Ameaças autoritárias

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Por ALEXANDRE ARAGÃO DE ALBUQUERQUE*

Durante dois meses o presidente, sobre cuja cabeça pairam 136 pedidos de impeachment, preparou um evento autoritário para comemorar o 7 de setembro.

No clássico As veias abertas da América Latina, o escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015) faz uma análise crítica do processo de conquista e exploração do nosso continente perpassando cinco séculos de nossa história. Desde a chegada dos machos brancos cristãos em nossas terras, tudo se transformou em capital europeu e, mais tarde, estadunidense, permitindo às nações do hemisfério norte um acúmulo permanente de nossas riquezas em suas mãos. O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar têm sido determinados, sucessivamente, pelo poder exógeno, visando à nossa incorporação dependente à engrenagem do capitalismo global.

No Brasil não foi diferente. O mito da proclamação da independência nacional na qual o imperador Pedro I, de espada em riste, exclama seu brado às margens do riacho Ipiranga, nada mais foi do que transferir diretamente nossa dependência externa de Portugal para as mãos da Inglaterra. Manteve-se o sistema socioeconômico escravista, como também o autoritarismo imperial alicerçadojuridicamentena Constituição outorgada pelo imperador em 1824, ao dissolver a Assembleia Constituinte em 1823, abafando pelas espadas, fuzis e canhões, com derramamento de sangue, a reação pernambucana em 1824 e demais insurreições libertárias que se estenderam até 1848.Portanto, esse é o tripé básico pelo qual vai se desenvolvera“nação independente” – dependência econômica externa / sistema escravista / autoritarismo político – favorecendo os privilégios da classe colonialista nativa – a Casa Grande – e atualizando-os ao longo da história até os dias de hoje por meio de novas arquiteturas políticas.

No sete de setembro de 2021 tivemos mais um momento autoritário ímpar na história do Brasil. Durante dois meses o presidente da República anunciou e preparou um evento de massa com sua bolha de apoiadores, a ocorrer de forma concentrada e escolhida estrategicamente nas cidades de Brasília–DF e São Paulo. Destaque-se o cenário jurídico-político: sobre a cabeça do chefe do Executivo brasileiro pairam 136 pedidos de impeachment engavetados pelo presidente da Câmara Federal, deputado usineiro e pecuarista alagoano Artur Lira (PP-AL). Além disso, seus filhos são objeto de investigação por suspeita de utilizarem esquemas de corrupção financeira com uso de dinheiro público e por atos de produção sistemática de “fakenews” e discursos de ódio contra o sistema democrático brasileiro e autoridades dos Poderes republicanos, tendo sido autorizada pela Justiça a quebra do sigilo bancário e fiscal do seu filho Zero Dois.

Na concentração de Brasília, o presidente afirmou: “Ou o chefe desse Poder (Judiciário) enquadra o seu, ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos”. “Quem age fora dela (da Constituição) se enquadra ou pede para sair”. “O Supremo Tribunal Federal (STF) perdeu as condições mínimas de continuar dentro daquele tribunal”. “Nós todos aqui, sem exceção, somos aqueles que dirão para onde o Brasil deverá ir”. “Todos vocês fizeram um juramento importante: dar a sua vida pela sua liberdade”. “A partir de hoje uma nova história começa a ser escrita aqui no Brasil”. “Esse retrato é o ultimato para todos que estão na Praça dos Três Poderes para onde devemos ir”. “Peço que me ouçam hoje pelas 16h. lá na (Avenida) Paulista”. “Amanhã estarei com o Conselho da República, juntamente com ministros, para nós, juntamente com os presidentes da Câmara, do Senado e Supremo Tribunal Federal, com essa fotografia de vocês, mostrar pra onde nós todos devemos ir”.

Na concentração na Paulista (São Paulo), ele aumentou o tom: “Sai, Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha”. “Decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá”. “Ele (Alexandre de Moraes) tem tempo ainda de cuidar de sua vida. Ele para nós não existe mais”. “Dizer também que não é uma pessoa do Tribunal Superior Eleitoral que vai nos dizer que esse processo (eleitoral eletrônico) é seguro”. “Cada vez mais nós somos conservadores”. “Dizer aos canalhas que nunca serei preso”.

Indaga-se: na cabeça dele, que nova história passaria a ser escrita a partir daquela data? O que ele teria em mente ao anunciar a convocação do Conselho da República? Quais as consequências concretas que ele pretendia impor ao afirmar que o STF havia perdido todas as condições de continuar dentro daquele tribunal? E quando chegar uma possível decisão da Justiça decretando a prisão do seu filho Zero Dois, como ele reagirá, uma vez que para ele “Alexandre de Moraes (a figura constitucional do magistrado e do poder judiciário que Alexandre de Moraes representa) não existe mais”?

A Casa Grande tratou de resolver a questão rapidamente, com o apoio da Mídia corporativa, convocando o conhecido e habilidoso Michel Temer para colocar panos mornos na questão, ao redigir uma Nota Oficial à Nação, assinada pelo presidente, obrigando-o a acovardar-se e recuar de suas ameaças autoritárias manifestas em praça pública. Afinal, ele precisa ser preservado porque continua entregando “leite e mel” prometidos em campanha ao Capital Financeiro e Agrário, seguindo o roteiro do Golpe instalado em 2016. Indaga-se: que tipo de acordo temerário teria sido pactuado nesse movimento dissimulado e midiático?

Além da Nota, houve também manifestações de seus generais apoiadores. Entre eles, o general chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno: “Alguns fatos deixaram muitos de nós desanimados. Isto não pode acontecer. Nosso presidente possui um formidável senso político. Vamos completar mil dias de governo sem nenhum escândalo de corrupção (sic!). Vamos em frente. Unidos e confiantes. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, afirmou no twitter o general.

Já para o chefe do GSI no governo Temer, general Sérgio Etchegoyen, considerado por analistas o Golbery do golpe de 2016, “alguns ministros do STF perderam a noção do papel que têm a desempenhar”. Como é de praxe, os generais são mestres em críticas e torpes quando se tratam de produzir autocrítica. Pela manifestação dos dois generais, o presidente não pensa apenas com a sua inépcia para produzir suas ameaças; há uma corporação que o sustenta estrategicamente.

*Alexandre Aragão de Albuquerque é mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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