Guerra na Ucrânia — a escada da escalada

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Por ANDREW KORYBKO*

Putin viu-se confrontado com a opção de escalar ou de continuar sua política de paciência estratégica, e escolheu a primeira opção

Vladimir Putin surpreendeu o mundo na quinta-feira quando se dirigiu à nação para informar que a Rússia tinha testado um novo míssil hipersônico de médio alcance no início da manhã, num ataque contra um famoso complexo industrial da era soviética na cidade ucraniana de Dnepropetrovsk. Explicou que se tratava de uma resposta à recente autorização dos EUA e do Reino Unido para que a Ucrânia utilize seus mísseis de longo alcance dentro da Rússia. Esta decisão permitiu que a guerra por procuração entre a OTAN e a Rússia na Ucrânia “assumisse elementos de natureza global”, nas palavras dele.

Como foi explicado aqui a propósito do “momento da verdade” ao qual levou esta última fase do conflito, Putin viu-se confrontado com a opção de escalar ou de continuar sua política de paciência estratégica, a primeira das quais poderia frustrar as tentativas de Trump para chegar a um acordo de paz, enquanto a segunda poderia atrair mais agressão. Ele escolheu a primeira opção e o fez de uma forma criativa que poucos previram. O sistema de mísseis Oreshnik, cuja existência foi revelada na quinta-feira, possui Veículos de Reentrada Múltipla e Alvo independente (MIRVs).

É essencialmente o mesmo tipo de arma que a Rússia poderia usar no caso de um conflito nuclear com o Ocidente, uma vez que a caraterística acima mencionada, juntamente com sua velocidade hipersônica, significa que é impossível de interceptar. Em outras palavras, Vladimir Putin agitou o sabre nuclear russo da forma mais convincente possível, a não ser que teste uma arma nuclear, o que seu governo já tinha confirmado que não faria pelas razões que foram explicadas aqui. Assim, ele está finalmente subindo a escada da escalada.

Até agora, Vladimir Putin recusou uma escalada em resposta aos mais de mil dias de provocações ucranianas apoiadas pela OTAN, que incluíram o bombardeio do Kremlin, de sistemas de alerta precoce, de campos de aviação estratégicos, de centrais nucleares e da ponte da Crimeia, dentre muitos outros alvos sensíveis, de modo a evitar a Terceira Guerra Mundial. Ele também priorizou objetivos políticos em detrimento dos militares, mas tudo isso está mudando agora, desde que ele percebeu que sua paciência estratégica era interpretada como fraqueza e só atraía mais agressões.

Dado que a última utilização de armas ocidentais pela Ucrânia no território russo pré-2014 não é inédita, pois os HIMARS já tinham sido empregados nas regiões de Belgorod e Kursk, esta última invadida pela Ucrânia com o apoio da OTAN durante o verão, surge a questão de saber por que foram necessários mais de três meses para que suas opiniões mudassem. Deve-se notar também que a Rússia não reagiu de forma significativa à implementação dos F-16 pela Ucrânia, apesar de Lavrov ter avisado anteriormente que eles poderiam ser equipados com armas nucleares.

A Rússia pode, portanto, ter recebido informações de que o Ocidente está planejando uma provocação ainda maior no futuro. Os meios de comunicação bielorrussos acabaram de transmitir um documentário que expõe uma conspiração ocidental para desestabilizar e invadir seu país, sobre a qual os leitores podem saber mais revendo as sete análises que foram enumeradas aqui. De forma correspondente, foi avaliado que “A doutrina nuclear atualizada da Rússia visa dissuadir provocações inaceitáveis da OTAN”, e o que foi afirmado acima certamente constituiria tal passo.

A paciência estratégica de Vladimir Putin teria finalmente atingido seus limites se soubesse que algo do gênero estaria a caminho, o que explicaria por que ordenou que o Oreshnik fosse utilizado contra o complexo industrial da era soviética no centro da Ucrânia, a fim de enviar uma mensagem inequívoca ao Ocidente para reconsiderar seus planos. Se nos lembrarmos de como ele está preocupado em evitar a Terceira Guerra Mundial, também faz sentido que seu porta-voz tenha confirmado que a Rússia informou os Estados Unidos sobre este ataque com cerca de meia hora de antecedência.

Afinal de contas, o lançamento de um míssil hipersônico de alcance intermediário para oeste sem qualquer notificação prévia poderia ter levado os EUA a entrar em pânico, interpretando-o como o início de um potencial primeiro ataque nuclear por parte da Rússia, pondo assim em marcha exatamente o mesmo cenário que ele tanto se esforçou por evitar. Seu motivo era dissuadir o Ocidente de realizar provocações inaceitáveis que ultrapassassem as linhas vermelhas mais sensíveis da Rússia, as quais o Ocidente poderia estar tramando em desespero a fim de “escalar para desescalar”, em seus termos.

Escreveu-se aqui, aqui e aqui que Donald Trump poderia recorrer a isso, mas a última escalada dos ATACMS – que pode ser considerada uma provocação, pois estes mísseis têm um alcance muito maior do que os HIMARS – sugere que o “Biden Coletivo” decidiu fazer isso primeiro por receio de que qualquer acordo que pudesse alcançar com Putin comprometesse muitos interesses dos EUA. Por conseguinte, Putin poderá ter decidido agora golpear os EUA, “escalando para desescalar”, mas nos termos da Rússia.

A manhã de quinta-feira foi a primeira vez que um MIRV foi utilizado em combate, o que é muito mais significativo do que os EUA terem “fervido o sapo” ao expandirem o alcance dos mísseis que a Ucrânia já era capaz de utilizar dentro das fronteiras russas pré-2014, depois de mais uma vez terem sinalizado seus planos de escalada com muita antecedência, especialmente porque poucos previram sua utilização e os EUA só tiveram um aviso prévio de cerca de 30 minutos. Putin também avisou que a nova doutrina da Rússia permite-lhe utilizar essas armas contra aqueles que armam a Ucrânia.

É improvável que ele deixará a cautela de lado lançando Oreshniks contra alvos militares em países da OTAN, correndo o risco de desencadear a Terceira Guerra Mundial, mas não é de se excluir que a próxima escalada que está considerando em resposta a mais agressões possa ser bombardear a Moldávia. A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Zakharova, disse no início da semana que o governo apoiado pelo Ocidente está “transformando o país, em ritmo acelerado, num centro logístico utilizado para abastecer as forças armadas ucranianas”.

Mas a Moldávia não é membro da OTAN, portanto, a Rússia poderia bombardeá-la, caso continuem provocando Putin mesmo depois da escalada de quinta-feira, sem ultrapassar as linhas vermelhas do Ocidente, enquanto sinaliza que não é o fracote do qual eles estavam convencidos que fosse depois de interpretarem mal as razões de sua paciência estratégica. Querem que ele aceite a presença de forças de manutenção da paz do Ocidente/OTAN ao longo da Linha de Contato (LOC), a continuação da militarização da Ucrânia, sua futura adesão à OTAN e a não alteração de sua legislação antirrussa.

Em contrapartida, Vladimir Putin quer a expulsão da Ucrânia das quatro regiões que votaram a favor da adesão à Rússia em setembro de 2022, a ausência de forças de manutenção da paz do Ocidente/OTAN ao longo da LOC, a desmilitarização da Ucrânia, o restabelecimento de sua neutralidade constitucional e a revogação de sua legislação antirrussa. Por conseguinte, golpear o Ocidente ao “escalar para desescalar”, ou pelo menos subir finalmente a escada da escalada em resposta às suas provocações, visa atingir o maior número possível destes objetivos máximos.

Se ele se mantiver firme e não vacilar em sua nova abordagem, que está indiscutivelmente muito atrasada, uma vez que alguns acreditam que ele deveria ter começado a aplicá-la após o fracasso das conversações de paz da primavera de 2022, então há muito mais chance de atingir ao menos parte dos objetivos mais importantes. A OTAN sempre pode intervir convencionalmente na Ucrânia a oeste do Dnieper para salvaguardar parte de seu projeto geopolítico, neste caso, a Rússia deve assumir que não conseguirá desmilitarizar ou desnazificar esta parte do país.

O que pode fazer, no entanto, é empregar meios militares e diplomáticos (tanto individualmente como em combinação através de sua nova abordagem acima referida) para obter o controle de todo o território que reivindica como seu a leste do Dnieper, possivelmente incluindo a cidade epônima de Zaporozhye, com mais de 700.000 habitantes. A nova LOC poderia então ser patrulhada por forças puramente não ocidentais destacadas no âmbito de um mandato da ONU, enquanto a Ucrânia poderia ser coagida a desmilitarizar tudo o que permanece sob seu controle a leste do Dnieper.

Todas as armas pesadas teriam que ser retiradas para oeste, como parte de uma enorme zona desmilitarizada (DMZ), havendo também a possibilidade desta região “Transdnieper” receber autonomia política ou, pelo menos, autonomia cultural para proteger os direitos dos russos étnicos e dos que falam essa língua. Este cenário foi apresentado pela primeira vez aqui em março e poderia assumir a forma mostrada abaixo, com a parte ocidental do país em azul acolhendo possivelmente tropas da OTAN como parte do acordo que será descrito em seguida.

A Ucrânia poderia ser desencorajada de romper o cessar-fogo porque a DMZ a coloca em desvantagem, enquanto a Rússia seria dissuadida pelas “garantias de segurança” que a Ucrânia obteve este ano de vários países da OTAN, o que equivale a um apoio de fato ao abrigo do artigo 5º. Enquanto a Rússia poderia invadir a DMZ, a OTAN também poderia invadir a Ucrânia Ocidental ou, possivelmente, atravessar o Dnieper, quer devido a uma intervenção rápida, quer por já ter colocado suas tropas a oeste do rio por acordo tácito com a Rússia.

O que foi detalhado nos três parágrafos anteriores é o máximo que a Rússia pode realisticamente alcançar, dadas as novas circunstâncias estratégico-militares em que se encontra, mais de 1000 dias após o início da operação especial. Putin começou finalmente a subir a escada da escalada para dissuadir as provocações ainda maiores que o Ocidente poderia estar tramando agora com a intenção de coagi-lo a congelar a LOC existente e depois, possivelmente, a aceitar o destacamento de forças de manutenção da paz do Ocidente/OTAN para lá.

Tal cenário seria completamente inaceitável para ele, do ponto de vista dos interesses de segurança nacional da Rússia e de sua própria reputação, depois de ter prometido travar a expansão da OTAN na Ucrânia. No entanto, manter esse bloco a oeste do Dnieper e desmilitarizar tudo a leste e a norte das fronteiras administrativas das quatro antigas regiões ucranianas que se juntaram à Rússia em setembro de 2022, provisoriamente conhecidas como a região do “Transdnieper”, seria um compromisso tolerável.

Donald Trump poderá considerar este acordo suficientemente pragmático para aceitá-lo, uma vez que todas as partes envolvidas no conflito poderão considerá-lo uma vitória (por exemplo, a Rússia ganhou terreno e criou uma zona desmilitarizada no interior da Ucrânia; a Ucrânia continuou existindo como Estado; e os EUA incorporaram de fato a Ucrânia Ocidental na OTAN). Poderá entrar em vigor mesmo antes disso, se qualquer uma das partes “escalar para desescalar” antes de sua posse, e este é o compromisso “mutuamente salvador” a que chegariam para evitar a Terceira Guerra Mundial.

É claro que seria melhor se chegassem a esse acordo sem desencadear uma crise temerária de tipo cubano que corresse o risco de ficar fora de controle, daí que seus diplomatas deveriam começar a discutir o assunto agora ou que os diplomatas de um terceiro país, como os da Índia, o propusessem nos bastidores para colocar a bola para rolar. A nova abordagem de Putin (e, sem dúvida, esperada há muito tempo) indica que ele não aceitará o congelamento da atual LOC, nem especialmente o destacamento de forças de manutenção da paz da OTAN/Ocidente, e que escalará para impedir isso.

Ele poderá até mesmo chegar ao ponto de utilizar armas nucleares táticas na Ucrânia (e/ou no centro logístico da OTAN na Moldávia) se sentir que está sendo encurralado pelas circunstâncias em evolução em que o Ocidente o poderá colocar em breve através de suas provocações possivelmente maiores (por exemplo, desestabilizando e invadindo a Bielorrússia). O Ocidente deve, portanto, começar a levar Vladimir Putin a sério depois que ele finalmente começou a subir a escada da escalada, caso contrário, o pior cenário da Terceira Guerra Mundial pode tornar-se inevitável se o levarem demasiado longe.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]

Tradução: Fernando Lima das Neves.


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