Por Luis Felipe Miguel*
As lideranças do MPL podem ser criticadas em registros diversos. É um bom tema para debate. Mas não dá para chamá-los de quinta coluna, traidores, agentes ianques etc.
Quando eclodiram as manifestações em
2013, eu me coloquei do lado dos “céticos”, por assim dizer. Enquanto alguns
amigos saudavam a eclosão da revolução popular, eu julgava que um movimento tão
carente de organização e de liderança dificilmente teria força para ser mais do
que a expressão pontual de uma insatisfação latente. Sou old fashioned demais para pensar diferente.
Não fui capaz de prever a captura de
2013 pela direita, mas, quando ocorreu, ela pareceu bastante óbvia. O MPL não
tinha força para comandar protestos tão gigantescos. Aos partidos à esquerda do
PT também faltava base social para tanto.
E o próprio PT estava em situação
complicada. Era um alvo da insatisfação, já que controlava o governo federal. E
a reação inicial de Fernando Haddad, então prefeito de São Paulo, às
reivindicações também não contribuiu para legitimar o partido como
interlocutor, muito pelo contrário. (Lembrando que 2013 não começou nem
terminou em São Paulo, mas foram as manifestações paulistanas que ganharam a
atenção nacional e, assim, transformaram aquele momento na onda que se tornou.)
Não há, no entanto, nenhum indício de
que as manifestações de 2013 tenham começado como parte do golpe, como disse o
ex-presidente Lula em entrevista à Telesur. Não há nenhum indício de que os
movimentos de transporte público estivessem a serviço de grupos de direita ou
do imperialismo estadunidense, ou infiltrados, ou manipulados.
Absolutamente nada sustenta tal tese.
Nem provas, nem mesmo convicções.
Há uma enorme diferença entre uma
mobilização ser capturada pela direita e ser pensada, deflagrada ou patrocinada
pela direita.
As declarações de Lula, portanto, foram
enormemente irresponsáveis (para usar uma palavra amena).
E o uso de uma velha entrevista de Elisa
Quadros por uma parte de sua tropa de choque, uma entrevista defendendo en passant a libertação de alguém que
muitos anos depois revelou ser um terrorista de extrema-direita, só pode ser
denominada como calhorda.
Elisa Quadros pode ter sido ingênua,
precipitada, desavisada, radicaloide, o escambau, assim como a liderança do MPL
pode ser criticada de diversas maneiras. É um bom tema para debate. Mas não dá
para chamá-los de quinta coluna, traidores, agentes ianques, nada disso.
É bem mais honesto reconhecer que, muito
antes de serem tomadas por coxinhas mobilizados pela Rede Globo, as manifestações
de 2013 levaram as ruas uma massa de insatisfeitos com os limites do arranjo
lulista.
Oferta de empregos, sim, mas de baixa
qualificação e baixo salário. Inclusão social, mas mais pelo consumo do que
pela oferta de serviços socializados. Combate à miséria, mas convivência com a
desigualdade profunda.
E o espaço da cidade, fulcro da pauta do
MPL, é aquele em que as diversas assimetrias – de classe, de gênero, de raça –
e as violências associadas a elas se manifestam com clareza.
O governo Dilma Rousseff e o PT,
infelizmente, preferiram conter o movimento e focar na minimização de danos
para as eleições do ano seguinte, em vez de buscar um diálogo real com as ruas,
que permitisse uma mudança no arranjo vigente, em condições mais favoráveis ao
campo popular.
Talvez uma disposição diferente, por
parte do governo e de seu partido, tivesse dificultado a captura do protesto
pela direita. Mas é mais fácil culpar os manifestantes.
A demonização de 2013 por Lula segue
essa lógica. O povo na rua atrapalhou o governo, colocou em risco a reeleição,
logo estava a serviço dos adversários.
É melancólico ver o maior líder popular
da nossa história, forjado nas jornadas memoráveis de 1978, condenando
liminarmente manifestações populares, como se fossem “estorvos” para a ação
política.
É a demonstração máxima da conversão
total e absoluta do lulismo à política institucional, aquela que começa e
termina nas urnas, nos parlamentos e nos tribunais. O que, aliás, leva a um
péssimo prognóstico para a resistência necessária aos retrocessos em curso.
Esse é o drama da esquerda brasileira:
Por um lado, apesar de declarações
soltas que permitem vislumbrar algo diferente, mas que logo se dissipam, Lula
mantém os dois pés fincados na estratégia de acomodações sucessivas – cujo
esgotamento, no entanto, vem sendo provado cabalmente desde o golpe de 2016.
Por outro lado, Lula permanece sendo o
maior depositário de duas virtudes das quais a esquerda brasileira precisa
desesperadamente: a capacidade de comunicação com as massas mais amplas e o
sentido de urgência, de busca de respostas imediatas para problemas prementes,
em vez de desenhar cenários grandiosos para um futuro indeterminado.
*Luis Felipe Miguel é professor de Ciência Política na UnB.
Publicado originalmente do Facebook
de Luis Felipe Miguel.
