Desigualdade na renda, moradia e instrução

Imagem: Jan van der Wolf
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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Mulheres, pessoas pretas ou pardas, jovens e moradores de áreas rurais enfrentam maiores dificuldades em relação a trabalho, renda, educação e saúde

A Síntese de Indicadores Sociais de 2024, publicada pelo IBGE, apresenta uma análise abrangente das condições de vida da população brasileira, com foco nas desigualdades sociais, embora sejam insuperáveis no capitalismo com Estado de direito. Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, têm um papel importante na redução da pobreza – não da desigualdade de renda e da riqueza.

As desigualdades sociais se manifestam em todas as áreas analisadas, mas mulheres, pessoas pretas ou pardas, jovens e moradores de áreas rurais enfrentam maiores dificuldades em relação a trabalho, renda, educação e saúde.

A Síntese de Indicadores Sociais de 2024 analisa a distribuição de renda no Brasil entre 2012 e 2023. Ressalta a influência da dinâmica do mercado de trabalho e dos programas de transferência de renda sobre os rendimentos, a desigualdade e a pobreza monetária.

O período analisado foi marcado por oscilações econômicas, incluindo a crise de 2015-2016 e a pandemia de COVID-19 em 2020. Essas crises afetaram o mercado de trabalho, com queda na renda agregada e destruição de postos de trabalho. A partir de 2022, houve uma recuperação do mercado de trabalho, com crescimento do PIB e redução das taxas de desocupação e subutilização.

Em 2023, o rendimento médio real habitual da população ocupada aumentou 7,1%, indicando uma recuperação do mercado de trabalho. Todas as atividades econômicas apresentaram crescimento no rendimento médio, com destaque para Alojamento e Alimentação, Outros Serviços e Comércio e Reparação.

No entanto, a estrutura do mercado de trabalho brasileiro é desigual. O rendimento médio varia muito entre diferentes setores, com Serviços Domésticos apresentando os menores rendimentos e informação, atividades financeiras e outras atividades profissionais, juntamente com administração pública, educação, saúde e serviços sociais, registrando os maiores valores.

A população preta ou parda recebe rendimentos médios inferiores aos da população branca. Essa disparidade se mantém ao longo dos anos, independentemente do nível de instrução ou do número de horas trabalhadas. Em 2023, a população ocupada de cor branca ganhava, em média, 69,9% a mais diante a de cor preta ou parda.

A ampliação dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, no período pós-pandemia, resultou em um aumento da participação dos benefícios sociais na composição da renda dos domicílios, especialmente entre aqueles com menores rendimentos. Em 2023, os benefícios de programas sociais representavam 57,1% da renda dos domicílios com rendimento domiciliar per capita de até ¼ de salário mínimo, em contraste com 23,5% em 2012.

A análise da pobreza monetária, utilizando a linha de pobreza do Banco Mundial de US$ 6,85 por dia (PPC 2017), revela: mais de 58,9 milhões de pessoas no Brasil estavam em situação de pobreza em 2023. A extrema pobreza, medida pela linha de US$ 2,15 por dia, atingia 9,5 milhões de pessoas. A pobreza e a extrema pobreza são mais prevalentes nas áreas rurais e entre certos grupos populacionais, como crianças e pessoas com menor nível de instrução.

A redução da pobreza e da extrema pobreza, em 2023, foi impulsionada pelo aumento dos valores dos benefícios do Bolsa Família e pelo dinamismo do mercado de trabalho. Sem os programas de transferência de renda, a extrema pobreza teria aumentado em 2023.

No entanto, a desigualdade de renda – e, pior ainda, a da riqueza – persiste como um problema estrutural insuperável. É evidenciada pela disparidade nos rendimentos médios entre diferentes grupos populacionais e setores da economia.

A Síntese de Indicadores Sociais de 2024 examina a relação entre as condições de moradia e a pobreza monetária no Brasil. Demonstra como aspectos como a estrutura física dos domicílios, a segurança da posse e o acesso a serviços básicos impactam a riqueza familiar e contribuem para a estratificação social.

Apesar da maioria (70%) da população brasileira residir em domicílios próprios, a segurança da posse varia muito entre diferentes grupos socioeconômicos. Ainformalidade da propriedade é mais frequente entre a população em situação de pobreza, com 19,6% das pessoas com rendimentos abaixo da linha de extrema pobreza residindo em domicílios próprios sem documentação, em contraste com 9% no conjunto da população. Essa informalidade limita o acesso a crédito e investimentos, impactando a capacidade de acumulação de riqueza das famílias.

O ônus excessivo com aluguel, definido como o aluguel mensal igual ou superior a 30% do rendimento domiciliar, também afeta desproporcionalmente a população em situação de pobreza. Em 2023, 11,2% da população em extrema pobreza enfrentava essa situação. Comprometia a renda disponível para outras necessidades básicas e investimentos e perpetuava o ciclo de pobreza.

As condições precárias da estrutura física dos domicílios também impactam a qualidade de vida e as oportunidades das famílias. A proporção de pessoas residindo em domicílios com paredes externas construídas com materiais não duráveis é maior entre a população em situação de pobreza, chegando a 2,6% na população em extrema pobreza.

Além disso, a inadequação domiciliar, como o número elevado de moradores por dormitório, é mais prevalente entre os mais pobres. Impacta a privacidade, o conforto e o desenvolvimento das famílias.

A falta de acesso a serviços básicos, como saneamento, água tratada e coleta de lixo, agrava as condições de vida da população em situação de pobreza e contribui para a estratificação social. Em 2023, a proporção de pessoas residindo em domicílios com esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial era bem menor entre a população em extrema pobreza (48,4%) em comparação com a população em geral (67,9%). A falta de saneamento básico aumenta a vulnerabilidade a doenças, afetando a saúde, a produtividade e a qualidade de vida das famílias.

A presença de bens duráveis nos domicílios, como máquina de lavar roupa e acesso à internet, também reflete as disparidades socioeconômicas e as oportunidades de diferentes grupos. Por exemplo, 51,4% das pessoas moravam em moradias com automóveis, mas dentre as na faixa de mais de 80% de rendimento domiciliar per capita eram 82,8%, na faixa até 20% eram 21,7%. A população em situação de pobreza possui menor acesso a esses bens e isso limita as oportunidades de educação, trabalho e lazer.

A SIS 2024 examina a distribuição da população brasileira por níveis de escolaridade. Essa desigualdade se relaciona com os níveis de rendimentos, evidenciando a forte correlação entre escolaridade e renda no Brasil.

O nível de instrução alcançado pela população adulta no Brasil é um reflexo do investimento em educação realizado em décadas anteriores. Em 2023, 45,6% das pessoas com 25 anos ou mais não haviam concluído a educação básica obrigatória (Ensino Médio), sendo 33,1% sem Ensino Fundamental completo e 12,5% sem Ensino Médio completo. Essa baixa escolaridade impacta diretamente as oportunidades de emprego e renda dessa parcela da população.

O estudo destaca a disparidade entre o Brasil e os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em relação à conclusão da Educação Básica. Em 2023, a proporção de brasileiros de 25 a 64 anos sem Ensino Médio completo (40,1%) era acima do dobro da média dos países da OCDE (19,8%) em 2022. Essa diferença coloca o Brasil em desvantagem em termos de capital humano e desenvolvimento econômico.

A escolaridade é um fator determinante para a inserção no mercado de trabalho e para a obtenção de melhores rendimentos. A pesquisa analisa o nível de ocupação da população por nível de instrução. Quanto maior a escolaridade, maior a probabilidade de estar empregado e de receber melhores salários.

Em 2023, o nível de ocupação das mulheres com Ensino Superior Completo era três vezes maior diante o das mulheres sem instrução ou com Ensino Fundamental incompleto. Essa diferença ressalta a importância da educação para a autonomia econômica das mulheres, especialmente em um contexto de desigualdade de gênero no mercado de trabalho.

A pesquisa examina os rendimentos médios da população ocupada por nível de instrução, confirmando a relação positiva entre escolaridade e renda. Em 2023, a população ocupada de cor branca com Ensino Superior completo recebia, em média, R$ 40,24 por hora trabalhada, enquanto a população preta ou parda com a mesma escolaridade recebia R$ 28,11. Essa disparidade evidencia a persistência da desigualdade racial no mercado de trabalho brasileiro, mesmo entre aqueles com maior nível de instrução.

A Síntese de Indicadores Sociais de 2024 analisa as desigualdades regionais e sociais na escolaridade. As taxas de analfabetismo variam bastante entre as regiões do país, sendo a Região Nordeste a com a maior taxa (11,2% em 2023), o dobro da média nacional. Essa disparidade regional reflete as desigualdades históricas no acesso à educação e nas oportunidades de desenvolvimento socioeconômico.

A pesquisa evidencia a forte correlação entre escolaridade e renda. A maior escolaridade está associada a maiores chances de emprego, melhores salários e maior qualidade de vida.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb]


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