Borba Gato vive!

John Sloan (1871–1951), Cinza e Latão, óleo sobre tela, 55,9 × 68,6 cm, 1907.
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por DANIEL BRAZIL*

Borba Gato é o ídolo oculto de pastores fundamentalistas, dos latifundiários, das elites que acham conveniente elogiar capangas e capachos cumpridores de seu dever

Borba Gato, símbolo paulista mais que quatrocentão, bandeirante de vasta folha corrida, foi um dos primeiros genocidas de nossa história. Além de matar centenas de brasileiros originários, estuprava jovens e crianças indígenas, conforme registros. Serviu aos interesses colonialistas com denodo até se envolver numa treta com o ourives real, Rodrigo de Castelo Branco, que foi encontrado morto numa pirambeira. Borba Gato passou anos escondido no mato, depois desse evento.

Brasil, século XXI. Aldeias indígenas são queimadas de forma criminosa, e um representante da Funai é pego numa gravação dizendo que tem que “mandar bala” nos povos isolados. Favelas encravadas na cidade, em regiões de alto interesse imobiliário, são incendiadas de forma “misteriosa”. Mendigos são queimados com gasolina em via pública. Terreiros de umbanda e candomblé são carbonizados por mãos supostamente cristãs, brancas e defensoras de valores evangélicos. Florestas, campos e cerrados são destruídos por incêndios criminosos, para que novos bandeirantes ocupem aqueles territórios.

Borba Gato está vivo. No espírito do dirigente da Funai, no discurso do Ministro do Meio Ambiente, do Presidente da República, dos dirigentes da Fiesp. Borba Gato é o ídolo oculto de pastores fundamentalistas, dos latifundiários, das elites que acham conveniente elogiar capangas e capachos cumpridores de seu dever.

Incendiar uma estátua de Borba Gato não vai reparar nenhum crime que ele cometeu. Não vai restituir a vida dos milhares de brasileiros que morreram queimados em aldeias, favelas, pontos de ônibus e florestas desde 1718, ano da morte do facínora. Mas certamente vai indignar todos aqueles que se beneficiaram, mesmo sem saber, de sua atuação premonitória e seminal.

Não importa se era uma estátua horrorosa, um bonecão de pastilha, uma homenagem ingênua de Julio Guerra aos bonecos de barro nordestinos, ou um símbolo do bairro de Santo Amaro, erigido em 1963. Não importa o irrelevante valor histórico da obra, que materializa o discurso estético de certa elite paulista decadente.

O que importa é que o espírito de Borba Gato continua vivo. Infelizmente.

*Daniel Brazil é escritor, autor do romance Terno de Reis (Penalux), roteirista e diretor de TV, crítico musical e literário.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Julian Rodrigues Denilson Cordeiro Elias Jabbour João Carlos Salles Atilio A. Boron Alysson Leandro Mascaro Mário Maestri Chico Whitaker Paulo Capel Narvai José Raimundo Trindade Flávio R. Kothe Marcelo Guimarães Lima Eliziário Andrade Leda Maria Paulani Daniel Afonso da Silva Jorge Branco Caio Bugiato Luiz Bernardo Pericás Eduardo Borges Otaviano Helene José Dirceu Daniel Brazil Marcos Aurélio da Silva Ricardo Musse Leonardo Boff Salem Nasser Valerio Arcary Slavoj Žižek Maria Rita Kehl João Paulo Ayub Fonseca Gilberto Maringoni Priscila Figueiredo André Márcio Neves Soares Thomas Piketty Lincoln Secco Francisco de Oliveira Barros Júnior Ari Marcelo Solon Alexandre de Freitas Barbosa Antonio Martins Paulo Fernandes Silveira Manchetômetro Everaldo de Oliveira Andrade Berenice Bento Osvaldo Coggiola Paulo Martins Antonino Infranca Plínio de Arruda Sampaio Jr. Lucas Fiaschetti Estevez João Sette Whitaker Ferreira João Feres Júnior Jean Pierre Chauvin Eleutério F. S. Prado José Luís Fiori Annateresa Fabris Vladimir Safatle Henry Burnett Michael Löwy Walnice Nogueira Galvão Armando Boito Kátia Gerab Baggio Sandra Bitencourt João Lanari Bo Igor Felippe Santos Leonardo Sacramento Luiz Eduardo Soares Luciano Nascimento Gerson Almeida Celso Favaretto Marjorie C. Marona Afrânio Catani Daniel Costa Sergio Amadeu da Silveira Eugênio Bucci Andrew Korybko Alexandre Aragão de Albuquerque José Geraldo Couto José Machado Moita Neto Luiz Roberto Alves Flávio Aguiar Lorenzo Vitral Yuri Martins-Fontes Luís Fernando Vitagliano Marcelo Módolo Marcos Silva Tarso Genro Ladislau Dowbor Érico Andrade Gilberto Lopes Rubens Pinto Lyra Tales Ab'Sáber Celso Frederico Tadeu Valadares Renato Dagnino Vinício Carrilho Martinez Eugênio Trivinho Gabriel Cohn Marilia Pacheco Fiorillo Rodrigo de Faria Carlos Tautz Dennis Oliveira Paulo Sérgio Pinheiro José Costa Júnior Boaventura de Sousa Santos Chico Alencar Ronald León Núñez Vanderlei Tenório Rafael R. Ioris Samuel Kilsztajn Matheus Silveira de Souza João Carlos Loebens Fernão Pessoa Ramos Luiz Marques Michael Roberts Carla Teixeira Heraldo Campos Marilena Chauí Dênis de Moraes Luiz Renato Martins Manuel Domingos Neto Claudio Katz Ricardo Abramovay Bernardo Ricupero Remy José Fontana Ricardo Fabbrini Marcus Ianoni Andrés del Río Alexandre de Lima Castro Tranjan Jorge Luiz Souto Maior Milton Pinheiro Ronald Rocha Paulo Nogueira Batista Jr Henri Acselrad Michel Goulart da Silva Benicio Viero Schmidt Bruno Fabricio Alcebino da Silva Airton Paschoa Luiz Carlos Bresser-Pereira Liszt Vieira Fernando Nogueira da Costa Francisco Pereira de Farias Juarez Guimarães José Micaelson Lacerda Morais Jean Marc Von Der Weid Ricardo Antunes Bruno Machado Luis Felipe Miguel Francisco Fernandes Ladeira André Singer Eleonora Albano Leonardo Avritzer Luiz Werneck Vianna Antônio Sales Rios Neto João Adolfo Hansen Fábio Konder Comparato Valerio Arcary Mariarosaria Fabris Ronaldo Tadeu de Souza Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Anselm Jappe Bento Prado Jr.

NOVAS PUBLICAÇÕES