscaras e álcool em gel e distanciamento seguro.

 

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Bruno Fabricio Alcebino da Silva Otaviano Helene Francisco Fernandes Ladeira Eugênio Bucci Leonardo Boff Luiz Marques Jean Marc Von Der Weid Paulo Martins José Geraldo Couto Alysson Leandro Mascaro Manchetômetro Vinício Carrilho Martinez José Dirceu Mário Maestri Dennis Oliveira Francisco de Oliveira Barros Júnior Henri Acselrad Juarez Guimarães Kátia Gerab Baggio Vladimir Safatle João Lanari Bo Marilia Pacheco Fiorillo Sandra Bitencourt Ladislau Dowbor José Costa Júnior Sergio Amadeu da Silveira Michael Löwy Renato Dagnino Antonio Martins Ricardo Fabbrini Daniel Brazil Denilson Cordeiro Alexandre de Freitas Barbosa Jean Pierre Chauvin Armando Boito Rubens Pinto Lyra Paulo Fernandes Silveira Daniel Afonso da Silva Slavoj Žižek Atilio A. Boron Annateresa Fabris Lincoln Secco Leonardo Avritzer Bernardo Ricupero Elias Jabbour Francisco Pereira de Farias Alexandre de Lima Castro Tranjan Bento Prado Jr. Manuel Domingos Neto Benicio Viero Schmidt Eduardo Borges Luis Felipe Miguel Marcelo Guimarães Lima Carla Teixeira Leda Maria Paulani Fernão Pessoa Ramos Jorge Branco Airton Paschoa Luciano Nascimento José Machado Moita Neto Érico Andrade Flávio Aguiar Igor Felippe Santos Antônio Sales Rios Neto Ricardo Abramovay Maria Rita Kehl Tales Ab'Sáber Chico Whitaker Claudio Katz Tarso Genro Marjorie C. Marona Eliziário Andrade Luís Fernando Vitagliano Thomas Piketty Mariarosaria Fabris Paulo Capel Narvai Gabriel Cohn Marcelo Módolo Celso Frederico Valerio Arcary Walnice Nogueira Galvão José Raimundo Trindade Rafael R. Ioris Vanderlei Tenório Heraldo Campos Flávio R. Kothe Gerson Almeida Priscila Figueiredo Yuri Martins-Fontes Henry Burnett Julian Rodrigues Liszt Vieira Leonardo Sacramento Antonino Infranca Osvaldo Coggiola Eugênio Trivinho Gilberto Maringoni Ronald Rocha Chico Alencar Plínio de Arruda Sampaio Jr. Michel Goulart da Silva Luiz Werneck Vianna Paulo Nogueira Batista Jr João Sette Whitaker Ferreira Luiz Bernardo Pericás Remy José Fontana Lorenzo Vitral João Carlos Loebens Lucas Fiaschetti Estevez Ari Marcelo Solon Milton Pinheiro João Carlos Salles Everaldo de Oliveira Andrade Michael Roberts Daniel Costa Boaventura de Sousa Santos Fábio Konder Comparato Salem Nasser André Márcio Neves Soares Ronald León Núñez Caio Bugiato Rodrigo de Faria Luiz Eduardo Soares Marcos Aurélio da Silva Luiz Carlos Bresser-Pereira Dênis de Moraes Samuel Kilsztajn Ronaldo Tadeu de Souza Afrânio Catani Matheus Silveira de Souza Marcus Ianoni Fernando Nogueira da Costa Eleonora Albano Alexandre Aragão de Albuquerque Gilberto Lopes Luiz Roberto Alves Carlos Tautz Valerio Arcary Paulo Sérgio Pinheiro Andrew Korybko André Singer Eleutério F. S. Prado Tadeu Valadares José Micaelson Lacerda Morais Luiz Renato Martins Bruno Machado Marcos Silva João Paulo Ayub Fonseca Anselm Jappe Berenice Bento João Feres Júnior Ricardo Antunes Andrés del Río Ricardo Musse Jorge Luiz Souto Maior José Luís Fiori Celso Favaretto João Adolfo Hansen Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Marilena Chauí

NOVAS PUBLICAÇÕES

Pesquisa detalhada