Lula em Beijing

Imagem: Agência Brasil/ Foto: Ricardo Stuckert / PR

Por WILLIAM HUO*

Lula em Beijing não foi diplomacia, foi declaração de guerra ao unilateralismo: o Sul Global está enterrando a Doutrina Monroe

Lula não foi para Beijing para aparecer. Foi para enterrar a Doutrina Monroe e reavivar o Sul Global. Este fio desmonta porque sua visita marca um ponto de inflexão no colapso da hegemonia norte-americana e a ascensão do poder dos BRICS.

Quando Lula desembarcou em Beijing com um batalhão de ministros e CEOs, não foi para atender a uma visita de cortesia. Foi uma declaração. O líder mais desafiador do Sul Global está de volta, e não veio para pedir permissão.

Um ex-metalúrgico, torturado pela ditadura, eleito duas vezes presidente, e então encarcerado num golpe de lawfare, Lula é a prova viva de que você não pode matar uma boa ideia cujo tempo amadureceu.

E essa ideia é simples. O Brasil, e o resto do Sul Global, não vão mais fazer o papel de fazenda do império de Washington. Acabou a extorsão commodities versus dólares. Lula veio para Beijing para reescrever as regras.

Enquanto Donald Trump baba sobre as tarifas de 10% e os embargos totais, Lula e Xi estão assinando acordos de bilhões de dólares em infraestrutura, energia e investimentos. Projetos reais. Desenvolvimento real. Não “promoção da democracia” na mira do revólver.

Isso é BRICS 2.0. E adivinhem quem está dirigindo o banco? Dilma Rousseff, companheira de Lula, que sofreu impeachment dos oligarcas, e agora preside o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS em Xangai. Esse arco não é acidental.

A icônica foto de uma Dilma desafiadora, com 22 anos, enfrentando um tribunal militar, agora contracena com sua imagem no quartel-general dos BRICS na China – de blazer vermelho, lançando megaprojetos verdes. A mesma luta, mas em fronts diferentes.

Os BRICS nunca foram apenas um símbolo. É um clube de sobreviventes. E a visita de Lula sinaliza algo maior. Um realinhamento coordenado do Sul Global, longe dos pontos de estrangulamento do FMI e rumo a uma soberania compartilhada.

Lula deixou claro: se os Estados Unidos estapearem o Brasil com tarifas, o Brasil vai estapear de volta. Reciprocidade, não reverência. O Brasil não vai receber lições de um país que não consegue impedir suas próprias pontes de despencarem.

Não se trata de ideologia. Trata-se de alavancagem. Os Estados Unidos exportam armas e sanções. A China exporta estradas-de-ferro, 5G e satélites. Adivinhe que parceiro o Sul Global prefere.

Tal divórcio da América Latina da Doutrina Monroe já devia ter acontecido há muito tempo. Gustavo Petro, Gabriel Boric e Lula da Silva não foram eleitos para o papel de vice-xerifes do império de Tio Sam. Vieram para construir algo novo.

De Xangai a São Paulo um novo eixo está tomando forma. E ele não passa por Davos ou Washington. Passa por portos, bancos de dados, e comércio bilateral em moedas locais.

Lula em Beijing – não é só uma visita diplomática. É uma procissão de enterro para a hegemonia norte-americana na América Latina, e o batismo de um mundo multipolar conduzido por aqueles que um dia foram colonizados.

Para o império. O Sul se lembra. E está se organizando.

*William Huo é diretor representante da Intel em Beijing.

Tradução: Laymert Garcia dos Santos.

Postado originalmente nas redes sociais do autor.


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