Por RENATO DAGNINO*
Se a esquerda não disputar o sentido da ‘reindustrialização’, o termo seguirá sendo um eufemismo para subsídios ao capital. A economia solidária, longe de ser utopia, é a única via realista para romper esse ciclo
O candidato à presidência do PT Valter Pomar reagiu ao artigo “Eleições no PT e a reindustrialização solidária” que postei no site A Terra é Redonda. A sua resposta foi postada neste mesmo site com o título “Ampliar o emprego industrial”.
Para “limpar a área” e ir ao que me parece essencial – como prosseguir para que a proposta da Reindustrialização Solidária que emerge como possível confluência entre correntes importantes do PT, se transforme numa política pública – esclareço os pontos que não vou aprofundar.
E o faço comentando, depois de citar, algumas das orações ali contidas.
“Agradeço em particular o fato dele (sic) dedicar a maior parte do artigo a polemizar com minhas opiniões (ou com o que ele acha que são minhas opiniões).”
Não sei de que outra forma alguém pode comentar o dito por outra pessoa, a não ser tendo por base as suas próprias opiniões. Mas, esclareço que, contrariamente ao que ele depois dá a entender, meu procedimento não se deve a uma falta de simpatia pelas posições que ele e sua corrente têm defendido no âmbito do Partido. E, sim, pelo fato de que, como por dever de ofício me dedico aos assuntos em pauta, minhas opiniões podem ser úteis.
“Confesso que algumas passagens do texto de Renato Dagnino são, para mim, de difícil compreensão. Assim vou me limitar a responder aquilo que eu consegui entender.”
Como imagino que o que Valter Pomar não entendeu se refere à proposta da Reindustrialização Solidária, recomendo que, de modo a facilitar sua compreensão e aumentar a chance de que nosso propósito seja alcançado, dê uma olhada nas mais de uma dezena de textos que têm sido publicados sobre o assunto nos últimos quatro anos. O ali tratado a partir de uma perspectiva original no plano analítico-conceitual e contra-hegemônica no nível político-ideológico pode ensejar uma renovação da nossa proposta de construção do socialismo.
“Renato Dagnino começa seu artigo afirmando que teria havido uma “falsa polarização entre Edinho e Valter Pomar nas eleições do PT: enquanto um defende economia solidária e outro reindustrialização, ambos ignoram que apenas 0,02% do PIB vai para redes solidárias contra 23% de subsídios à classe proprietária.” Sobre a polarização ser falsa, discordo e demonstro a seguir por quê.”
Esclareço que, como é de praxe, a epígrafe dos textos publicados em A Terra é Redonda, é de responsabilidade dos editores, e que a expressão “falsa” não me parece denotar que alguém tenha pretendido falsear algo. E, sim, que a discordância acerca da pertinência do tema da economia solidária que, inclusive, como disse Valter Pomar, já tinha aparecido em ocasiões anteriores, poder-se-ia transformar, como eu indiquei, numa possível confluência entre Edinho e Valter Pomar.
“… como o próprio Dagnino reconhece no seu texto, minha posição é defender a economia solidária e a reindustrialização. Quem defende uma coisa ou outra não sou eu.”
O fato do Valter Pomar, ter repetido do modo como o fez (e isto está muito claro no vídeo do Debate para quem queira comprovar), “economia solidária, economia solidária, economia solidária…” como sendo uma espécie de mantra repetitivo nas falas de Edinho, não me parece condizente com essa afirmação. Mas saliento, por um lado e com esperança, o fato de que Pomar aqui não usou o termo “indústria” e sim reindustrialização para referir-se ao que sentia falta na proposta do Edinho. E, por outro, que seria conveniente que Pomar explicitasse quem ele considera que “… defende uma coisa ou outra…”.
“Dagnino afirma que a corrente representada por Valter Pomar tem mostrado não considerar a proposta de Edinho, de que a economia solidária é portadora daquela condição essencial para um desenvolvimento mais igualitário, sustentável etc. E que, por isso, ela não é merecedora da importância que seu oponente a ela confere. Minha opinião não coincide com esta síntese feita por Dagnino. Na minha opinião, a tendência petista Articulação de Esquerda defende que a economia solidária deve fazer parte do nosso mix de políticas, tanto agora quanto no socialismo.”
De novo, convido quem queira avaliar a pertinência de minha “síntese” que assista o vídeo. Mas esta passagem contém algo que me parece muito importante. Até alvissareiro, para quem como eu acompanha há décadas a discussão sobre as formas de organização da produção que devem ser impulsionadas pelos marxistas na transição ao socialismo. Por isso, na segunda parte deste texto, retomo a significativa e auspiciosa afirmação de Pomar de que uma política de economia solidária deve persistir “no socialismo”.
“Dagnino afirma, também, que “alguns integrantes dessa corrente a consideram um resquício fora de lugar e tempo das propostas do socialismo utópico superadas pela consolidação do capitalismo e suplantadas pelas experiências socialistas. Como algo desmobilizador e diversionista que deve ser denunciado como um tipo de colaboracionismo e até de traição à classe trabalhadora”. Eu desconheço quem são os “integrantes dessa corrente” que pensam isso. Apreciaria que Renato Dagnino me informasse quem são estas pessoas.”
A solicitação que me faz Valter Pomar, de tão esdrúxula, não merece comentário. Mas de qualquer forma, sugiro que talvez ele não conheça a opinião dos seus correligionários sobre o assunto por que ele nunca tenha sido aventado com a profundidade que agora dá a entender declarando-se “100% a favor da economia solidária”.
“Adianto que participei da redação de praticamente todas as resoluções da Articulação de Esquerda e nunca, absolutamente nunca, escrevemos e aprovamos algo tão idiota quando tratar a economia solidária como “resquício fora de lugar e tempo”, “desmobilizador”, “diversionismo”, “colaboracionismo” e “traição”.”
Não há como discordar de que é muitíssimo provável que, nessas “resoluções”, não se tenha mencionado “algo tão idiota”. Essa linguagem, por poder ser acusada de sectarismo seria perigosamente autoculpabilizadora. Ainda mais pelo fato de a economia solidária fazer parte da agenda governamental e do Partido há mais de duas décadas.
“Para ser educado, acho que Renato Dagnino viaja na maionese ao atribuir à tendência petista Articulação de Esquerda algo que nunca pensamos, que nunca dissemos e que nunca defendemos.”
A esse respeito, eu gostaria muito e espero com muita expectativa que Valter Pomar dê a conhecer o modo como a economia solidária tem sido abordada nessas “resoluções”. Isso por que, entre muitas outras coisas muito mais importantes sobre as quais farei menção na segunda parte, isto faria com que aqueles integrantes a quem me referi se expressassem de modo distinto. E, até, como faz Valter Pomar, se declarassem “100% a favor da economia solidária”. Afinal, como bom gaúcho, gosto de maionese! Mas é na salada de batata!
“Talvez por nos atribuir uma posição que não é a nossa, Dagnino afirme que minha fala no encerramento do debate de 3 de junho tenha sido feita “talvez devido à insistência de Edinho”. Lembro o que eu disse: “Eu sou 100% a favor da economia solidária, do cooperativismo. Mas, eu gostaria de ouvir a mesma ênfase para a industrialização. O Brasil não vai sair da situação primário-exportadora sem industrialização. Cá entre nós, não precisamos da “insistência” de ninguém para dizer a platitude acima.”
De novo convido quem se interessar a ver no vídeo do debate o contexto em que essa frase foi dita. Mas sobre ela, há dois pontos para a segunda parte deste texto. A primeira é ser “a favor da economia solidária, do cooperativismo…”. Minha recomendação ao companheiro, pelas razões que o movimento da economia solidária bem conhece, é evitar colocar esses dois conceitos muito próximos!
A segunda, é que pense melhor sobre a relação de causalidade que apologeticamente supõe entre “não vai sair da situação primário-exportadora sem industrialização”. Para um economista heterodoxo, sobretudo se marxista e disposto a reescrever a história do capitalismo e projetar um futuro ecossocialista, o que ele considera uma “platitude” é muito questionável.
“Primeiro: eu não confundo industrialização com subsídios à fração industrial da classe dominante. Segundo: o tipo de industrialização que eu defendo não é uma repetição do que houve no passado.” … “Noutras palavras, o que eu defendo não é o que está fazendo o governo Lula 3. Entre outros motivos porque não acho crível que ´os mesmos atores que desindustrializaram o País em busca de oportunidades de lucro mais atrativas estejam dispostos, mediante relativamente pequenos subsídios adicionais que ela promete, a voltar à cena da indústria`”… “De outro lado, esclareço que sou favorável a ampliar os recursos destinados a (sic) chamada economia solidária. E acho que isso cumpriria um papel importante no tipo de reindustrialização que necessitamos.”
Aqui há uma surpreendente, dado que nunca antes enunciada pelo Pomar ou pela sua corrente, convergência com o que os partidários da proposta da Reindustrialização Solidária têm defendido. A diferença é que o que queremos não é “ampliar os recursos destinados a (sic) chamada economia solidária”.
É, sim, adotar toda uma proposta de política pública que, ainda que de forma não excludente, dado que não ignoramos a relação de forças existente (!), promova um novo tipo de industrialização possibilitada pelo aumento da intensidade tecnocientífica das atividades das redes solidárias. Coisa que, esperamos, venha a ser interpretada por ele, pelo Partido e pela coalizão de governo, como o que ele se refere como o “tipo de reindustrialização que necessitamos.”
“Mas não estou de acordo com a premissa de Dagnino, segundo a qual metade da nossa força de trabalho “provavelmente nunca [terá] emprego e salário”.
Não se trata de uma premissa! É, sim, uma prospectiva baseada na informação existente, na evolução provável dos cenários nacional e internacional, nos fatos portadores de futuro disponíveis etc.
“Esta premissa de Dagnino é, na minha opinião, similar à de Edinho.”
Não conheço a “premissa” do Edinho. Tampouco algo proveniente de estudiosos simpáticos à sua corrente sobre o assunto.
“Renato diz que “ao contrário do que deu a entender o Valter Pomar, o apoio à economia solidária é muitas ordens de grandeza menor do que aquele que recebe a ‘industrialização’.” Eu não “dei a entender” absolutamente nada disto. E obviamente não penso isto. Minha impressão é que Dagnino está espancando uma caricatura que ele próprio criou, mas que não coincide com o que eu penso”.
Reitero que para avaliar o sentido do que eu disse, os interessados interpretem no vídeo o contexto em que Valter Pomar reclama a pouca atenção que estaria sendo dada à “indústria” vis-à -vis ao que ele, ao mencionar economia solidária três vezes, parece criticar como sendo aquele mantra do Edinho.
“o que está sendo denominado de reindustrialização não vai produzir a reindustrialização que o país necessita. E diria, também, que o Estado segue subsidiando as frações dominantes do capital com muito mais recursos do que os destinados a todos outros setores da sociedade. E isso não vai produzir reindustrialização.”
Aqui, novamente, convergências a aprofundar e positivar transformando em políticas!
“Dagnino fala da “obsolescência do conceito de indústria que nos lega um passado capitalista em ruínas”. Infelizmente, isto é não é verdade. Basta olhar para a queda de braço titânica entre Estados Unidos e China para perceber que o conceito e a realidade prática da “indústria” seguem sendo decisivos. Logo, se o Brasil abrir mão da indústria, ele seguirá dependente e servil frente aqueles que a possuem.”
Aqui caberia retomar o que escrevi acima sobre como um economista heterodoxo, sobretudo se marxista e disposto a reescrever a história do capitalismo e projetar um futuro ecossocialista, poderia questionar ambas afirmações. E, também, por falar em China, perceber como a trajetória de décadas de construção do socialismo que possibilitaram seu “braço” forte pode ser emulado mediante a Reindustrialização Solidária.
Evitando ademais, por construção, devido aos atributos de solidariedade, propriedade coletiva dos meios de produção e autogestão que possui a economia solidária, que o esforço renovador da formação econômico-social venha a redundar num mero capitalismo de Estado.
“A grande novidade é que hoje, diferente do passado, nenhuma fração da classe capitalista tem interesse e/ou capacidade de liderar a reindustrialização (sic) do país. Esta novidade torna possível e necessária uma industrialização de novo tipo, seja na relação com os trabalhadores assalariados, seja na relação com o meio ambiente, seja na relação com os trabalhadores que são pequenos proprietários.”
Estranho, por um lado, que Valter Pomar considere que “no passado” a burguesia nacional (que como muitos consideram não ser nem burguesia nem nacional) tenha tido capacidade de liderar a industrialização do país. Por outro, que se refira a “trabalhadores assalariados” e “trabalhadores que são pequenos proprietários” (sic) e não àqueles que integram ou poderiam integrar a economia solidária.
E, finalmente, se refira a uma “industrialização de novo tipo” quando a proposta de Reindustrialização Solidária, em contraposição (ou como suplemento) à reindustrialização empresarial, é uma “novidade” que setores da esquerda vem discutindo há quase quatro anos.
“Que nessa industrialização de novo tipo a chamada economia solidária terá muito a contribuir, não tenho dúvida alguma.”
Aqui, novamente, convergências a aprofundar e positivar. Tomara que Valter Pomar evite se referir à “chamada”, como se ele duvidasse do termo, economia solidária. Oxalá cheguemos a ouvir dele uma frase um pouco diferente: “Que nessa Reindustrialização Solidária as redes solidárias existentes terão muito a contribuir, não tenho dúvida alguma.”
“Assim como não tenho dúvida de que os maiores interessados num discurso que relativiza, minimiza, secundariza e omite o papel da industrialização são aqueles que defendem manter o Brasil como economia primário-exportadora e paraíso do capital financeiro.”
Sobre isso, cito meu neto de 14 anos: Me inclui fora dessa, mano!!!
“o candidato que defende o status quo criticado por Dagnino não sou eu, é Edinho. Mas tirante uma gozação inicial, Edinho é no fundamental poupado das críticas. Curioso…”
Curioso, isto sim, é o fato de que o companheiro Valter Pomar, como eu um professor de uma prestigiosa universidade pública, não perceba adequadamente, como aliás não o fizeram integrantes de sua corrente frente ao meu artigo que apareceu aqui, o papel que por dever de oficio, eu busco desempenhar.
Espero que tenha ficado claro que minha intenção não é criticar este ou aquele candidato por defender o que Valter Pomar denomina, sem explicar e dando margem a interpretações imprecisas status quo. Mesmo porque por menos informados que sejam os leitores, se isso for interpretado como o modo estão sendo conduzidas as políticas industrial e de economia solidária, nenhum deles o associaria ao que pensa a corrente de Valter Pomar.
*Renato Dagnino é professor titular no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp. Autor, entre outros livros, de A indústria de defesa no governo Lula (Expressão Popular) [https://amzn.to/4gmxKTr]
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