O distante amanhecer

Imagem: Elyeser Szturm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por Alexandre Aragão de Albuquerque*

O ultraliberalismo de Guedes, o punitivismo policialesco de Moro, combinados com o fundamentalismo da extrema-direita de Bolsonaro estão desmantelando as bases da Constituição.

O ano de 2020 tem entre suas marcas indeléveis a celebração do centenário do nascimento do grande paraibano Celso Furtado, doutor em economia pela Universidade de Paris-Sorbonne, membro da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), diretor do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE), fundador da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), Ministro do Planejamento do governo João Goulart, Ministro da Cultura do governo José Sarney, tendo sido um dos milhares de perseguidos políticos durante a ditadura militar de 1964-1985. Uma frase que marca a sua trajetória humana: “Pensar o Brasil foi o desafio que sempre guiou a minha reflexão”.

O longo amanhecer, livro publicado em 1999 pela editora Paz e Terra, constitui-se num conjunto de ensaios que pretendem responder a seguinte questão: qual a margem de autonomia que resta a nós brasileiros na condução de nosso país? Essa pergunta gera-se por meio da constatação de que a contínua redução da autonomia nacional torna cada vez mais difícil a superação de nosso subdesenvolvimento, de nossa estrutura nacional heterogênea e desigual.

Como lembra João Henrique dos Santos, para Furtado o planejamento estatal é fundamental para a autonomia nacional porque o mercado não irá substituir o Estado, principalmente no que se refere às políticas sociais, pois a lógica do mercado constitui-se na maximização de vantagens econômicas egoístas enquanto que o desenvolvimento social é aquilo que mais importa para uma nação autônoma.

Desde o Golpe de abril de 2016, transcorre no Brasil o desmantelamento de políticas de distribuição de renda e programas sociais implantados pelos governos do PT (2003-2014), decorrentes das determinações de nossa Constituição Cidadã de 1988, pela qual retomamos nosso o caminho de nosso amanhecer democrático.

A partir de 2019, com a chegada ao poder do ultraliberalismo (Paulo Guedes) e da extrema-direita aliada ao fundamentalismo religioso (Jair Bolsonaro), estão a produzir uma aceleração desse desmantelamento, por exemplo, pelas retiradas de direitos individuais e sociais conforme as reformas trabalhista e previdenciária perpetradas, como também pela grave e longa recessão econômica de elevado custo social (25 milhões de desempregados e subempregados) com forte aumento da concentração de renda. E ainda com o conjunto de propostas de lei, pelas mãos de Sérgio Moro, visando a uma ampliação do poder policial “punitivista” do aparato estatal contra a população em geral, para em última instância criminalizar as ações e pautas de luta dos movimentos sociais.

No dia 02 de março de 2020 tivemos a oportunidade de conhecer um pouco mais de perto alguns aspectos dos bastidores daqueles que estão à frente do poder central, na última entrevista concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura – SP, pelo ex-ministro Gustavo Bebiano, coordenador geral da campanha presidencial de Jair Bolsonaro, antes de sua morte prematura no dia 14 deste mesmo mês.

Em uma de suas intervenções, afirmou textualmente que em relação à acusação que Bolsonaro está espalhando de que Bebiano teria ligação com o episódio da dita facada de Juiz de Fora, “o seu advogado estava preparando uma interpelação ao presidente para ele esclarecer em juízo, porque ele não tem a coragem de dizer em público, revelando-se um homem extremamente covarde”. Para Bebiano a covardia é uma das marcas do gestor principal do governo federal. Continua: “Ou covarde, ou maluco. Em qualquer das duas hipóteses, acho muito ruim para o país ser gerido por uma pessoa que tem esse tipo de postura tão irresponsável”.

Em outra intervenção, Gustavo Bebiano advertiu abertamente em rede nacional: “A sua arrogância (de Bolsonaro) está em ele se considerar um Messias – ele acredita nisso – não só no nome, mas como um papel divino, ele acredita que ele é o Salvador do Brasil, e acha que todos aqueles que criticam alguma coisa, estão contra o Brasil. Então ele se coloca como se ele fosse o Brasil”. E conclui: “Enquanto ele (Bolsonaro) estava no Congresso, o problema era o governo; agora ele está no governo, o problema é o Congresso. O presidente, às vezes, mente”. Quantas vezes? Faltou a Bebiano explanar mais profundamente a relação de mentiras e com que propósitos foram e são praticadas por Bolsonaro.

O grande escritor português José Saramago, em uma apresentação pública de sua obra Ensaio sobre a cegueira (Companhia das Letras), assim se manifestou: “Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sinta como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura sofrida. É um livro brutal e violento. É uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer nossas cegueiras”.

No Brasil do tempo presente, quem ainda tiver olhos para ver, veja, pois o amanhecer está cada vez mais distante, principalmente quando temos grupos que mentem sistematicamente para uma infinidade de pessoas que acreditam piamente em suas mentiras, em vez de encarar a verdade. A verdade nos permite assumir processos de libertação. Alguns, infelizmente, preferem manterem-se na ilusão, como escravos.

*Alexandre Aragão de Albuquerque é mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Jorge Branco Celso Favaretto Marcos Aurélio da Silva Alexandre de Freitas Barbosa Maria Rita Kehl Gilberto Lopes José Machado Moita Neto Luiz Eduardo Soares Celso Frederico Lincoln Secco Fernão Pessoa Ramos Andrew Korybko Airton Paschoa Leonardo Avritzer Eugênio Bucci Atilio A. Boron Francisco Fernandes Ladeira André Márcio Neves Soares Michael Löwy Dennis Oliveira Flávio Aguiar Alexandre Aragão de Albuquerque Milton Pinheiro José Luís Fiori Alysson Leandro Mascaro Thomas Piketty Osvaldo Coggiola Leonardo Boff Valerio Arcary José Costa Júnior Paulo Martins Armando Boito Antonio Martins Michael Roberts Gerson Almeida Ricardo Musse Otaviano Helene Daniel Costa Carlos Tautz Mário Maestri Slavoj Žižek José Geraldo Couto Leonardo Sacramento Tales Ab'Sáber Ladislau Dowbor Carla Teixeira Chico Whitaker Plínio de Arruda Sampaio Jr. Luiz Marques Luiz Carlos Bresser-Pereira Eleonora Albano Mariarosaria Fabris Caio Bugiato Priscila Figueiredo Leda Maria Paulani Vladimir Safatle Gabriel Cohn Claudio Katz Luis Felipe Miguel Benicio Viero Schmidt Bernardo Ricupero Annateresa Fabris Ricardo Abramovay Ricardo Fabbrini Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Vanderlei Tenório Marjorie C. Marona Liszt Vieira Eleutério F. S. Prado Igor Felippe Santos Yuri Martins-Fontes João Feres Júnior Lucas Fiaschetti Estevez Ricardo Antunes Marcus Ianoni Antônio Sales Rios Neto Paulo Nogueira Batista Jr Henry Burnett Marcos Silva Antonino Infranca Renato Dagnino Jean Pierre Chauvin Dênis de Moraes Francisco Pereira de Farias Paulo Fernandes Silveira Remy José Fontana Henri Acselrad Kátia Gerab Baggio Valerio Arcary José Dirceu Marilena Chauí Manuel Domingos Neto Eliziário Andrade Luís Fernando Vitagliano Lorenzo Vitral Fábio Konder Comparato José Raimundo Trindade Ari Marcelo Solon Gilberto Maringoni Anselm Jappe Luiz Bernardo Pericás José Micaelson Lacerda Morais Berenice Bento João Adolfo Hansen Fernando Nogueira da Costa Daniel Afonso da Silva João Sette Whitaker Ferreira Ronaldo Tadeu de Souza Eugênio Trivinho Denilson Cordeiro Matheus Silveira de Souza Daniel Brazil Flávio R. Kothe Heraldo Campos Sandra Bitencourt Manchetômetro Tadeu Valadares Érico Andrade Luiz Roberto Alves Paulo Capel Narvai João Paulo Ayub Fonseca Luciano Nascimento Michel Goulart da Silva João Carlos Loebens Sergio Amadeu da Silveira Jorge Luiz Souto Maior Vinício Carrilho Martinez Afrânio Catani Andrés del Río Julian Rodrigues Juarez Guimarães Alexandre de Lima Castro Tranjan Luiz Werneck Vianna Marcelo Módolo Samuel Kilsztajn Bruno Fabricio Alcebino da Silva Rubens Pinto Lyra João Carlos Salles Jean Marc Von Der Weid Boaventura de Sousa Santos Marilia Pacheco Fiorillo Marcelo Guimarães Lima Chico Alencar Luiz Renato Martins Walnice Nogueira Galvão Ronald Rocha Bento Prado Jr. Rodrigo de Faria Paulo Sérgio Pinheiro Elias Jabbour Eduardo Borges Bruno Machado Tarso Genro João Lanari Bo Francisco de Oliveira Barros Júnior Everaldo de Oliveira Andrade Salem Nasser Ronald León Núñez André Singer Rafael R. Ioris

NOVAS PUBLICAÇÕES