Capital e trabalho nos países nórdicos

Imagem: Susanne Jutzeler
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Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR*

O combate à precarização do trabalho é um desafio importante para os países nórdicos, que visa garantir um mercado de trabalho justo e igualitário para todos

1.

A Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia parecem resistir às intempéries da exaustão do capitalismo contemporâneo. Muito embora, tenham trabalhadores do precariado, guardam muito do Estado de bem-estar-social. As semelhanças residem nesta cultura das relações capital-Estado-trabalho.

Nesses países nórdicos o acesso a serviços públicos de qualidade é universal e assegura assistência à saúde, educação e assistência social. A esfera do trabalho também é um ponto a ser destacado. Mercado regulado, sindicatos poderosos que, por meio do diálogo entre estado, capital e trabalho definem as políticas.

No cerne do pilar social está a parceria tripartite entre o Estado, trabalhadores e sindicatos que incentiva o diálogo social e a busca por soluções consensuais. Além disso, uma cultura de igualdade e confiança permeia as relações capital-trabalho, incentivando a responsabilidade social das empresas e o bem-estar dos trabalhadores.

As semelhanças se põem no que se pode ler anteriormente, concluindo que os acordos coletivos são sempre garantidos e respeitados. Há, contudo, diferenças notáveis. A posição do Estado é diferente em cada país. A Suécia parece favorecer uma intervenção mais ativa, já a Dinamarca e a Noruega adotam uma abordagem mais facilitadora.

O poder dos sindicatos também difere. Suécia e Finlândia apostam em maiores taxas de sindicalização. As negociações coletivas variam no grau de centralização e descentralização. O objetivo consiste em as políticas públicas refletirem as prioridades nacionais específicas, como a ênfase da Suécia na igualdade de gênero, a flexibilidade do mercado de trabalho dinâmico, a gestão de recursos naturais da Noruega e a importância crescente da Finlândia na inovação.

Frequentemente, essas políticas nacionais nórdicas em relação ao capital e ao trabalho assumem a forma de um acordo (decisão conjunta) entre o capital, o Estado e o trabalho. Assim, pode-se dizer que as relações entre capital e trabalho nesses países nórdicos estão mais ligadas a uma versão sociológica tripartite de parceria social, em que o estado, o capital e o trabalho desempenham um papel significativo na tomada de decisões e nas ações políticas. Este modelo é a base para grande parte da justificativa para políticas progressivas que visam criar igualdade e um mercado de trabalho forte.

2.

Existem, no entanto, profundas divergências nessa ligação entre os seus países, refletindo as particularidades políticas, históricas e culturais de cada um. A ideia de um precariado nórdico é multifacetada, com diferenças que importam em cada um dos contextos nacionais. Apesar da reputação desses países por terem estados de bem-estar social bem estabelecidos e mercados de trabalho regulados, é inegável que existe uma classe social marcada pela insegurança no emprego, instabilidade, poucos direitos e instabilidade na vida. Ou seja, é reconhecido que há uma classe social que convive com a insegurança no emprego, poucos direitos e instabilidade na vida.

Na Suécia o precariado se realiza em razão da fragmentação do mercado de trabalho. Há setores cujos empregos têm direitos sociais e são bem remunerados. Por outro lado, se pode observar o contrário: muitos trabalhadores são temporários. Os imigrantes e os jovens compõem a maior parte do precariado sueco. Destaca-se, portanto, que apesar da herança do estado de bem-estar social, os trabalhadores suecos têm enfrentado cada vez mais as filas do precariado.

Na Dinamarca, a flexibilidade do mercado de trabalho, embora possa facilitar a entrada de trabalhadores, também pode levar à precarização, com contratos temporários e pouca segurança no emprego. Trabalhadores de baixa qualificação são mais vulneráveis ​​a essa situação, com dificuldades para encontrar empregos úteis e bem remunerados. A crise de habitação na Dinamarca, especialmente em Copenhaga, afeta os trabalhadores precários, que têm dificuldades para encontrar moradias acessíveis.

Na Noruega, o setor de serviços onde trabalham muitos jovens e imigrantes, é caracterizado por baixas e condições de trabalho precárias. O trabalho temporário é comum, especialmente em setores como turismo e pesca, o que pode levar à precarização e à insegurança no emprego. Os altos custos de vida na Noruega, especialmente em Oslo, tornam difícil para muitos trabalhadores precários viver com um salário baixo.

Na Finlândia, o desemprego de longa duração é um problema que pode levar à precarização e à exclusão social. Jovens desempregados são um grupo vulnerável, com dificuldades para encontrar o primeiro emprego e iniciar uma carreira. As regiões menos dirigidas da Finlândia enfrentam problemas de precarização e falta de oportunidades de emprego.

Apesar das particularidades de cada país, alguns desafios são comuns a todos eles. A insegurança no trabalho é um problema generalizado, com muitos trabalhadores enfrentando contratos temporários, parciais e com poucos direitos. Os baixos salários são uma realidade para muitos trabalhadores precários, especialmente em setores como serviços, turismo e alimentação. A precarização do trabalho pode levar à exclusão social, com trabalhadores enfrentando dificuldades para participar da vida social e cultural.

3.

O combate à precarização do trabalho é um desafio importante para os países nórdicos, que visa garantir um mercado de trabalho justo e igualitário para todos. As medidas a serem tomadas incluem o fortalecimento dos direitos dos trabalhadores, a promoção da igualdade de oportunidades, o combate à discriminação no mercado de trabalho e a regulação do mercado de trabalho para garantir que os trabalhadores não sejam explorados.

O aumento do precariado colocará em xeque o poder dos sindicatos, quebrando a relação tripartite. Conforme bem sabemos, os sindicatos jogam um peso grande nos momentos de negociação de acordos coletivos e na defesa dos direitos dos trabalhadores. Com a redução da taxa de sindicalizados, os sindicatos podem ter dificuldades para combater a precarização e garantir melhores condições de trabalho para todos.

Os algoritmos contestam literalmente não apenas a representação política, mas também a estrutura de produção bovina; o capital fictício está adicionando uma nova dimensão de complexidade à constante luta para combater a crise habitacional (enquanto também armazena valor) e a contestação do espaço público dentro do modelo nórdico.

O modelo nórdico atribui relevância na proteção dos trabalhadores, o que pode estar em desacordo com a perda de direitos e instabilidades ou a precariedade do trabalho, muitas vezes experimentada como norma agora na economia de plataforma, mediada por algoritmos.

A concentração de poder e riqueza nas mãos de empresas de tecnologia, impulsionada por algoritmos, aumenta a desigualdade social e econômica, desafiando a busca por uma distribuição mais igualitária de renda. O aumento do capital fictício, alimentado pela especulação algorítmica, pode gerar bolhas financeiras e crises econômicas, com impactos negativos para o mercado de trabalho e o bem-estar social, representando um risco para a estabilidade econômica almejada pelo modelo nórdico.

A crise de 2008 revelou o esgotamento do capitalismo e, assim, atribuiu aos regimes mundiais esse desafio, de modo que o modelo nórdico deve se adaptar a esses problemas. Investimentos em educação e requalificação são cruciais para permitir que os trabalhadores atendam às demandas revisadas do mercado de trabalho. É necessário para todos os trabalhadores regular a economia gig e o trabalho temporário para garantir que tenham alguns direitos trabalhistas básicos.

Capital digital e a tributação de corporações tecnológicas são necessários para financiar o estado de bem-estar social. É necessário fortalecer a parceria social tripartite com o objetivo de encontrar consensualmente maneiras de resolver os desafios do mercado de trabalho digital.

Estas breves notas sobre esses países nórdicos mostram que o precariado é uma fração de classe, por esta razão parece furar o legado do Estado de bem-estar social. Os algoritmos, além de atingir de chofre estes Estados, são fatores fundantes da vulnerabilidade do Capitalismo, eles contribuem para explodir o capital fictício na forma de ações, títulos, derivativos que jogam os lucros para o futuro e impõe a produção de valor no presente que cai nas costas do trabalhador. O precariado tem uma fonte inesgotável para tornar-se estrutural e em crescimento. Se nesses países nórdicos está assim, o restante do mundo não está melhor.

*João dos Reis Silva Júnior é professor titular do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Autor, entre outros livros, de Educação, sociedade de classes e reformas universitárias (Autores Associados) [https://amzn.to/4fLXTKP]


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