Censura e intimidação

"Bandeiras", obra de Marília Scarabello / Sylvia Werneck/ Divulgação
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram
image_pdfimage_print

Por MARCELO GUIMARÃES LIMA*

Deputados bolsonaristas pressionam e conseguem censurar evento de arte patrocinado pela Caixa Econômica Federal

O portal Brasil 247 (23 de julho de 2024) informa sobre um caso escandaloso de censura envolvendo deputados bolsonaristas (quem diria, não é, estes amantes da liberdade?) e uma exposição de arte com patrocínio da Caixa Econômica Federal. A censura, aparentemente, está firme e forte no país da “democracia consolidada”, o país do “golpe de estado evitado”, da justiça “independente e vigorosa”… etc. e tal. Aliás, quem precisa de golpe de Estado quando pode simplesmente, desde o interior das instituições da “democracia democrática”, impor sua particular visão de mundo e interesses de várias espécies ao conjunto do país?

A censura e a intimidação fazem parte essencial da estratégia da extrema direita que conta com aliados seguros nos seus postos, consolidados nas ditas instituições da democracia “dos mais iguais que os outros” (como dizia, em outros tempos e outras circunstâncias não totalmente dessemelhantes, o saudoso George Orwell), representantes do poder público que dirigem a vida nacional, enquadram nosso cotidiano, dirigem nossas atividades, determinam o que podemos e o que não podemos pensar e expressar.

Por conta da pressão dos representantes da extrema direita, a Caixa Econômica Federal não apenas retirou patrocínio, mas pretende punir os responsáveis pela mostra, segundo consta na reportagem do Brasil 247.

A obra “ofensiva” à honra de políticos da direita é da artista plástica Marília Scarabello, obra exposta na Caixa Cultural de Brasília na mostra “O Grito!”, exposição cancelada pelos experientes “críticos de arte” e especialistas da “cultura estética” nacional: os membros da bancada bolsonarista, do TCU e da própria Caixa Econômica Federal.

Eu cá com meus botões acho que a obra em questão meramente representa de modo sintético e comedidamente o que metade da nação acha dos personagens retratados. Numa democracia de verdade, seria simplesmente ridículo pretender que figuras públicas fossem consideradas vestais ou vacas sagradas e, portanto, imunes à critica pública de suas atividades e posicionamentos públicos.

Tentativas de intimidação e censura, estas sim deveriam ser punida rigorosamente pela lei. Mas a lei… ora a lei, diria, por exemplo, o cético romancista Machado de Assis e depois dele o observador igualmente cético da vida nacional, Lima Barreto, a lei parece que, no país do escrivão Isaías Caminha, serve a determinados interesses e personagens específicos e não a outros mais gerais.

A censura e a punição à artista e aos organizadores da mostra atingem a todos nós: é a cultura, as artes, os artistas e o público que são punidos por agentes públicos que tomam partido quando deveriam zelar pelas garantias legais do livre exercício do pensamento e da crítica. Triste Bahia, já cantava o bardo Gregório de Matos em priscas eras quando o Brasil era (?) ainda colônia sob o jugo do poder distante da metrópole portuguesa. Outros céticos diriam a propósito que no Brasil, de modo original, o passado nunca passa.

Enquanto isso, no país de Macunaíma, aguardamos que o rigor da lei se exerça, como reiteradamente anunciado e, aparentemente, adiado, sobre os mandantes e financiadores da micareta golpista de 8 de janeiro em Brasília. Por questões evidentes e por vasta experiência passada, aguardamos confortavelmente sentados.

*Marcelo Guimarães Lima é artista plástico, pesquisador, escritor e professor.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Distopia como instrumento de contenção
Por GUSTAVO GABRIEL GARCIA: A indústria cultural utiliza narrativas distópicas para promover o medo e a paralisia crítica, sugerindo que é melhor manter o status quo do que arriscar mudanças. Assim, apesar da opressão global, ainda não emergiu um movimento de contestação ao modelo de gestão da vida baseado do capital
Aura e estética da guerra em Walter Benjamin
Por FERNÃO PESSOA RAMOS: A "estética da guerra" em Benjamin não é apenas um diagnóstico sombrio do fascismo, mas um espelho inquietante de nossa própria era, onde a reprodutibilidade técnica da violência se normaliza em fluxos digitais. Se a aura outrora emanava a distância do sagrado, hoje ela se esvai na instantaneidade do espetáculo bélico, onde a contemplação da destruição se confunde com o consumo
Na próxima vez em que encontrar um poeta
Por URARIANO MOTA: Na próxima vez em que encontrar um poeta, lembre-se: ele não é um monumento, mas um incêndio. Suas chamas não iluminam salões — consomem-se no ar, deixando apenas o cheiro de enxofre e mel. E quando ele se for, você sentirá falta até de suas cinzas
O prêmio Machado de Assis 2025
Por DANIEL AFONSO DA SILVA: Diplomata, professor, historiador, intérprete e construtor do Brasil, polímata, homem de Letras, escritor. Como não se sabe quem vem à frente. Rubens, Ricupero ou Rubens Ricupero
A redução sociológica
Por BRUNO GALVÃO: Comentário sobre o livro de Alberto Guerreiro Ramos
Conferência sobre James Joyce
Por JORGE LUIS BORGES: A genialidade irlandesa na cultura ocidental não deriva de pureza racial celta, mas de uma condição paradoxal: lidar esplendidamente com uma tradição à qual não devem fidelidade especial. Joyce encarna essa revolução literária ao transformar um dia comum de Leopold Bloom numa odisseia infinita
Os véus de Maya
Por OTÁVIO A. FILHO: Entre Platão e as fake news, a verdade se esconde sob véus tecidos por séculos. Maya – palavra hindu que fala das ilusões – nos ensina: a ilusão é parte do jogo, e desconfiar é o primeiro passo para enxergar além das sombras que chamamos de realidade
Economia da felicidade versus economia do bom viver
Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: Diante do fetichismo das métricas globais, o “buen vivir” propõe um pluriverso de saberes. Se a felicidade ocidental cabe em planilhas, a vida em plenitude exige ruptura epistêmica — e a natureza como sujeito, não como recurso
Síndrome da apatia
Por JOÃO LANARI BO: Comentário sobre o filme dirigido por Alexandros Avranas, em exibição nos cinemas.
Mulheres matemáticas no Brasil
Por CHRISTINA BRECH & MANUELA DA SILVA SOUZA: Revisitar as lutas, contribuições e avanços promovidos por mulheres na Matemática no Brasil ao longo dos últimos 10 anos nos dá uma compreensão do quão longa e desafiadora é a nossa jornada na direção de uma comunidade matemática verdadeiramente justa
Não existe alternativa?
Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Austeridade, política e ideologia do novo arcabouço fiscal
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES