As opções de Volodymyr Zelensky

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Por ANDREW KORYBKO*

Para evitar cenário pior que o atual, Zelensky terá de aceitar o acordo colocado por Trump e sacrificar sua carreira política, seu legado previsto aos olhos dos ucranianos e parte da soberania econômica de seu país

Volodymyr Zelensky não tem alternativa viável a não ser aceitar o desequilibrado acordo de recursos de Donald Trump. Com esse acordo Volodymyr Zelensky sacrificaria sua carreira política, seu legado previsto aos olhos dos ucranianos e parte da soberania econômica de seu país, mas evitaria um cenário muito pior do que se rejeitasse o acordo.

Donald Trump alertou no último fim de semana que Volodymyr Zelensky terá “alguns problemas – grandes, grandes problemas” se ele “tentar recuar do acordo de terras raras” em meio a relatos de que a versão mais recente deste acordo é muito desequilibrada. Ele supostamente obriga a Ucrânia a contribuir – com metade de sua receita de todos os projetos de recursos e infraestrutura relacionada – para um fundo de investimento controlado pelos EUA, pagar toda a ajuda dos EUA de 2022 em diante por esses meios e dar aos EUA o direito de primeira oferta em novos projetos e um veto sobre vendas de recursos para outros.

Esses termos mais duros podem ser considerados por Volodymyr Zelensky uma punição por ele ter optado por uma briga infame com Donald Trump e D. J. Vance na Casa Branca no final de fevereiro, mas o pacote inteiro está sendo vendido para a Ucrânia como uma “garantia de segurança” dos EUA. O argumento é que os Estados Unidos não deixarão a Rússia ameaçar esses projetos, que também incluem oleodutos e portos, levando-os, no mínimo, a retomar os níveis de 2023 de ajuda de inteligência militar e talvez até mesmo a escalar diretamente com a Rússia para fazê-la recuar.

A Ucrânia já tem garantias do tipo Artigo 5 dos EUA e de outros grandes países da OTAN pelos pactos bilaterais que fechou com eles durante todo o ano passado, mas esse arranjo proposto dá aos EUA participações tangíveis em dissuadir ou interromper imediatamente as hostilidades. A troca, porém, é que a Ucrânia deve sacrificar parte de sua soberania econômica, o que é politicamente desconfortável, já que Volodymyr Zelensky disse a seus compatriotas que eles estão lutando para preservar sua soberania total.

Se Volodymyr Zelensky concordar com o acordo desequilibrado de recursos de Trump, então sob a ótica de qualquer cessar-fogo, armistício ou tratado de paz se juntaria o reconhecimento global de fato do controle russo sobre o quinto do território ucraniano pré-2014, que Kiev ainda reivindica como seu, para criar a percepção de uma partição assimétrica conjunta.

Não apenas a carreira política de Volodymyr Zelensky poderia terminar se a Ucrânia fosse forçada a realizar eleições verdadeiramente livres e justas, mas seu legado previsto aos olhos dos ucranianos como o principal “lutador pela liberdade” deste século também seria destruído.

Ele não tem nenhuma alternativa viável, já que ir pelas costas de Donald Trump para chegar a um acordo comparativamente melhor com os britânicos e/ou europeus não resultaria nas “garantias de segurança” que ele se convenceu de que a Ucrânia precisa para chegar a um acordo com a Rússia. Ninguém além dos EUA tem qualquer chance de enfrentar militarmente a Rússia, muito menos vontade política, e sem mencionar apenas seus investimentos em um terceiro país devastado pela guerra, cuja riqueza de recursos é supostamente questionável.

Se Volodymyr Zelensky continuar enrolando, então Donald Trump pode suspender temporariamente a ajuda militar e de inteligência à Ucrânia como alavanca, enquanto acrescenta termos ainda mais punitivos como vingança. O conflito com a Rússia também continuaria naturalmente, tornando impossível para a Ucrânia desenvolver sua indústria de recursos e infraestrutura relacionada, mesmo que chegasse a algum outro acordo. Quanto mais tempo o conflito durar, maior a probabilidade de a Rússia destruir mais desses mesmos ativos também.

Mas se Volodymyr Zelensky aceitar o último acordo oferecido, então ele obteria as “garantias de segurança” que está procurando, tornando-o mais propenso a aceitar um cessar-fogo e, então, possivelmente levando Donald Trump a pressionar mais Vladimir Putin a seguir o exemplo, como impor sanções secundárias rigorosas a clientes russos de petróleo. Volodymyr Zelensky sacrificaria sua carreira política, seu legado previsto aos olhos dos ucranianos e parte da soberania econômica de seu país, mas evitaria um cenário muito pior do que se rejeitasse este acordo.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]

Tradução: Artur Scavone.


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