Por José Dirceu*
A gravidade da situação política do país está escancarada. Só não vê quem não quer. Estamos, novamente, sob a ameaça de uma ditadura militar
A
militarização do governo Bolsonaro com as últimas indicações para a Casa Civil
e a Secretaria de Assuntos Estratégicos tem raízes em nossa história recente e
no passado.
O
general Braga Netto era chefe do Estado-Maior do Exército, o mesmo que no
julgamento do habeas corpus de Lula publicou uma foto da reunião de emergência
convocada pelo comandante do Exército Eduardo Villas Bôas para, numa aberta e
flagrante violação da Constituição, ordenar – isso mesmo – ao STF que não
ousasse conceder Habeas Corpus a Lula. Villas Bôas fez a mesma ameaça via
Twitter, o que teria levado à sua prisão imediata em qualquer democracia.
Ali
se restabeleceu a tutela militar sobre o poder civil, que estava adormecida no
artigo da Constituição Federal que trata das Forças Armadas como garantidora da
Lei e da Ordem, a famosa GLO, uma espada de Dâmocles sobre nossa democracia.
Não
é de hoje que os militares são uma força política no Brasil. Fizeram a
República; se levantaram logo contra ela na Revolta da Armada; na década de
1920 os tenentes se levantaram várias vezes em rebeliões e insurreições nos
quartéis, com dezenas de mortos e feridos, até o triunfo da revolução de 1930,
na qual os militares e os tenentes foram a força principal.
Getúlio
Vargas governou até 1934, quando, após derrotar a revolta paulista separatista
disfarçada de defesa de uma Constituinte, o país ganhou uma Constituição,
rasgada em 1937 pelo Estado-Maior do Exército e Getúlio. Foi substituída pela
famosa Polaca, redigida por Francisco Campos, sob o comando do general Góis
Monteiro, o chefe do Exército, cópia da Constituição imposta na Polônia pelo
ditador Pilziuskque.
O
Estado Novo durou até a deposição de Getúlio, em 1945. O presidente eleito, em
1946, Eurico Gaspar Dutra, ex-chefe do Exército, fez um governo reacionário,
religioso, pró-Estados Unidos, repressivo aos trabalhadores e à esquerda.
Inconformados
com a volta de Getúlio, eleito em 1950, e do seu PTB, partes importantes do
Exército e da Marinha e Aeronáutica iniciam uma série de tentativas de golpes
de Estado, ou o não reconhecimento dos resultados eleitorais, com a tese da
maioria absoluta. Organizam-se, em 1955, para impedir a posse de JK (Juscelino
Kubitschek), com dois levantamentos militares, Jacareacanga e Aragarças. JK debela
as tentativas de intervenção, mas lhes concede anistia. Depois da renúncia de
Jânio, dão um golpe, paralisado pela resistência de Leonel Brizola e a divisão
do Exército, como em 1955, quando o marechal Henrique Teixeira Lott por meio de
um contragolpe assegurou a posse de JK.
Hoje,
1964 é história, mas durou até 1985.
Os
militares sempre foram uma força política a serviço das elites conservadoras e
pró-Estados Unidos, sem contar a vergonhosa divisão antes da 2ª Guerra entre
germanistas – fascistas, lógico – e pró-aliados. Em 1964, o Brasil se alinhou totalmente
aos Estados Unidos, mandando até tropas para a invasão imperialista da
República Dominicana para sufocar uma rebelião popular democrática, sempre
apoiando as elites agrárias e de direita sob o manto da luta contra o
comunismo.
A
Constituição de 1988 poderia ter posto um fim nisso, mas não o fez, conciliou
com as Forças Armadas e o resultado agora nos assombra. Eles estão de volta com
Bolsonaro, hibernaram 30 anos nas escolas militares e na não submissão do poder
militar ao civil. Apesar do comando civil do Ministério da Defesa, ao qual estão
subordinados os ministérios militares, nunca o poder civil decidiu a política
militar no Brasil e jamais eles, os militares, aceitaram o presidente da
República como comandante em chefe das Forças Armadas.
Controlam
o orçamento, as promoções, as prioridades da defesa nacional e de sua
indústria, seus planos de armamento. E com a nova reforma da Previdência deles
mesmos, votada apenas nas comissões do Congresso, se tornaram uma casta.
A
gravidade da situação política do país está escancarada. Só não vê quem não
quer. Estamos, novamente, sob a ameaça de uma ditadura militar, e fatos como a
execução, comandada por Ronnie Lessa, da vereadora Marielle Franco e, agora, no
outro polo, a queima de arquivo com a execução do outro suspeito de
envolvimento no assassinato, chefe dos milicianos, Adriano da Nóbrega, ambos
com ligações mais do que provadas com a família do presidente, só comprovam a
que ponto chegamos.
Não se trata mais do risco do autoritarismo, mas da face oculta de todas as ditaduras, a violência acobertada pelo Estado ou por ele promovida. As impressões digitais são a prova que vivemos de novo às portas de uma nova ditadura. Aos poucos, vamos nos dando conta como nos custará caro ter anistiado os crimes da ditadura.
*José Dirceu foi chefe da Casa Civil no governo Lula.
Publicado originalmente no site Metrópoles
