Dnipropetrovsk – o dilema da Ucrânia

Imagem: Anastasia Borozdina

Por ANDREW KORYBKO*

A entrada das forças russas em Dnipropetrovsk marca um ponto de inflexão irreversível no conflito ucraniano. A estratégia de contorno de Putin transformou a batalha por Pokrovsk numa armadilha geopolítica que pode precipitar o colapso das linhas de frente ucranianas

O Ministério da Defesa russo anunciou no domingo que suas forças entraram na região de Dnipropetrovsk, na Ucrânia, fato confirmado pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmando que a ação é parte do plano de Vladimir Putin para a zona-tampão.

Isso foi previsto já no final de agosto, após o início da Batalha de Pokrovsk, mas foi alcançado mesmo sem a captura daquela cidade-fortaleza estratégica. As forças russas simplesmente a contornaram após romper a frente sul de Donbass. Esse desenvolvimento coloca a Ucrânia em um dilema.

Agora a Ucrânia terá que fortalecer simultaneamente a frente de Dnipropetrovsk, juntamente com as do sul de Kharkov e do norte de Zaporozhye, caso a Rússia use sua nova posição para lançar ofensivas em qualquer uma dessas três. Isso pode colocar sérias dificuldades para as Forças Armadas Ucranianas, que já lutam para impedir um grande avanço na região de Sumy a partir de Kursk. Somado à escassez de efetivos e às dúvidas sobre a continuidade da ajuda militar e de inteligência dos EUA, isso pode ser suficiente para o colapso das linhas de frente.

É verdade que esse cenário já foi cogitado muitas vezes nos últimos 1.200 dias, mas hoje parece tentadoramente mais próximo do que nunca. Observadores também não devem esquecer que Vladimir Putin disse a Donald Trump que responderá aos ataques estratégicos de drones da Ucrânia no início deste mês, o que pode se combinar com os dois fatores mencionados acima para alcançar esse avanço tão almejado. Claro, pode ser apenas uma demonstração simbólica de força, mas também pode ser algo mais significativo.

As melhores chances da Ucrânia de impedir isso são que os EUA consigam que a Rússia concorde em congelar as linhas de frente ou lancem outra ofensiva. A primeira possibilidade poderia ser impulsionada pela abordagem do “carrot-and-stick” (cenoura e chicote), propondo uma parceria estratégica mais centrada em recursos do que já foi oferecido, em troca da imposição de sanções secundárias severas aos seus clientes de energia (especificamente China e Índia, com possíveis isenções para a União Europeia) e/ou intensificando a ajuda militar e de inteligência caso continue se recusando.

Quanto à segunda, os 120.000 soldados que a Ucrânia reuniu ao longo da fronteira com a Bielorrússia, segundo o presidente Alexander Lukashenko, no verão passado, poderiam cruzar essa fronteira e/ou uma das fronteiras internacionalmente reconhecidas da Rússia. Objetivamente falando, porém, ambas as possibilidades têm poucas chances de sucesso: a Rússia deixou claro que precisa atingir mais de seus objetivos no conflito antes de concordar com qualquer cessar-fogo, enquanto seu sucesso em expulsar a Ucrânia de Kursk é um mau presságio para outras invasões.

A probabilidade de a Ucrânia reduzir suas perdas concordando com mais exigências de paz da Rússia é nula. Portanto, ela pode inevitavelmente optar, seja em vez dos cenários mencionados ou em paralelo com um ou ambos, por intensificar suas “operações não convencionais” contra a Rússia.

Isso se refere a assassinatos, ataques estratégicos com drones e terrorismo. Tudo o que isso fará, no entanto, é provocar mais retaliações convencionais (provavelmente desproporcionais) da Rússia e, assim, atrasar dolorosamente a derrota aparentemente inevitável da Ucrânia.

Com o objetivo de atingir o resultado final, parece que um ponto de inflexão está prestes a ser alcançado, ou já foi, no sentido de mudar irreversivelmente a dinâmica estratégico-militar a favor da Rússia.

É muito difícil imaginar como a Ucrânia poderá se livrar desse dilema. Tudo indica que isso é impossível, embora o conflito já tenha surpreendido observadores de ambos os lados, portanto, não pode ser descartado. No entanto, trata-se de um cenário improvável, e é mais provável que a derrota oficial da Ucrânia esteja próxima.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]

Tradução: Artur Scavone.


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