Por AIRTON PASCHOA*
Cinco peças curtas
Beirinha
Não dá pra dar passinho atrás, imagina pisar no pé dum irmão! descambava em conflito generalizado. Passinho à frente, ora, anda fora de cogitação, muita gente nem sequer abre os olhos, de medo. Soluçar, rindo ou chorando, faz diferença? teria o mesmo efeito dominó de dar de ombros, espirrava em cadeia todo mundo. Dizem que é arriscado segurar espirro – seguro, à força de martírio. Nestas horas que despontam os heróis. E peido? Desencadeava a carnificina final, decerto delicada em circunstâncias tais de aconchego universal. Batesse um ventinho, quem dera, casava ensejo e desejo… que aperta fundo e não temos como abrir mais as pernas. Hei de contê-lo, todavia, e toda vida! em prol da sobrevida da espécie, mesmo me custe explodir.
Lições de partir
Tarde poente… outra lição de partir, também diária, pra quem não teve a felicidade de morar em frente de aeroporto, igual o Poeta de Pasárgada. Longe contudo, por amor de Dumont! da tristura que costuma acompanhar despedida. Olhando o que deixamos atrás – pelo contrário. O carão se pondo, inchado, vermelho, solene e balofo que nem bispo em missa de gala, há de chocar novas vidas.
Vila Alpina
Em memória de Airton Paschoa
Imaginei que vinha mais gente. Não esperava me carregassem nos braços desde o Palácio “9 de Julho” até este sítio ameno. Sei que tem mais que fazer o povo. Um pouco mais ao menos. Mas, também, imaginei que contaria mais leitores. Imaginação pura, a vida, a nossa. Como quer que seja, chega de chorumela. Atingimos o pico, os Alpes. Tropicais mas Alpes. E nem careceu subir a pé. Também não subimos a soluço de violino, nem tudo sai perfeito, mas a sacolejar de rabeca (rabecão, cá entre nós). Agora é tocar o trenzinho do caipira. – Licença de não acenar.
Limonada
Ao Eugenio Montale
Os poetas antigos passeavam
cheiravam a terra chuva vereda
entre nanicos jardins se entreabrindo
carregado de limões
provavam pedaços do paraíso
em seus amarelos solares.
Os poetas modernos existindo
quando funcionam descendo
e ascendendo de elevador,
sem fauna nem flora o mundo
de cimento calcinado,
escoriações inscrevendo contra a parede que
soberbo falaria em pintura rupestre?
Mas sonhamos meu velho ô se não sonhamos,
só não lembramos; — o que contamos porque
precisamos sobreviver como todo mundo
sabe todo mundo o que é.
litera(tor)tura
a prosa que escrever queria
escreveu machado
a poesia que escrever queria
escreveu drummond
sobrou pouco
tão pouco
um tantinho
e tão tântalo
*Airton Paschoa é escritor. Autor, entre outros livros, de Peso de papel (e-galáxia, 2022).[https://amzn.to/3XVdHE9]
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