Por AIRTON PASCHOA*
Sete peças curtas
[falosofia da história]
Faço saber, a quem interessar possa a Verdade, que decidi anunciá-La aos homens de enorme vontade. E a verdade é — dura! Que o digam e maldigam os fracotes, os perdidos, os poetas, os saiotes, em suma, hora a hora deplorando a humanidade que se perde, manifesto comum, ou porque não tem caminho, ou porque tem caminho demais, ou porque tem um só caminho, ora! Vivem a choramingau pela Mãe Natureza, quando o que precisam mesmo é de um Pai Nadureza! Nossa doutrina nasce pois a bíceps, tríceps e fórceps, como convém a todo pensamento viril, desdenhando da molenga-lenga de vacilões, de vitimistas, de catadores de vintém, de contadores de desvantagem, de filósofos da estória. Era uma vez um espectro… Não empalideci nem pulei da cama, que não tenho medo de abusão, senti que urgia levar sangue à cabeça e cumpri a escrita: logo estará à mão o volume. Viva a falosofia da história! E pau nos vencidos!
[monomania]
Faço saber, a quantos cutucar possa, que não mais suporto, orto ou torto, sentado ou agachado, esse redemunho verboral de monogamia, opressão sexual, patriarcaísmo etc. E tampouco engulo as saídas fakefuck, castidade, castração, poliamor, casamento aberto, de um lado, dos dois, três, o diabo a quatro. Poliamor, cá entre nus, é contradição em termos, ou sermos; poliamizade, sim. O sexo entre amigos, o amor ágape, bom e saudável, será incentivado desde criancinha na minha República,worco in coprogress; agora, chamá-lo Amor, amor posse, possante, possessuído, trágico, cômico, órfico e ofídico — pelos pelos de Priapo! A solução, camaradas de camas aradas, sem soluço, é mais velha que a nona de Cornos, digo, Cronos, e nem por tanto menos feliz e eficaz, além de ser pra lá de honesta: prevaricar discreto… senão, (se preferirem, por delicadeza de sentimentos) de ângulo ou triângulo mais escaleno, fidelidade consigo e com sogros. O resto, como não se diz, é deerre, descurtir relação.
[amor romântico]
Faço saber, a quantos interessar possa, que não tem nada de mais divertido do que o romantismo, seja aquele de erre maiúsculo, seja este de erro minúsculo. Amor romântico, então, é o que há, ou melhor, não há! Quem não sabe que o amor sempre foi realista, e que todo realismo é meio triste? A metade que falta, é a paciência que preenche (ou enche).
[bodas de cana]
Faço saber, a quantos interessar possa a célula mártir da saciedade, que meu casamento só vingou porque desde o princípio rimamos, e a rima arrima: ela workaholic, eu aholic; ela emancipada, eu zipado, em mim mesmado; ela economista, eu, meio ego, meio eco, misto; eu dedadó, ela, graças a deus, dó sente, como docente, mas não reprova, deixa em recuperação. E assim fomos passando de ano.
[Germana]
Faço saber, a quem interessar possa, que não tenho remédio senão casar com enfermeira alemã. Germana não ia dar mole, não; doce, só dietético, e pouco; beber, uma tacinha de champanhe, só, natal ou dia de ano, a minha escolha; dieta, todo dia, sem discussão, que nem sexo, incluindo feriados e dias santos; caminhada, de camelo… E a mulher quer lá saber dessa história de mana ou mané germana? Eu que me cuide, que sou bastante grandinho, ou fique aí ajudando a Providência a ajudar a Previdência!
[baudelairiando]
Faço saber, a quem interessar possa o que não passa, que não devo ser de carne e osso, tão vibrátil soo, todo órgão, ao pé da Bela. Devo ser de cartilagem e cordas, senão mesmo de molas e palha, tamanho o espalhafato do palhaço — tanto sobressalto com saltos de passantes que não passam… Quando hão de passar? Quando passar? Ou quando passar o gaiato e largar um “vibra, tio”? E vibro e febro e salto do meio-fio.
[transtorno]
Faço saber, a quantos interessar possa, que nossas pecinhas, torneios de palavras que esmerilho às vezes até a exaustão quase, não me saem de torno nenhum, não, não se enganem; saem antes é do nosso transtorno.
*Airton Paschoa é escritor. Autor, entre outros livros, de Peso de papel (e-galáxia).
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