Ainda 2013

Imagem: Elyeser Szturm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por Luis Felipe Miguel*

As lideranças do MPL podem ser criticadas em registros diversos. É um bom tema para debate. Mas não dá para chamá-los de quinta coluna, traidores, agentes ianques etc.

Quando eclodiram as manifestações em 2013, eu me coloquei do lado dos “céticos”, por assim dizer. Enquanto alguns amigos saudavam a eclosão da revolução popular, eu julgava que um movimento tão carente de organização e de liderança dificilmente teria força para ser mais do que a expressão pontual de uma insatisfação latente. Sou old fashioned demais para pensar diferente.

Não fui capaz de prever a captura de 2013 pela direita, mas, quando ocorreu, ela pareceu bastante óbvia. O MPL não tinha força para comandar protestos tão gigantescos. Aos partidos à esquerda do PT também faltava base social para tanto.

E o próprio PT estava em situação complicada. Era um alvo da insatisfação, já que controlava o governo federal. E a reação inicial de Fernando Haddad, então prefeito de São Paulo, às reivindicações também não contribuiu para legitimar o partido como interlocutor, muito pelo contrário. (Lembrando que 2013 não começou nem terminou em São Paulo, mas foram as manifestações paulistanas que ganharam a atenção nacional e, assim, transformaram aquele momento na onda que se tornou.)

Não há, no entanto, nenhum indício de que as manifestações de 2013 tenham começado como parte do golpe, como disse o ex-presidente Lula em entrevista à Telesur. Não há nenhum indício de que os movimentos de transporte público estivessem a serviço de grupos de direita ou do imperialismo estadunidense, ou infiltrados, ou manipulados.

Absolutamente nada sustenta tal tese. Nem provas, nem mesmo convicções.

Há uma enorme diferença entre uma mobilização ser capturada pela direita e ser pensada, deflagrada ou patrocinada pela direita.

As declarações de Lula, portanto, foram enormemente irresponsáveis (para usar uma palavra amena).

E o uso de uma velha entrevista de Elisa Quadros por uma parte de sua tropa de choque, uma entrevista defendendo en passant a libertação de alguém que muitos anos depois revelou ser um terrorista de extrema-direita, só pode ser denominada como calhorda.

Elisa Quadros pode ter sido ingênua, precipitada, desavisada, radicaloide, o escambau, assim como a liderança do MPL pode ser criticada de diversas maneiras. É um bom tema para debate. Mas não dá para chamá-los de quinta coluna, traidores, agentes ianques, nada disso.

É bem mais honesto reconhecer que, muito antes de serem tomadas por coxinhas mobilizados pela Rede Globo, as manifestações de 2013 levaram as ruas uma massa de insatisfeitos com os limites do arranjo lulista.

Oferta de empregos, sim, mas de baixa qualificação e baixo salário. Inclusão social, mas mais pelo consumo do que pela oferta de serviços socializados. Combate à miséria, mas convivência com a desigualdade profunda.

E o espaço da cidade, fulcro da pauta do MPL, é aquele em que as diversas assimetrias – de classe, de gênero, de raça – e as violências associadas a elas se manifestam com clareza.

O governo Dilma Rousseff e o PT, infelizmente, preferiram conter o movimento e focar na minimização de danos para as eleições do ano seguinte, em vez de buscar um diálogo real com as ruas, que permitisse uma mudança no arranjo vigente, em condições mais favoráveis ao campo popular.

Talvez uma disposição diferente, por parte do governo e de seu partido, tivesse dificultado a captura do protesto pela direita. Mas é mais fácil culpar os manifestantes.

A demonização de 2013 por Lula segue essa lógica. O povo na rua atrapalhou o governo, colocou em risco a reeleição, logo estava a serviço dos adversários.

É melancólico ver o maior líder popular da nossa história, forjado nas jornadas memoráveis de 1978, condenando liminarmente manifestações populares, como se fossem “estorvos” para a ação política.

É a demonstração máxima da conversão total e absoluta do lulismo à política institucional, aquela que começa e termina nas urnas, nos parlamentos e nos tribunais. O que, aliás, leva a um péssimo prognóstico para a resistência necessária aos retrocessos em curso.

Esse é o drama da esquerda brasileira:

Por um lado, apesar de declarações soltas que permitem vislumbrar algo diferente, mas que logo se dissipam, Lula mantém os dois pés fincados na estratégia de acomodações sucessivas – cujo esgotamento, no entanto, vem sendo provado cabalmente desde o golpe de 2016.

Por outro lado, Lula permanece sendo o maior depositário de duas virtudes das quais a esquerda brasileira precisa desesperadamente: a capacidade de comunicação com as massas mais amplas e o sentido de urgência, de busca de respostas imediatas para problemas prementes, em vez de desenhar cenários grandiosos para um futuro indeterminado.

*Luis Felipe Miguel é professor de Ciência Política na UnB.

Publicado originalmente do Facebook de Luis Felipe Miguel.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Liszt Vieira Tadeu Valadares Alexandre Aragão de Albuquerque Carlos Tautz José Raimundo Trindade Denilson Cordeiro Juarez Guimarães Rafael R. Ioris João Paulo Ayub Fonseca Michael Roberts José Micaelson Lacerda Morais Walnice Nogueira Galvão Carla Teixeira Heraldo Campos Leda Maria Paulani Ricardo Antunes Chico Alencar Daniel Brazil João Lanari Bo Paulo Martins Marjorie C. Marona Gilberto Maringoni Tales Ab'Sáber Bernardo Ricupero Marcelo Módolo Lucas Fiaschetti Estevez Vladimir Safatle Caio Bugiato Tarso Genro Michael Löwy Matheus Silveira de Souza Jean Pierre Chauvin João Carlos Salles Marcos Aurélio da Silva Rubens Pinto Lyra João Sette Whitaker Ferreira Maria Rita Kehl Fábio Konder Comparato Afrânio Catani Fernão Pessoa Ramos João Carlos Loebens Valerio Arcary Eduardo Borges Daniel Afonso da Silva Marilia Pacheco Fiorillo Samuel Kilsztajn Mariarosaria Fabris Remy José Fontana Leonardo Boff Mário Maestri Eleonora Albano Antonio Martins Annateresa Fabris Vinício Carrilho Martinez Otaviano Helene Airton Paschoa Bruno Machado Sandra Bitencourt Priscila Figueiredo Gabriel Cohn Henry Burnett Slavoj Žižek Paulo Sérgio Pinheiro José Geraldo Couto Sergio Amadeu da Silveira André Márcio Neves Soares Elias Jabbour Ari Marcelo Solon Flávio Aguiar Paulo Capel Narvai Luiz Eduardo Soares Yuri Martins-Fontes Luciano Nascimento Dênis de Moraes Boaventura de Sousa Santos Anselm Jappe Lorenzo Vitral Atilio A. Boron Luiz Roberto Alves Rodrigo de Faria Ricardo Abramovay Eugênio Trivinho Marilena Chauí Flávio R. Kothe Luís Fernando Vitagliano Luiz Carlos Bresser-Pereira Andrés del Río Benicio Viero Schmidt Francisco de Oliveira Barros Júnior Henri Acselrad José Costa Júnior Ronald León Núñez Julian Rodrigues Ronald Rocha Jorge Luiz Souto Maior Celso Frederico João Feres Júnior Lincoln Secco Antônio Sales Rios Neto Luiz Werneck Vianna Francisco Fernandes Ladeira Leonardo Avritzer Renato Dagnino Jean Marc Von Der Weid Antonino Infranca Gilberto Lopes Ricardo Musse Milton Pinheiro Luiz Renato Martins Ronaldo Tadeu de Souza Gerson Almeida José Machado Moita Neto Valerio Arcary Salem Nasser Alexandre de Lima Castro Tranjan Ladislau Dowbor José Luís Fiori Marcos Silva Luiz Bernardo Pericás Luiz Marques Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Bento Prado Jr. Marcus Ianoni Paulo Fernandes Silveira Dennis Oliveira Everaldo de Oliveira Andrade Eugênio Bucci Igor Felippe Santos Manuel Domingos Neto Alexandre de Freitas Barbosa Plínio de Arruda Sampaio Jr. Osvaldo Coggiola Paulo Nogueira Batista Jr Chico Whitaker Luis Felipe Miguel Michel Goulart da Silva Marcelo Guimarães Lima João Adolfo Hansen Thomas Piketty Francisco Pereira de Farias Daniel Costa Manchetômetro Celso Favaretto Fernando Nogueira da Costa Eliziário Andrade Jorge Branco Leonardo Sacramento Bruno Fabricio Alcebino da Silva Claudio Katz Andrew Korybko André Singer Kátia Gerab Baggio Alysson Leandro Mascaro Eleutério F. S. Prado Érico Andrade José Dirceu Ricardo Fabbrini Berenice Bento Armando Boito Vanderlei Tenório

NOVAS PUBLICAÇÕES