O ataque ao Irã

Imagem: Lara Jameson
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Por DIEGO RABELO*

O ataque ao Irã é um recado contra a multipolaridade, contra os povos do Sul Global e, principalmente, contra o projeto de soberania energética e geopolítica dos BRICS

1.

Por trás de cada míssil lançado contra o Irã, não há apenas pólvora, ódio ou disputas regionais: há um recado claro e perigoso enviado ao sistema internacional – um recado contra a multipolaridade, contra os povos do Sul Global e, principalmente, contra o projeto de soberania energética e geopolítica dos BRICS.

A ofensiva recente contra o território iraniano, supostamente conduzida por Israel, não pode ser lida como um simples episódio de confronto entre duas nações. Trata-se de uma operação que visa atingir o coração pulsante de um mundo que ousa dizer “não” à hegemonia unipolar ocidental.

Israel não agiu sozinho – e sequer teria capacidade de fazê-lo. O eixo central que articula Estados Unidos e Israel é, na prática, indivisível. São tentáculos do mesmo corpo imperial. Não há uma relação de “quem manda em quem”: o que existe é um sistema de dominação unificado, com cadeias de comando e interesses absolutamente convergentes.

O Estado que se autointitula “Israel” é uma entidade artificial, expansionista, que jamais sobreviveria sem o financiamento, a inteligência e o respaldo diplomático norte-americanos.

O ataque ao Irã já ocorreu – e não foi um simples episódio regional, mas uma agressão cirúrgica, profundamente coordenada, que visou desestabilizar um dos pilares energéticos e geopolíticos dos BRICS. Foi um golpe real, não simbólico, contra a possibilidade de um mundo multipolar. O que está em jogo não é o Irã isoladamente, mas a estrutura estratégica que sustenta alternativas à dominação ocidental.

É preciso ter coragem para dizer o óbvio que tantos evitam: o sionismo, enquanto ideologia política de dominação territorial, exclusão étnica e supremacia racial, tem mostrado ao mundo um grau de violência, persistência e cinismo que supera, em vários aspectos, o próprio nazismo. E por uma razão simples: enquanto o nazismo foi derrotado e condenado globalmente, o sionismo goza de imunidade diplomática e apoio irrestrito dos centros financeiros e militares do Ocidente.

A entidade sionista não hesita em usar escudos humanos – sejam civis palestinos, sejam seus próprios cidadãos – para ocultar suas infraestruturas militares. No ataque ao Irã, mais uma vez ficou evidente a tática de se esconder atrás de subterfúgios “defensivos”, para justificar ações ofensivas de grande escala. Mas o povo iraniano respondeu à altura, desmascarando a operação e demonstrando que o inimigo, embora protegido por camadas de propaganda, não é invulnerável.

Israel não é invencível. Ele apenas age com arrogância porque acredita, corretamente, que será protegido por seus patronos.

2.

E o que fazem os governos árabes diante dessa situação? A resposta é dolorosa, mas necessária: nada. São vendidos e covardes – e, em muitos casos, ambas as coisas. A liderança política do mundo árabe tornou-se um simulacro de soberania, dobrada aos interesses financeiros e militares dos EUA e seus aliados. Emirados que sustentam a guerra no Iêmen, reinos que silenciam sobre o genocídio na Palestina, governos que se alinham a Washington em troca de proteção ilusória. A traição é a regra, não a exceção.

No Brasil, os grandes conglomerados midiáticos não fazem melhor. Ao contrário: são cúmplices ativos na narrativa que transforma agressores em vítimas e colonizados em ameaças. O Globo, Folha, Estadão, CNN Brasil – todos operam como agências de relações públicas para o imperialismo anglo-sionista.

São incapazes de chamar um massacre de massacre, ou de reconhecer que o “Estado de Israel” é, de fato, um projeto de limpeza étnica contínua, apoiado pelo capital internacional. O papel da mídia brasileira, nesse contexto, é abjeto: anestesiar a população, impedir o pensamento crítico, e garantir que o Brasil continue sendo um país vassalo e sob controle do lobby sionista.

Entre as poucas nações que ainda ousam erguer a voz contra esse sistema de dominação, a Coreia do Norte representa, paradoxalmente, um exemplo a ser estudado. A estratégia de dissuasão desenvolvida por Pyongyang, baseada na capacidade real de responder com força a qualquer agressão, é o que tem impedido sua destruição total – como ocorreu com a Líbia de Kadafi, a Síria de Assad, ou o Chile de Allende. Todos os países que ousaram seguir caminhos autônomos, sem uma retaguarda militar sólida, foram devorados pelo imperialismo.

A lição é clara: ou você constrói uma força dissuasiva real, como a Coreia do Norte fez, ou você será transformado em colônia, laboratório ou cemitério. O Japão, a Coreia do Sul e vários outros Estados são hoje apenas plataformas logísticas para os EUA. A soberania nesses territórios é apenas uma fachada – as decisões estratégicas são tomadas no Pentágono ou nos tresloucados grupos de pressão que determinam decisões independentemente do governo de ocasião, seja democrata ou republicano.

Neste momento histórico, a bola está com a Rússia e a China. A pergunta que paira sobre o mundo é: até quando essas potências tolerarão a destruição sistemática dos pilares energéticos, políticos e militares do novo mundo multipolar?

O Irã é peça-chave nesse tabuleiro. Atacá-lo impunemente significa enfraquecer os BRICS, retardar (ou impedir) a emergência de um sistema internacional mais justo, onde os povos possam decidir seu próprio destino.

Será Moscou capaz de proteger esse coração estratégico? Pequim permanecerá calculando riscos ou assumirá o papel de liderança ativa no enfrentamento ao imperialismo? A resposta a essas perguntas definirá o século XXI.

E aos que ainda idealizam figuras do passado, vale uma última reflexão. Stalin, muitas vezes tratado como herói do antifascismo, foi também um dos grandes responsáveis pela ascensão do nazismo na Alemanha – ao sabotar a revolução alemã e afundar a frente entre comunistas e sociais democratas para conter os nazistas. Também, em nome de uma aliança geopolítica momentânea, apoiou a criação do Estado de Israel em 1948.

O ataque ao Irã é um chamado ao despertar. Não se trata de defender um governo ou uma ideologia específica – trata-se de reconhecer onde estão os inimigos reais dos povos, e de se posicionar ao lado da resistência, da soberania e da verdade.

Em nome do equilíbrio, da paz, da autodeterminação dos povos, o Irã nuclearizado seria o melhor resultado que este processo decisivo poderia produzir para os povos do sul global, ainda que este tema seja um mero pretexto para destruir o país Persa.

*Diego Rabelo é professor do Departamento de Museologia Conservação e Restauro da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).


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