Eleições na Venezuela

Imagem: Arturo A
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MANUEL DOMINGOS NETO

Os que gostam da democracia, da liberdade; os que lutam pela soberania de seus países e não querem guerra devem torcer pela vitória de Nicolás Maduro neste domingo

1.

Desde que, sob a liderança de Hugo Chávez, a Venezuela desafiou o imperialismo estadunidense, as informações sobre esse país foram sistematicamente embaralhadas. O domínio secular de Washington sobre a América do Sul fora trincado. Urgia desmoralizar Hugo Chávez e seu discurso libertário.

A Venezuela buscou exercer soberania sobre seus recursos naturais, estabeleceu cooperação militar alternativa, investiu na integração regional e deu suporte a Cuba, evitando seu colapso programado.

O exemplo venezuelano tornou-se intragável para os Estados Unidos: poderia estimular rebeldias em espaço vital a sua hegemonia. Washington incluiu Caracas no “eixo do mal” e acionou infindáveis expedientes para sabotar o governo venezuelano, inclusive, impondo grandes sacrifícios à sociedade.

Estive na Venezuela há vinte anos e, mesmo conhecendo intimamente as disparidades do Nordeste brasileiro, as condições sociais venezuelanas me chocaram. Como poderia um país tão rico ter tanta gente na penúria?

2.

Nessas eleições, não é o caso de restringir a análise ao desempenho das políticas públicas venezuelanas ou às idiossincrasias de governantes. O que merece mais atenção é o significado geopolítico desse embate. Estará em pauta neste próximo domingo o enfrentamento do imperialismo. Washington conseguirá silenciar a voz altiva da Venezuela?

Depois de tentativas frustradas de golpe, boicote econômico, sequestro de ativos financeiros, apoio a um fantoche autoproclamado presidente e intensa propaganda mentirosa, os estrategistas do imperialismo conseguirão interromper a experiência dita bolivariana?

Não tem cabimento repudiar o avanço mundial da extrema direita e lavar as mãos frente ao caso venezuelano. Não dá para torcer pela derrota dos ultraconservadores franceses e fechar os olhos diante de vizinhos do mesmo naipe.

É incoerente protestar contra a matança na Faixa de Gaza e vacilar no apoio a Nicolás Maduro, que defende os palestinos.

Não faz sentido propugnar pela integração sul-americana e ignorar a ofensiva da extrema direita na Venezuela. Obedientes à Washington, os reacionários desse país sabotam iniciativas integracionistas.

3.

Sem analisar corretamente uma declaração de Nicolás Maduro, Lula ajudou involuntariamente (espero!) os fascistas venezuelanos. Maduro não prometeu guerra caso perca as eleições: denunciou as pretensões da extrema direita venezuelana!

Lula se intrometeu erroneamente na eleição de um país vizinho e amigo. Sua palavra pesa na sociedade venezuelana. Caber-lhe-ia ensinar ao seu colega como se conduzir?

O que se noticiou antes da posse de Lula é que agentes de Washington contiveram iniciativas golpistas de militares brasileiros. Lula estaria agora cumprindo possível compromisso de conter o bolivarianismo?

Nicolás Maduro reagiu corretamente ao pedir-lhe que tomasse calmante. Errou depois, ao criticar a validade do processo eleitoral brasileiro. Mas a atitude do Judiciário brasileiro, cancelando o envio de observadores eleitorais a Caracas, foi inadmissível: ajudou a extrema direita venezuelana. O Judiciário brasileiro, que hoje encena a defesa da democracia, mostrou sua índole histórica de colaboração com golpistas.

Uma eventual derrota de Nicolás Maduro neste domingo impulsionará a extrema direita mundial. Seria retumbante vitória de Washington, justamente quando cresce seu isolamento internacional.

Os riscos de instabilidade continental crescerão. Governos democráticos da América do Sul, hoje minoritários, verão o cerco reacionário se fechar.

Os que gostam da democracia, da liberdade; os que lutam pela soberania de seus países e não querem guerra devem torcer pela vitória de Nicolás Maduro neste domingo.

*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Autor, entre outros livros de O que fazer com o militar – Anotações para uma nova Defesa Nacional (Gabinete de Leitura). [https://amzn.to/3URM7ai]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Mísseis sobre Israelmíssel 07/10/2024 Por MÁRIO MAESTRI: Uma chuva de cintilantes mísseis iranianos cortando os céus de Israel, passando pelo mítico Domo de Ferro, como a farinha por peneira
  • Pablo Marçal na mente de um jovem negroMente 04/10/2024 Por SERGIO GODOY: Crônica de uma corrida de Uber
  • Annie Ernaux e a fotografiaannateresa fabris 2024 04/10/2024 Por ANNATERESA FABRIS: Tal como os fotógrafos atentos ao espetáculo do cotidiano, a escritora demonstra a capacidade de lidar com aspectos da civilização de massa de maneira distanciada, mas nem por isso menos crítica
  • A poesia no tempo dos incêndios no céucultura quadro branco 04/10/2024 Por GUILHERME RODRIGUES: Considerações sobre a poesia de Carlos Drummond de Andrade
  • Coach — política neofascista e traumaturgiaTales-Ab 01/10/2024 Por TALES AB´SÁBER: Um povo que deseja o fascista brand new, o espírito vazio do capitalismo como golpe e como crime, e seu grande líder, a vida pública da política como sonho de um coach
  • Mar mortocultura cão 29/09/2024 Por SOLENI BISCOUTO FRESSATO: Comentário sobre o livro de Jorge Amado
  • Ultrapassando os limites constitucionaissouto-maior_edited 06/10/2024 Por JORGE LUIZ SOUTO MAIOR: Luís Roberto Barroso leva adiante a sua verdadeira Cruzada, destinada a atender a eterna demanda do setor empresarial de eliminação do custo social da exploração do trabalho
  • Armando de Freitas Filho (1940-2024)armando de freitas filho 27/09/2024 Por MARCOS SISCAR: Em homenagem ao poeta falecido ontem, republicamos a resenha do seu livro “Lar,”
  • Profetas do enganobola de cristal 04/10/2024 Por SAMIR GANDESHA: A massa dos frustrados e o “pequeno-grande homem”
  • Fredric Jameson — maior que a vidafrederic 05/10/2024 Por SLAVOJ ŽIŽEK: Jameson foi o derradeiro marxista ocidental, que atravessou destemidamente os opostos definidores de nosso espaço ideológico

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES