A teoria do dinheiro em Marx

Alberto da Veiga Guignard, Paisagem no Parque, óleo sobre madeira, 53,5 cm x 65,5 cm, 1947.
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Por SOFIA MANZANO*

Prefácio do livro homônimo de Isaak Illich Rubin

Quanto mais se desenvolve o modo de produção capitalista e alcança todos os espaços, ocupa todo o tempo e determina toda a existência (humana ou não), mais enigmática parece ser a compreensão de seu verdadeiro modo de funcionamento. A exploração do trabalho humano pela burguesia no processo de produção capitalista, que, em seu nascimento, era evidente e se apresentava como uma realidade nua e crua, foi se tornando cada vez mais complexo e encoberto por um espesso véu do cotidiano reificado, dificultando a apreensão da essência dessa realidade. Desde a publicação do primeiro livro de O capital, em 1867, essa realidade esteve escancarada para a compreensão humana, mas a luta de classes e a luta pela vida contribuíram para que as descobertas científicas reveladas por Marx ficassem relegadas a alguns estudiosos marxistas e militantes comunistas.

Marx produziu O capital como uma arma teórica da luta do proletariado para alcançar a emancipação humana. Sem compreender a realidade não se pode mudá-la, só que esse ensinamento foi brilhantemente apropriado pela burguesia, que operou, sem descanso, para produzir todo tipo de “teoria” que impedisse essa compreensão. Menos de uma década após a publicação do primeiro livro de O capital – portanto, mesmo antes da publicação dos dois outros livros – consolida-se a atualmente bem conhecida Escola Austríaca. O sucesso dessa escola está em refutar, dentro dos cânones da ciência a serviço das classes dominantes, a teoria do valor baseada no trabalho humano, uma vez que, explicar a forma de existência humana, sob o modo de produção capitalista, ancorada na exploração do trabalho é fornecer uma poderosa arma à classe trabalhadora. E isso tem que ser bloqueado a qualquer custo.

O Positivismo tem um papel importante na consolidação da Escola Austríaca, não só por estabelecer os limites sobre os quais cada ciência deve se ocupar – o que elimina a totalidade como exigência científica – mas principalmente por refutar a problematização como procedimento científico. Ao argumentar que a humanidade transitou do conhecimento teológico ao metafísico e, deste, culminou com sua forma última acabada, o pensamento positivo, tudo o que estiver relacionado com investigação das causas de um fenômeno é remetido à metafísica, ou ao pensamento normativo, e não científico. Assim, não cabe ao cientista perguntar o porquê, problematizar, investigar as causas de um fenômeno relegando toda essa investigação à metafísica, já ultrapassada pelo pensamento positivo. Nessa perspectiva metodológica, o cientista tem que descobrir as leis naturais e imutáveis dos fenômenos para uso pragmático o saber se restringe a como os fenômenos funcionam.

Na estrada do positivismo e com a crescente consideração de que o conhecimento científico deve ser quantificável, a Escola Austríaca estabelece as balizas do que deve ser a pesquisa na área da economia. A matematização se impõe como instrumento científico de expressão dessa ciência e, já no século XX, o empirismo fornece as bases aceitáveis desse tipo de investigação.

Em um texto de 1926, Issak Rubin ressalta: “Foi na década de 1870 que os trabalhos [da Escola Austríaca] apareceram quase que simultaneamente, por Carl Menger. [William Stanley] Jevons e Léon Walras, os fundadores da nova escola, entre os quais Menger desenvolveu mais profundamente o fundamento psicológico da teoria e Walras a matemática. Durante a década de 1880, [Friedrich von] Wieser e [Eugen von] Böhm-Bawerk, alunos de Menger (todos os três moravam na Áustria), elaboraram em detalhes a teoria psicológica, que também é, frequentemente, chamada de teoria austríaca. No final do século XIX, tornou-se difundida na ciência universitária burguesa em quase todos os países do mundo” (in DAY & GAIDO, 2017, p. 430 – tradução minha).

Com a matematização da economia e as restrições ao escopo de sua pesquisa, a Escola Austríaca impõe as bases sobre as quais se considera “científico” nessa área do conhecimento, ignorando as contribuições dos clássicos (Adam Smith, David Ricardo) nas investigações sobre as causas dos fenômenos – vale lembrar, aqui, que a obra mais importante de Adam Smith na área é intitulada Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, mas foi resumida à Riqueza das nações. Essa escola se apropria das descobertas, como os mecanismos de mercado (a mão invisível), a defesa do liberalismo, a restrição ao papel do Estado, presentes nas obras dos clássicos, e ignoram as contribuições destes para a teoria do valor.

Na Escola Austríaca, “a teoria matemática […] começa com os fenômenos das trocas desenvolvidas e estuda a correlação entre a quantidade de bens e seu preço objetivo de mercado. Ignorando a questão da causa final das mudanças nos preços (ou seja, o problema do valor), essa teoria se restringe a investigar a dependência funcional entre o nível dos preços de mercado e a quantidade de bens (as leis da oferta e da demanda). As “fórmulas de troca” matemáticas resultantes também são aplicadas aos fenômenos de produção e distribuição, restringindo, assim, todo o alcance da ciência econômica a um estudo das mudanças quantitativas do preço de mercado”. (Rubin, [1926], in DAY & GAIDO, 2017, p. 431).

No entanto, para além da matematização e a estreita margem que se autoimpõe a ciência econômica a partir daí, outra imposição metodológica tem um significado mais profundo, isto é, a psicologização do comportamento humano tomado como a-histórico e potencializado à condição de “natureza humana”. O racionalismo iluminista serve de apoio para a psicologização da economia na medida em que os agentes determinam, a partir da maximização de seus desejos, a quantidade de bens que almejam adquirir no mercado. Assim, as escolhas racionais e o mecanismo de mercado são as únicas ferramentas para a determinação do valor das mercadorias.

A teoria da utilidade marginal se apresentou como a palavra final na ciência econômica – um princípio universal de escolha, enraizado na psicologia humana, que se baseou em uma única premissa fundamental: o “valor” de qualquer bem deriva exclusivamente de sua capacidade de satisfazer uma necessidade humana. Um bem que é abundante será usado de maneiras menos importantes e, portanto, terá um preço mais baixo; por outro lado, um bem escasso buscará um preço mais alto porque satisfará necessidades de maior prioridade. Quanto mais um indivíduo possuir um bem, menos ele valorizará a unidade seguinte, ou marginal. O valor, nesse caso, torna-se nada além de preço, e o preço não tem ancoragem objetiva em um único determinante – o gasto de trabalho vivo e o trabalho incorporado nas formas de capital fixo e circulante.

A suposta “natureza” psicológica imutável do homem passa a servir como ponto de partida para a pesquisa teórica e como argumento para a impossibilidade de uma economia socialista. “A teoria psicológica começa com a motivação de um indivíduo separado, vivendo em condições de uma economia natural; vê a causa final das mudanças no preço e no valor de um bem nas avalições subjetivas do indivíduo, que variam em resposta à quantidade de bens que ele tem à sua disposição”. (Rubin, [1926], in DAY & GAIDO, 2017, p. 431).

Rubin descarta, desde o princípio, qualquer tentativa de analisar a economia a partir de questões individuais-psicológicas e apresenta grande domínio sobre o método dialético e o trabalho do investigador/cientista. Ao afirmar que Marx não parte de uma economia simples em que as trocas se dão entre dois produtos do trabalho apenas, mas de uma economia de mercado plenamente desenvolvida, em que as mercadorias são produzidas para o mercado e não por encomenda, para a satisfação das necessidades de um consumidor, Rubin exclui, a partir do interior da teoria marxista, a possibilidade de as trocas, na economia capitalista, serem baseadas na utilidade da mercadoria: “Se se tratasse da troca ocasional de dois produtos em forma natural, então [… haveria] razão sobre este tipo de troca poder ser regulado pela necessidade individual das pessoas envolvidas e por sua avaliação subjetiva da utilidade relativa dos produtos” (Rubin, 2020).

Mas esse não é o caso. A economia capitalista se apresenta em sua forma completa na medida em que as mercadorias são produzidas para o mercado e que seus valores são expressos na relação de cada mercadoria com todas as outras, e não a partir da comparação de apenas dois produtos do trabalho. Para a compreensão da teoria do dinheiro, essa abordagem é deveras importante, uma vez que o dinheiro não é um resultado apenas histórico do desenvolvimento das trocas, mas fundamentalmente derivado da forma mercadoria.

Os difíceis caminhos da teoria econômica marxista

Durante todo o século XX, os mais variados tipos de marxistas, bem como economistas não marxistas, se debruçaram sobre O capital para sua maior compreensão ou refutação, conforme o caso. Os três primeiros capítulos, ou a seção I, sempre se apresentaram, e é assim até hoje, como os mais difíceis e celeiro de toda ordem de confusão, afirmação de princípios e tentativa de refutação da teoria de Marx que desvenda o capitalismo.

Desde confusões bastante simplistas – como a afirmação de que Marx desenvolve o conceito de trabalho abstrato de forma intuitiva, pois não poderia ter uma ideia real do trabalho abstrato, uma vez que este só emergiu realmente com a passagem do “capitalismo industrial” para a “sociedade dos serviços” –, até a profunda crítica de Louis Althusser sobre o conteúdo, ou influencia não ultrapassada de Hegel, tanto no vocabulário, quanto na teoria do fetichismo (Althusser, 2013).

Há também aqueles que, por vício positivista, fazem a leitura da obra de Marx como um apanhado histórico factual, em que no primeiro capítulo seriam apresentados os fatos que ocorreram primeiro (portanto, já ultrapassados), seguindo, cronologicamente, toda a obra até chegar, no Livro III, no capitalismo com suas diversas “esferas do capital” (capital comercial, capital industrial-produtivo, capital financeiro).

Sobre esse aspecto, é importante o alerta apresentado por Saad Filho: “Apesar de Marx frequentemente lançar mão de estudos históricos para explicar argumentos teóricos complexos ou para traçar a evolução de importantes categorias analíticas, o único modo de produção que ele analisa sistematicamente em O capital é o capitalismo” (2011, p. 46).

As confusões são muitas e derivam de fatores variados, da má fé e necessidade ideológica da burguesia de refutar essa obra, às carências teóricas dos leitores bem intencionados. Galbraith (1987), um dos mais influentes economistas “heterodoxos”, ao tempo em que imputa a Marx uma porção de conceitos absolutamente equivocados, tenta se proteger das críticas afirmando que Marx estava certo apenas para analisar a economia do seu tempo, mas está ultrapassado.

Além disso, como considera o marxismo um dogma religioso, afirma que essa corrente de pensamento desqualifica os oponentes afirmando que estes não compreenderam a complexidade da argumentação de Marx. Vale dizer que, apesar da complexidade e dificuldade que todo marxista reconhece, não é difícil apontar as aberrações que Galbraith atribui a Marx e o senso comum presente em sua argumentação, como, por exemplo, a afirmação de que o materialismo histórico de Marx é “a motivação econômica” por trás dos acontecimentos históricos!

Não farei aqui uma exegese dos problemas de compreensão de O capital, até por não ser esse o objetivo deste texto,[1] apenas elenquei – e, destarte, concordo que existam – alguns níveis de dificuldade. Em grande parte, os equívocos e críticas estão relacionados à teoria do valor, principalmente por seu conteúdo revolucionário, pois a descoberta da forma específica da exploração capitalista no trabalho não pago depende da compreensão de que a produção de mercadoria tem como finalidade a produção do valor, mas que essa mesma mercadoria é objeto útil, valor de uso. Para a teoria econômica neoclássica e a mistificação do modo real de funcionamento do capitalismo, a mercadoria é apenas um objeto útil e essa sua qualidade a transforma em objeto de desejo que é valorado no mercado, pelos consumidos ávidos por ela.

Contudo, no primeiro capítulo do Livro I, Marx vai além do que já havia sido explanado pelos Clássicos no que se refere à teoria do valor e que se puserem a investigar a medida e a substância do valor. Ele mesmo reconhece: “É verdade que a economia política analisou, mesmo que incompletamente, o valor e a grandeza de valor e revelou o conteúdo que se esconde nessas formas. Mas ela jamais sequer colocou a seguinte questão: por que esse conteúdo assume aquela forma, e por que, portanto, o trabalho se representa no valor e a medida do trabalho, por meio de sua duração temporal, na grandeza do produto do trabalho?” (Marx, 2013, pp. 154-155).

Com a descoberta do “segredo” da mercadoria em seu caráter fetichista, ficam ultrapassados os limites dessa “consciência burguesa” que não permitiram aos Clássicos apreender que a forma-valor da mercadoria só aparece em uma específica “formação social em que o processo de produção domina os homens, e não os homens o processo de produção” (Marx, 2013, p. 156).

No entanto, os capítulos dois e três também suscitam confusões, ou, no mínimo, leituras apressadas. O processo de troca e o dinheiro podem ser, e muitas vezes o são, lidas também como evolução histórica do desenvolvimento humano, ou como manual sobre as funções da moeda. Ao mesmo tempo em que acreditava ter escrito uma obra para impulsionar a luta dos trabalhadores por sua emancipação, portanto, ao nível de sua compreensão, Marx alerta no posfácio da segunda edição do Livro I (publicada em 1873) que, em primeiro lugar, é importante diferenciar o método de análise do método de exposição: “A investigação tem de se apropriar da matéria [Stoff] em seus detalhes, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e rastrear seu nexo interno. Somente depois de consumado tal trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento do real. Se isso é que se pode expor adequadamente o movimento do real. Se isso é realizado com sucesso, e se a vida da matéria é agora refletida idealmente, o observador pode ter a impressão de se encontrar diante de uma construção a priori” (Marx, 2013, p. 90).

Por isso, é sempre bom lembrar ao leitor de O capital que, não só a “escorregada” hegeliana de Marx ao afirmar que todo início de uma ciência é difícil, como alerta Althusser (2013), mas principalmente que a estrutura da obra compreende também uma lição metodológica. Em sua exposição, parte-se do nível mais abstrato para o mais concreto; do nível mais conceitual para se chegar ao conjuntural, histórico, pois se “toda ciência repousa sobre sua teoria própria” e que “essa teoria indispensável a toda ciência […] é um sistema de conceitos científicos de base” (Althusser, 2013, p. 42), o leitor tem que estar preparado para se deparar com um nível elevado de abstração na apreensão dos conceitos, e não considerar a exposição como exemplificação histórico-concreta da realidade.

No entanto, se o conceito é uma abstração e para que a ciência tenha validade como ciência – e não seja apenas um apanhado de ideias que objetivam encobrir a realidade, “[…] conceitos abstratos designam realidades realmente existentes. O que torna científica a abstração é justamente o fato de ela designar uma realidade concreta que existe realmente […] Todo conceito abstrato fornece, portanto, o conhecimento de uma realidade cuja existência ele revela: conceito abstrato quer dizer, então, fórmula aparentemente abstrata, mas, na realidade, terrivelmente concreta pelo objeto que designa” (Althusser, 2013, p. 42).

A teoria do dinheiro em Marx, de Isaak Rubin, é uma contribuição fundamental para a leitura de O Capital de Marx, mas também para a compreensão do desenvolvimento final do capitalismo e sua crise que vivemos hoje. Escrito entre 1923 e 1928, o texto só foi publicado pela primeira vez em 2011. Até hoje contamos com a impressão em russo, alemão, inglês e esta agora, em português. Apesar de ser um texto inconcluso e que não teve o acabamento final para a impressão, essa obra merece ser estudada com atenção.

Rubin é (pouco) conhecido entre nós por sua contribuição ao entendimento da teoria do valor, com a publicação, em 1980, de seu livro A teoria marxista do valor, em que, ainda na introdução, alerta que “o objetivo último da ciência é compreender a economia capitalista como um todo, como um sistema específico de forças produtivas e relações de produção entre as pessoas” (Rubin, 1980, p. 14). Assim, no mesmo caminho científico inaugurado por Marx, Rubin procura expor os “nexos internos” dos processos sociais que se estabelecem na sociedade capitalista presentes na obra de Marx.

No entanto, estes “nexos internos” não podem ser alcançados com a compartimentalização da ciência em seus aspectos técnico-material, de um lado, e os aspectos sociais, de outro: “A Economia Política não é uma ciência das relações entre as coisas, como pensavam os economistas vulgares, nem das relações entre as pessoas e as coisas, como afirmou a teoria da utilidade marginal, mas das relações entre as pessoas no processo de produção. (Rubin, 1980, p. 15).

Profundo conhecedor da obra dos clássicos da Economia Política, como pode ser constatado em seu livro História do pensamento econômico (Rubin, 2014), bem como das escolas de pensamento econômico que se desenvolveram até o início do século XX, esse marxista transita com muita competência pelos conceitos econômicos que são apresentados por Marx em O capital. Por isso, a relevância de A teoria do dinheiro em Marx.

O dinheiro em Marx: teorias e polêmicas

Assim como a teoria marxista do valor suscita polêmica e diversas interpretações mesmo no interior do campo marxista (Saad Filho, 2011), a teoria do dinheiro de Marx provoca confusões ainda mais contundentes (Prado, 2016). Como salientamos acima, a obra de Marx não é fácil de compreender, ainda mais por ser o resultado de uma mente brilhante que lidava com maestria com o método dialético. Apresentou, assim, em O capital, o desenvolvimento lógico desse modo de produção, mas a todo momento traz referências históricas. Saad Filho (2011) chama a atenção para duas principais interpretações sobre a teoria do valor marxista, a tradicional e a teoria da forma valor, desenvolvida principalmente por Rubin (1980). De maneira semelhante, Prado (2016) observa os equívocos dos marxistas que consideram que, na teoria do dinheiro de Marx, dinheiro é sempre uma mercadoria física.

Tanto na primeira crítica quanto na segunda, podemos destacar que os limites das interpretações esbarram em limites metodológicos. Qualquer tentativa de transformar o método dialético num modelo formal de procedimentos a serem adotados na investigação representa, nomeadamente, a formalização da dialética, portanto, sua destruição.

Como é sabido, o método dialético não é uma fórmula que se aplica desde fora ao objeto de estudo; é o objeto, em seu movimento, que apresenta sua história e suas contradições dialéticos: “Porque o método marxista, como sabemos, é interno ao objeto; não impõe um caráter lógico pré-estabelecido ao que deseja apreender conceitualmente, mas respeita a maneira como é e como muda na própria formação dos conceitos” (Prado, 2016, p. 15).

Em A teoria do dinheiro em Marx, Rubin ressalta, a todo o momento, a necessidade lógica de apreensão dos conceitos e o demonstra com as passagens extraídas das principais obras econômicas de Marx, seja de O capital, de Para a crítica da economia política, de Salário, preço e lucro e das Teorias da mais-valia. No entanto, Rubin não é apenas um resenhista, é também um teórico e traz à superfície do conhecimento presente toda a riqueza da obra de Marx na teoria do dinheiro a partir da derivação da forma mercadoria e da forma valor.

Se “é apenas na medida [em] que o processo de produção adquire a forma de produção mercantil, isto é, produção baseada na troca, que o trabalho adquire a forma de trabalho abstrato e os produtos do trabalho adquirem a forma de valor” (Rubin, 1980, p. 165).

Também será, para ele, o duplo caráter da mercadoria, entre valor de uso e valor, de onde se deriva a necessidade do dinheiro: “Enquanto valor de uso, toda mercadoria é um dos elementos do metabolismo material na sociedade, do movimento de todas as coisas materiais. Enquanto valor de troca, ela dá ao eu produtor a possibilidade de entrar em uma relação de produção com outro produtor. Dessa dupla natureza da mercadoria, então, Marx também derivou a necessidade do dinheiro. Mas nós já sabemos que essa dupla natureza da mercadoria não representa mais do que uma expressão da dupla natureza da própria troca, na qual as relações de produção entre as pessoas são criadas pela troca das coisas” (Rubin, 2020).

A teoria do dinheiro em Marx não é um texto terminado, portanto, é interrompido antes do desenvolvimento da forma dinheiro em crédito, capital etc. Contudo, assim como Teoria do valor em Marx (1980) proporcionou grande avanço na interpretação da teoria marxista, este livro também representa a fecunda colaboração de um autor perspicaz e profundo conhecedor da teoria econômica de Marx.

*Sofia Manzano é professora de economia na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e autora do livro Economia política para trabalhadores (Instituto Caio Prado Jr.).

Referência


Isaak Illich Rubin. A teoria do dinheiro em Marx. Tradução: Tiago Camarinha Lopes. São Paulo, Instituto Caio Prado Jr., 2020, 180 págs.

Obras citadas


Althusser, L. Advertência aos leitores do livro I d’O capital. Trad. Celso N. Kashiura Jr. e Márcio B. Naves. In Marx, K. Marx, K. O capital. “Crítica da economia política”. Trad. Rubens Enderle. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.

Galbraith, J. K. A sociedade afluente. Trad. Carlos Afonso Malferrari. São Paulo: Pioneira, 1987.

Marx, K. O capital. “Crítica da economia política”. Trad. Rubens Enderle. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.

Prado. E. F. S. “From ‘gold Money to fictitions money”. In Brazilian Journal of Political Economy, vol. 36, nº 1 (142), pp. 14-28, mar./jun., 2016.

Rubin, I. I. A teoria marxista do valor. Trad. José Bonifácio de S. Amaral Filho. São Paulo: Brasiliense, 1980.

______ [1926]. “The Austrian School”. In Day, R. B. & Gaido, D. F. Responses to Marx’s Capital. From Rudolf Hilferding to Isaak Illich Rubin. Leiden: Historical Materialism, 2017.

______ História do pensamento econômico. Trad. Rubens Enderle. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2014.

Saad Filho, A. O valor de Marx. “Economia política para o capitalismo contemporâneo”. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.

Nota

[1] Um aporte importante sobre as dificuldades e caminhos de leitura de O capital pode ser encontrado em Althusser (2013).

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