Por ISAÍAS ALBERTIN DE MORAES*
Comentário sobre o livro de Luiz Carlos Bresser-Pereira
1.
Desde seus primeiros artigos e livros, Luiz Carlos Bresser-Pereira se destacou não apenas como um economista, mas também como um perspicaz intérprete das complexas dinâmicas da economia política. Com seu último livro, Novo Desenvolvimentismo: introduzindo uma nova teoria econômica e economia política,ele não apenas reafirma sua posição como notável economista do desenvolvimento, mas se afirma como um teórico de primeira linha, formulando uma visão coerente, singular e inovadora sobre o papel do Estado e da economia política no processo de superação do subdesenvolvimento.
Os economistas de países periféricos, muitas vezes, limitam-se a refletir sobre a realidade de suas nações, baseando-se em teorias e experiências desenvolvidas nos centros econômicos globais. Bresser-Pereira, ao longo de décadas, tem consistentemente desafiado essa limitação, expandindo suas análises para além da ortodoxia liberal e, até mesmo, da heterodoxia tradicional que predomina nas linhas de pesquisa convencionais. Com este livro, ele solidifica uma realização rara nas ciências econômicas: consolida-se como o fundador de uma nova teoria econômica, o Novo Desenvolvimentismo, na qual é o principal teórico.
O Novo Desenvolvimentismo pode ser considerado como uma nova teoria do desenvolvimento. No livro, Bresser-Pereira (2024, p. 15-16) explica que o Novo Desenvolvimentismo abrange tanto uma teoria econômica quanto uma economia política. A teoria econômica “[…] visa definir em termos abstratos o processo de produção de bens e serviços, a distribuição da renda gerada por essa produção na forma de salários, lucros e rendas, e a estabilidade dos sistemas econômicos”. Já a economia política, por sua vez, preocupa-se com o “[…] processo histórico de desenvolvimento capitalista, a formação do estado-nação e a revolução industrial – que juntos formam a Revolução Capitalista – e o papel dos capitalistas, dos gestores e da classe trabalhadora nesse processo”.
A partir desse entendimento, Bresser-Pereira estrutura sua obra em dezesseis capítulos dedicados tanto à teoria econômica quanto à economia política do Novo Desenvolvimentismo. Exceto o primeiro capítulo, que apresenta o método e as principais escolas do pensamento econômico, os capítulos subsequentes podem ser divididos entre discussões e estudos sobre economia política (capítulos 2, 3, 4, 15 e 16) e sobre teoria econômica (capítulos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14). Essa organização permite ao livro fornecer uma análise abrangente, integrando de forma coesa as dimensões econômicas e políticas da teoria.
2.
Nos capítulos dedicados à economia política, um dos pontos centrais é a defesa da importância de um Estado Desenvolvimentista, responsável por coordenar o mercado com vistas ao desenvolvimento econômico. Para Bresser-Pereira (2024, p. 109), “O Estado desenvolvimentista, que se situa entre o Estado liberal e o estatismo, é uma forma superior de organização econômica e política capitalista”.
Essa perspectiva evidencia a necessidade de uma atuação ativa do Estado na promoção e na manutenção do desenvolvimento, indo além tanto da visão de mercado autorregulado quanto da economia planificada. O Novo Desenvolvimentismo, assim, propõe uma reavaliação do papel do Estado, buscando afastar-se tanto do neoliberalismo quanto das abordagens estatistas tradicionais, encontrando um caminho intermediário que fortaleça a capacidade estatal sem sufocar a dinâmica de mercado.
Ainda na questão da economia política, Bresser-Pereira afirma que sua teoria é essencialmente nacionalista e anti-imperialista. A análise do imperialismo, que já era presente em alguns de seus trabalhos, amadurece aqui, firmando-se como um dos pilares da teoria do Novo Desenvolvimentismo.
A crítica ao imperialismo é essencial para compreender os mecanismos pelos quais as economias periféricas são mantidas em uma posição de dependência, impedindo a ampliação, a integração e a sofisticação de suas estruturas produtivas.
Neste novo livro, Bresser-Pereira aborda com mais detalhes as questões ambientais e o crescente aumento da desigualdade social à luz de sua teoria. Ele aborda como o Novo Desenvolvimentismo precisa necessariamente incorporar essas preocupações, reconhecendo as limitações da ortodoxia liberal, especialmente o neoliberalismo, que contribuiu para a concentração de riqueza e negligenciou as mudanças climáticas.
Bresser-Pereira argumenta que o Novo Desenvolvimentismo deve ser concebido de forma a enfrentar os desafios ecológicos globais e promover uma justiça social mais equitativa, tornando claro que o desenvolvimento econômico não pode se dissociar da sustentabilidade ambiental e da redução das desigualdades.
Nos capítulos voltados à teoria econômica, um dos principais aspectos é a ênfase na necessidade de as economias periféricas adotarem uma macroeconomia voltada para o desenvolvimento. Bresser-Pereira organiza essa abordagem em torno dos cinco preços macroeconômicos: (i) taxa de juros, (ii) taxa de inflação, (iii) taxa de lucro, (iv) taxa de salários e (v) taxa de câmbio.
Esses elementos são discutidos ao longo de cinco capítulos, com a questão cambial recebendo atenção especial, sendo abordada de maneira aprofundada em dois deles. Ao focar nos cinco preços macroeconômicos, Bresser-Pereira demonstra como a correta gestão macroeconômica é crucial para o sucesso do desenvolvimento econômico, realçando, em particular, a importância da política cambial como um dos pilares centrais do Novo Desenvolvimentismo.
Uma das principais metáforas usadas em sua argumentação é a noção de que a taxa de câmbio real funciona como um interruptor, conectando ou desconectando as empresas que utilizam a melhor tecnologia disponível aos seus respectivos mercados. A taxa de câmbio, desse modo, precisa orbitar em torno de um equilíbrio industrial, caso contrário o processo de ampliação, de integração e de sofisticação da estrutura produtiva fica sempre incompleto ou até mesmo regride (desindustrialização).
O diagnóstico central que orienta o foco do Novo Desenvolvimentismo na taxa de câmbio é a constatação de que os países periféricos, especialmente os exportadores de commodities,sofrem de uma tendência crônica à sobrevalorização da taxa real de câmbio. A taxa fica adequada para as commodities, mas nos momentos de forte elevação destas, como tende a ocorrer ciclicamente, a doença holandesa se manifesta e o setor industrial da economia se torna inviabilizado.
3.
Neste livro, Bresser-Pereira expande seu conceito de doença holandesa. Em trabalhos anteriores ele a definia como a diferença entre o equilíbrio industrial (aquela taxa que torna competitivas as empresas industriais que utilizam a melhor tecnologia) e o equilíbrio corrente, que zera a conta corrente do país.
Agora, ele propõe uma versão estendida na qual a medida da doença holandesa é a diferença entre o equilíbrio industrial e o equilíbrio de dívida externa – a taxa de câmbio compatível com um déficit na conta corrente que não provoca o aumento da dívida externa em relação ao PIB. Essa é a taxa de câmbio que os países periféricos procuram adotar formal ou informalmente, com o apoio da ortodoxia liberal.
Outro ponto em que o autor se concentra é na questão da política fiscal e sua diferenciação de austeridade. Bresser-Pereira argumenta que a política de austeridade, incentivada frequentemente pelos países centrais e organismos internacionais para as economias periféricas, não apenas fracassa em resolver os problemas fiscais desses países, como impõe uma lógica perversa que enfraquece a capacidade do Estado em investir em setores estratégicos e impulsionar o crescimento de longo prazo.
Para Bresser-Pereira, a austeridade, longe de ser uma solução racional para crises fiscais, assume características de um vício: uma dependência dogmática em cortes de gastos que ignora as complexidades das economias periféricas e suas necessidades de desenvolvimento estrutural. É a “síndrome da austeridade”.
O autor critica o fato de que, sob o domínio dessa síndrome, o Estado acaba abrindo mão de seu papel fundamental que é de coordenar e de regular o desenvolvimento econômico, tornando-se refém de um ciclo de endividamento e dependência.
Esse falso “consenso macroeconômico”, que predomina sobretudo nas economias latino-americanas, criou arranjos rígidos perpetuando a estagnação ao manter juros reais elevados e uma moeda sobrevalorizada, inviabilizando, assim, o processo de catching-up da região. A superação da “síndrome da austeridade”, portanto, é vista pelo autor como um dos pré-requisitos para que os países periféricos alcancem um desenvolvimento econômico robusto e sustentado.
Contudo, Bresser-Pereira enfatiza que superar a “síndrome da austeridade” não é sinônimo de permitir o populismo econômico. Nesta nova obra, mais uma vez, ele analisa o fenômeno do populismo econômico, criticando-o como uma abordagem irresponsável que, embora busque responder às pressões sociais imediatas, compromete o desenvolvimento econômico de longo prazo.
Para Bresser-Pereira, o populismo econômico cria ciclos de expansão e crises que acabam reforçando a inflação e a vulnerabilidade externa das economias periféricas. Ele observa que a implementação de políticas populistas frequentemente ignora a necessidade de um controle rigoroso sobre os cinco preços macroeconômicos, resultando em distorções que afetam negativamente o equilíbrio econômico.
Nesse sentido, o autor defende que o Novo Desenvolvimentismo deve se distanciar da “síndrome da austeridade” ao mesmo tempo que evita práticas populistas. Ele deve, dessa maneira, adotar políticas econômicas responsáveis e sustentáveis que equilibrem justiça social com a manutenção da estabilidade macroeconômica, promovendo, assim, um crescimento sustentável e inclusivo.
Nesta obra, Bresser-Pereira, ademais, inova ao apresentar um breve esboço de uma microeconomia do Novo Desenvolvimentismo, uma área raramente explorada em teorias econômicas que se dedicam ao desenvolvimento. Ele enfatiza a importância de compreender as interações entre agentes econômicos, as decisões de investimento e os mecanismos de distribuição de renda dentro de um quadro institucional específico, moldado pelas particularidades dos países em desenvolvimento.
Isso marca uma infante evolução na teoria, que tradicionalmente se concentrava na macroeconomia, ampliando seu escopo para englobar aspectos microeconômicos essenciais para o funcionamento do modelo desenvolvimentista.
O autor, além disso, avança ao esboçar um modelo de crescimento econômico do Novo Desenvolvimentismo, mas que ainda carece de ampliação e de aprimoramento. Atualmente, esse modelo foca em descrever a taxa de investimento. Ao expandir esse modelo, Bresser-Pereira poderá oferecer uma compreensão mais holística do crescimento econômico, fortalecendo assim a proposta do Novo Desenvolvimentismo e contribuindo para a consolidação de sua teoria.
4.
Nota-se que, ao longo dos capítulos do livro, fica evidente que a obra se sobressai como uma empreitada ousada, inovadora e corajosa no campo das teorias do desenvolvimento econômico. Bresser-Pereira entrega uma análise bem fundamentada, mas também deixa claro que o Novo Desenvolvimentismo é uma teoria em construção.
Existem aspectos muito bem consolidados, sobretudo na macroeconomia, mas há outros que precisam ser problematizados, ampliados e aprofundados. Assim, embora a obra se demonstre madura, ela não se apresenta como um ponto final, mas como uma base sólida e um ponto de partida para futuros trabalhos e pesquisas nesse campo.
O livro, além disso, permite evidenciar que Bresser-Pereira, ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional, moveu-se para uma postura heterodoxa radical sem, contudo, sucumbir a um populismo econômico vulgar.
Com uma carreira que abrange a gestão de um grande grupo empresarial, atuações na administração pública com passagem por diversos ministérios, além de sua atuação como pesquisador e professor na Fundação Getúlio Vargas, ele consegue reunir experiências e conhecimentos ímpares que lhe permite analisar criticamente a realidade econômica e solidificar sua posição na heterodoxia.
Destacar a trajetória de Bresser-Pereira, que atualmente está com 90 anos, é fundamental, pois demonstra seu compromisso com a ciência e a busca pela verdade, além de evidenciar sua disposição em revisitar e flexionar seus próprios pressupostos e subjetividades.
Essa postura é rara entre os acadêmicos no Brasil, mas é o que torna sua contribuição ainda mais significativa. Essa trajetória e compromisso permitiram que ele conseguisse desenvolver uma teoria original e singular, oferecendo uma análise rigorosa e bem fundamentada dos desafios enfrentados pelas economias subdesenvolvidas.
Este livro, portanto, é digno de estudo, de análise, de reflexão e, claro, de expansão. Bresser-Pereira oferece uma teoria que, apesar de esperançosa, não ignora as dificuldades práticas, evitando cair em um otimismo utópico e ingênuo.
O Novo Desenvolvimentismo revela-se primordial, especialmente para jovens acadêmicos, policymakers e todos aqueles que buscam entender mais profundamente as dinâmicas do desenvolvimento econômico. A obra surge como um facho de luz em um cenário onde muitos afirmam haver um apagão de ideias e de projetos para as economias periféricas.[i]
*Isaías Albertin de Moraes é professor do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do ABC e pós-doutorando na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP).
Referência

Luiz Carlos Bresser-Pereira. Novo desenvolvimentismo – introduzindo uma nova teoria econômica e economia política. São Paulo, Editora contracorrente, 2024, 348 págs. [https://amzn.to/3Le7qN7]
Nota
[i] Texto publicado originalmente em História Econômica & História de Empresas, v. 28, n. 2, 2025. DOI: 10.29182/hehe.v28i2.1014. Disponível em: https://www.hehe.org.br/index.php/rabphe/article/view/1014
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