Por Róber Iturriet Avila e João Batista Santos Conceição*
A Pesquisa de Orçamentos
Familiares (POF) divulgada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) mostra que 36,3% dos orçamentos familiares são gastos em
habitação, 18,1% em transporte e 17,5% em alimentação. A POF ainda mostra que
quase 25% da renda dos mais pobres são oriundas de aposentadorias e programas
sociais. Fator que retrata o quadro brasileiro, em que a redução de
desigualdade de renda está mais atrelada aos benefícios previdenciários e aos
gastos em saúde e educação que aos impostos diretos.
Os brasileiros que
figuram entre os 10% mais pobres gastam 32% dos seus rendimentos em tributos,
sendo que 28 pontos percentuais desses tributos pagos são por impostos
indiretos. De outro lado, a transferência de renda não impacta apenas a
distribuição de renda, mas também a atividade econômica, haja vista que a
propensão a consumir dos mais pobres é maior. A cada R$ 1.000,00 transferidos
dos mais ricos para os mais pobres, a variável “consumo das famílias”
aumentaria em R$ 730,00.
O sistema tributário
regressivo, portanto, não é prejudicial apenas para as classes baixas e médias,
mas, inclusive, para a própria atividade econômica. Ao tributar a produção e o
comércio, em detrimento dos rendimentos e do patrimônio, aumenta-se o custo dos
bens e serviços, prejudicando o sistema produtivo como um todo.
A arrecadação brasileira
de impostos diretos é inferior à média dos dezoito países da América Latina. A
fatia de tributos oriundos de renda, lucro e ganhos do capital de 2016 foi
superior apenas à do Paraguai e Costa Rica. Ficamos atrás de alguns países da
África e da Ásia. As alíquotas máximas do Imposto sobre a Renda da Pessoa
Física (IRPF) brasileiras explicam esse quadro: 27,5%, desde de 1997, uma das
menores mesmo entre países em desenvolvimento. Na comparação com a América
Latina, a alíquota máxima desse tributo é menor do que a de Chile, Argentina,
Equador, México, Venezuela, Colômbia, El Salvador, Nicarágua, Peru e Uruguai.

O segundo fator que faz
reduzir a alíquota do IRPF é a isenção dos dividendos, uma verdadeira
jabuticaba tributária brasileira. Vale sempre repetir que, entre os 34 países
que integram a OECD, apenas a Estônia e a República Eslovaca isentavam os
dividendos na pessoa física. A isenção em 1996 no Brasil tinha como objetivo
amenizar os efeitos da dupla tributação de lucros e dividendos na pessoa
física, o que supostamente atrairia fluxos de capitais e incentivaria
investimentos no País (trickle-down),
ideia já ultrapassada mesmo nas hostes do liberalismo de fronteira. Do ponto de
vista jurídico, não se tratava de bitributação, os sujeitos passíveis a
cobrança do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e do Contribuição Social
sobre Lucro Líquido (CSLL) cobrado sobre os dividendos são diferentes. No
primeiro caso, as pessoas jurídicas e, no segundo, as pessoas físicas.
A isenção dos dividendos
acaba reduzindo ainda mais a alíquota, que tem por fundamento a maior
contribuição das pessoas mais ricas, a qual serve também para redistribuir a
renda por meio de serviços públicos. A isenção possibilita que profissionais
liberais que constituem microempresas, a fim de receber um tratamento
tributário menos oneroso daquele que seria dado, caso os seus rendimentos
fossem contabilizados como oriundos do trabalho (como é mostrado no gráfico
abaixo). Os dados mostram que os microempreendedores, profissionais liberais e
autônomos somaram 7,2 milhões de declarantes, enquanto os empregados do setor
privado chegaram a 8,2 milhões.

O terceiro fator que
colabora para a redução da alíquota são os abatimentos com despesas privadas.
As despesas médicas foram de R$ 70,2 bilhões e as de educação chegaram a R$
21,2 bilhões. Há algumas ocupações de servidores públicos do Estado brasileiro,
que, além de estarem entre as maiores médias de rendimento e de patrimônio
líquido, foram também as ocupações que mais abateram despesas no IRPF. O valor
das deduções dos procuradores e promotores do Ministério Público e dos membros
do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas chegaram a R$ 760 milhões. A
fundamentação do IRPF é redistribuir renda através de serviços públicos e não
subsidiar serviços privados e individuais.

Em relação ao conjunto
de tributos incidentes no patrimônio, o imposto sobre heranças e doações é
totalmente desalinhado internacionalmente. A baixa alíquota de 8%, fixada
durante o governo de Fernando Collor, contribui apenas 0,4% do total da
arrecadação tributária. Há outros impostos que também contribuem para a baixa
participação dos impostos sobre patrimônio na arrecadação. O Brasil é um país
extenso territorialmente e conformado por vastas áreas rurais, mas os dados da
Receita Federal do Brasil apontam uma participação do Imposto Territorial Rural
(ITR) de 0,1% na arrecadação tributária.
Outra questão é a falta
de regulamentação pelo Congresso Nacional do Imposto sobre Grandes Fortunas
(IGF) previsto na Constituição do País desde 1988. O estudo de Antônio Freitas
sinaliza que cerca de um terço dos próprios legisladores sofreriam incidência
do imposto, caso houvesse IGF a partir de R$ 3 milhões.

De acordo com as
declarações do IRPF do ano de 2016, 1.549 beneficiários receberam uma média de
R$ 11,7 milhões de herança ou doação na forma de transferência patrimonial.
Esses pagaram no máximo uma alíquota de 8%, sendo que apenas dez estados do
Brasil chegam neste patamar de cobrança. Esses mesmos beneficiários declararam
terem pago uma alíquota efetiva média de 0,4% no IRPF, possuindo um rendimento
médio anual de R$ 21,5 milhões e um patrimônio líquido médio de R$ 67,2
milhões.
Os maiores beneficiários
de heranças e doações no Brasil são produtores na exploração agropecuária,
presidentes e diretores de empresa industrial. Além de pagarem uma alíquota
baixa na hora de receber a herança e doação, os primeiros são os mesmos que
contribuem apenas para 0,1% no ITR, enquanto os segundos são os maiores
beneficiários com a isenção de dividendos.
Os recebimentos de
heranças e doações revelam duas implicações para a desigualdade. A primeira é
pagar baixas alíquotas no momento de receber os bens e diretos. A segunda é
possuírem alto percentual isento de tributação, contribuindo proporcionalmente
menos no IRPF. A combinação desses fatores sedimenta a alta concentração
patrimonial no Brasil, visto a influência que as heranças e as doações exercem
sobre gerações futuras e sobre as rendas ao longo da vida.
Antônio Freitas estimou
que se a alíquota efetiva média do imposto sobre herança e doação no Brasil
(3,7%) se igualasse à dos Estados Unidos (29%), por exemplo, a arrecadação
adicional poderia chegar a R$ 31,9 bilhões anuais, passando muito dos R$ 7,3
bilhões arrecadados em 2016. Freitas também estimou alíquotas efetivas de 0,3%
a 2% de IGF para o Brasil. A arrecadação seria de R$ 40,7 bilhões.
As estimativas de Sérgio
Gobetti e Rodrigo Orair de tributação de dividendos nos mesmos moldes vigentes
até 1995 – com alíquota linear de 15% – trariam aos cofres públicos R$ 53
bilhões. Se a tributação fosse progressiva, com as mesmas alíquotas do IRPF, a
arrecadação chegaria a R$ 70 bilhões. Gobetti e Orair efetuaram estimativa de
arrecadação com alíquota máxima no IRPF de 35%, como era em países como
Argentina, Equador, México e Turquia em 2016. A mudança na alíquota traria um
aumento de arrecadação de pelo menos R$ 90 bilhões.
Todos os casos acima
elencados denotam que há sim vasto espaço para ajustar as contas pelas receitas
sem aumentar a carga tributária. A maior progressividade no imposto sobre
herança e doações, aumento da alíquota máxima do IRPF, instituição do imposto
sobre grandes fortunas, retorno da tributação de dividendos, a revisão de
deduções em educação e saúde no IRPF trariam aproximadamente R$ 324 bilhões de
arrecadação. Com efeitos distributivos, sociais e também econômicos, haja vista
que a redistribuição de renda teria efeito no consumo e, portanto, no
crescimento econômico.
A tese de menos
tributação sobre o capital em prol de mais investimentos não encontra respaldo
empírico consistente. Esses modelos e os teoremas que se popularizaram a partir
de 1980, têm sido questionados, inclusive, por aqueles que deram sustentação às
proposições de menor progressividade tributária, como é o caso de Anthony
Atkinson, Joseph Stiglitz e James Mirrlees. O comportamento do investimento
privado, no Brasil, tem sido mais de complementariedade do investimento
público. A série de medidas adotadas a partir dos anos 1990 não aumentaram o
investimento privado, entretanto, parecem colaborar para a desigualdade de
rendimentos e de patrimônio.
*Róber Iturriet Avila é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (URGS).
*João Batista Santos Conceição é graduando em ciências econômicas na Unisinos.
Esse artigo foi publicado originalmente no site Brasil
Debate
