a terra é redonda

Messias à venda

Por EMILIO CAFASSI*

Da organização coletiva à fé – formas atuais de populismo místico

1.

Ninguém prometeu tanto sem prometer nada como Donald Trump e Elon Musk. Um do púlpito do Estado, o outro do algoritmo. Ambos se olharam como se o mundo fosse pequeno demais para eles, como se o futuro lhes pertencesse por direito natural e não por terem sido os principais contribuintes de suas campanhas, como se pudessem dividir a eternidade em cotas de poder, tecno-utopia e marketing.

Mas até os messias se chocam, e quando isso acontece, não chovem revelações, mas estilhaços. Estilhaços fétidos de ego, ganância e cálculo. Talvez também fragmentos de verdade.

Mas o que é um messias numa era de redes, mercados e déficit democrático? Não mais o ungido de uma divindade transcendente, mas o gestor de uma promessa imensurável, o portador de uma redenção que não é explicada nem debatida, apenas é seguida.

O messianismo, historicamente ligado à esperança coletiva de um tempo justo por vir, transformou-se num dispositivo personalizado de salvação imediata e exclusiva. A sua essência já não é a profecia a longo prazo, mas o imediatismo; não a comunidade, mas a adoração; não a fé no futuro, mas a ansiedade em relação ao presente.

Onde as instituições são esvaziadas, o líder carismático, particularmente se digital, promete sentido. Onde os laços se erodem, o messias algorítmico oferece pertencimento. Mas qualquer salvação baseada na adoração pessoal e em dogmas fechados torna-se um culto, e todo culto precisa de inimigos.

Uma seita, em um de seus significados, não é simplesmente uma cisão ou um desvio, mas uma estrutura de confinamento simbólico. Originalmente usado para se referir a escolas filosóficas ou religiosas, o termo gradualmente evoluiu para sua conotação moderna: a de um grupo que absolutiza uma verdade, se refugia em sua própria lógica e constrói uma comunidade baseada na obediência ao líder, em vez da deliberação entre iguais. Em uma seita, o líder é o oráculo, o juiz e o profeta. E sua verdade não é discutida: ela é obedecida.

O sectarismo político, quando opera sob essas lógicas, não se organiza em nome de uma causa, mas em torno de uma figura. O que une seus membros não é um programa, mas um credo. E o que os distingue não é o pensamento, mas a lealdade. A crítica é equiparada à traição; a dissidência se torna apostasia. Assim, a seita deixa de ser um acidente organizacional e se transforma em uma forma totalitária de fanatismo. Uma adoração acrítica que reduz o mundo a duas categorias: o nosso e o dos outros. Um campo onde a lealdade substitui o julgamento.

Porque há algo revelador nesta guerra de gladiadores digitais: não se trata de uma disputa ideológica ou de um cisma doutrinário, mas de uma luta entre líderes sem povo, entre magnatas autoproclamados que não toleram dividir o centro do altar midiático. O “grande e belo projeto de lei” que Donald Trump pretendia entronizar como o evangelho de sua agenda nacional foi derrubado por Elon Musk — seu ex-parceiro, seu ex-assessor, seu ex-acólito — como uma “disgusting abomination” (abominação repulsiva). O elo entre os dois não era político: era litúrgico. Um oficiava a missa do nacionalismo corporativo; o outro, a do tecnoliberalismo messiânico.

2.

Rlon Musk, autocoroado pelas multidões digitais como um profeta do futuro, lançou sua excomunhão da catedral de X, seu púlpito algorítmico, com uma ladainha de tuítes estrondosos de indignação, intercalados com sarcasmo, versos reciclados e ameaças veladas. Vale lembrar que ele é dono da bola com que o presidente joga, assim como da iluminação do estádio. Ele poderia muito bem apagar as luzes e mandá-lo jogar no campo com uma bola de trapos e sem torcida.

Donald Trump respondeu com sua retórica habitual de traição e punição, relembrando favores passados e anunciando a possibilidade de cortar todos os laços econômicos com as empresas do magnata sul-africano. Como toda religião civil, o trumpismo também tem seu inferno, e uma única palavra, “disagreement” (desacordo), bastou para condená-lo.

Mas o interessante não é tanto o conflito em si, mas o quadro que o possibilita: a ascensão de uma política transformada em reality show, uma encenação de acólitos que aplaudem não ideias, mas personalidades; não planos, mas posições. É nesse terreno que o messianismo se torna moeda, e o sectarismo, capital.

A clivagem não divide mais programas, mas tribos políticas. O seguidor não é militante nem cidadão: é um paroquiano. O líder não é um maestro, mas uma divindade menor, nutrida por algoritmos, pesquisas e selfies. Desse modo, a política se perverte ao ser erigida como altar.

O acaso da história brincou novamente com o tema no encerramento desta coluna, pois acaba de ser confirmada a proscrição judicial de Cristina Kirchner, impossibilitando a troca de cavalos no meio do caminho, ou seja, de objeto de análise no meio da escrita. No entanto, pressinto que algumas dessas linhas podem ser retomadas na próxima contribuição dedicada ao aspecto jurídico-político do caso.

Voltando aos nossos concorrentes, o poder não exige mais solenidade. Ele é exibido em memes, endossado em curtidas e discutido em transmissões. Nem parlamentos nem cúpulas o acomodam plenamente. Ele migrou para o espetáculo, para a promessa ofuscante e difusa daqueles que, como Elon Musk ou Donald Trump, oferecem redenção enquanto distribuem punição. A ruptura entre os dois não expressa uma crise de poder, mas sim sua metamorfose: a da liderança se tornando uma marca e da política transfigurada em um culto. Como todo culto, ele precisa de hereges; como todo mercado, de clientes cativos.

O perturbador não é que briguem, mas que consigam. Que não existam firewalls institucionais ou midiáticos capazes de conter, desacelerar ou mesmo amortecer uma disputa pessoal que coloca orçamentos, algoritmos, subsídios, percepções do mercado de ações, alianças diplomáticas e até estratégias militares em alerta.

Elon Musk ameaça desmantelar missões espaciais; Donald Trump ameaça fechar contratos multimilionários. Fazem isso abertamente, sem símbolo ou mediação, como se o testamento fosse um decreto, a internet uma lei e o desabafo, uma doutrina. Um pensa no capitalismo do século XXIII baseado em Marte, e o outro no capitalismo do século XIX, com chaminés poluentes, autossuficiência e, se possível, escravidão regulamentada pelo escritório de imigração. Desde que, em ambos os casos, os tuítes continuem chegando aos celulares.

Eles são, à sua maneira, arautos de um autoritarismo líquido: sem uniformes nem desfiles, mas com a mesma ânsia por controle total. Querem tudo: a narrativa, a tecnologia, o afeto, a verdade. Elon Musk esculpe o algoritmo como um ídolo; Donald Trump prega com raiva e batiza inimigos.

Suas seitas não se organizam em assembleias, mas em fóruns; não votam, viralizam; não fazem campanha, monetizam. Nesse campo minado de polarizações sintéticas, tudo o que é sólido se desfaz no ar, como Marx e Engels alertaram. O que eles não imaginavam era que se tornaria um trending topic.

Talvez esta guerra entre “messias baratos” apenas exponha uma corrente oculta mais sinistra: a crescente descrença na comunalidade, naquele modo de pensar compartilhado que une muitos, substituída pela fé em figuras iluminadas, salvadores, demiurgos que distribuem promessas vazias e verdades não verificadas.

O fato de milhões de pessoas se definirem mais pela lealdade a uma figura do que por um conceito de justiça ou bem comum não é uma anedota: é sintoma de uma profunda regressão ideológica. Uma teologia de mercado com aplicativos móveis.

3.

Os ecos dessa luta logo chegam ao nosso sul, onde também crescem templos sem deuses e multidões sem horizonte. Javier Milei, devoto simultâneo de Donald Trump e Elon Musk, viu-se preso entre altares opostos. Um lhe emprestou a motosserra; o outro, o retuíte. Mas agora, quando seus dois modelos lançam arquivos, ameaças e memes um contra o outro como pedras, o presidente argentino se vê obrigado a escolher entre seus fetiches.

Como construir uma identidade política quando os espelhos se estilhaçam? Em sua ânsia de construir sua própria seita, Javier Milei, imitando seus ídolos, não poupa explosões, devorando antigos aliados como um pac-man.

Não se trata apenas de uma questão de tensão diplomática. É o reflexo de uma forma de construir poder que não requer mais ideias ou programas, mas sim apoio emocional volátil, transformado em mercadoria. Javier Milei é herdeiro e devedor desse estilo: o libertário que se alia a golpistas, o economista que cita versículos bíblicos, o presidente que denuncia o Estado enquanto o habita.

Como Donald Trump, como Elon Musk, ele é mais um símbolo flutuante do que um líder. Um significante vazio que grita liberdade enquanto assina acordos com o FMI, cerceia direitos, prende pessoas e distribui espancamentos e gás lacrimogêneo.

Também aqui, iconoclastia foi confundida com destruição, irreverência com sadismo, rebelião com capricho. E assim, muitos cidadãos, fartos do desencanto, optaram por abraçar gurus sem princípios, pastores da ruptura, convencidos de que qualquer ruptura é libertadora. Mas o messianismo não constrói comunidade: apenas administra a solidão. E o sectarismo não organiza o futuro: apenas disfarça o medo. O que parece um despertar pode ser apenas um grito abafado num pesadelo.

E enquanto os gigantes digitais lançam acusações uns aos outros a partir de suas plataformas, as consequências pesam sobre nós: nossas economias à beira do abismo, nossas instituições cambaleando, nossos laços desgastados. Porque se algo une Elon Musk, Donald Trump e seus colegas regionais, é o desprezo pela vida concreta, pela vida alheia. O deles não é a política, mas a teologia da autopromoção. Nessa fé perversa, tudo vale: manipular algoritmos, inventar inimigos, dinamitar instituições ou ditar que a verdade é apenas o que viraliza.

Talvez o verdadeiro perigo não esteja em Donald Trump ou Elon Musk, mas na necessidade urgente de acreditar neles. Nesse impulso de seguir alguém, não pelas suas palavras, mas pela força com que são pronunciadas; não pelas suas propostas, mas pelas suas promessas descaradas. Quando a política é desprovida de programas, resta apenas a aura.

E quando desistimos de pensar em comum, só nos resta rezar para o influenciador do momento. O preocupante não são as brigas, mas sim que milhões estejam escolhendo lados como alguém escolhe um modelo de fone de ouvido, um perfume ou um deus.

A fé em salvadores não só adia a emancipação, como a perverte. Não há libertação possível sem dissidência, sem humildade, sem conexão. Mas o messianismo de mercado, com suas promessas de grandeza expressa e lealdades férreas, esteriliza toda construção coletiva. E o sectarismo que o acompanha, com sua intolerância mística, transforma qualquer nuance em traição. O resultado é uma democracia sitiada, em uma trincheira; um presente sitiado, um futuro sem construção.

Talvez o problema não seja que tudo o que é sólido se desfaça no ar, mas que multidões tenham aprendido a respirar esse ar viciado como se fosse oxigênio. Em vez de construir alicerces, elas buscam sinais; em vez de debater, seguem hashtags; em vez de votar, idolatram. O desafio, então, não é escolher entre um messias ou outro, mas reaprender a viver sem nenhum dos dois.

Porque, adorando salvadores, ninguém nos salva.

*Emilio Cafassi é professor sênior de sociologia na Universidade de Buenos Aires.


Messias à venda – 15/06/2025 – 1/1
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