a terra é redonda

O “imprecionismo” de Abraham Weintraub

Por Alex Frechette*

Distorcer as memórias da ditadura, atacar os direitos civis, questionar a Constituição de 1988, fazer apologia do autoritarismo e tentar desumanizar a esquerda são das características do bolsonarismo das redes sociais.

O impressionismo foi
um movimento artístico que utilizou princípios técnicos para entender os
fenômenos da luz e cor, e que a
posteriori
teve a intenção de atrelar a pintura às leis científicas do
estudo da visão. Os pintores impressionistas saíram dos seus estúdios e levaram
seus tripés, telas e tintas para a rua, para tentar captar com o máximo de
agilidade as diferenças da luz do dia na paisagem. O nome desse movimento é
derivado da obra Impressão: nascer do sol
(1872), de Claude Monet.

Como um possível
movimento incipiente, o “imprecionismo” parece ser uma atividade política
advinda do bolsonarismo que se utiliza de princípios abertamente não
científicos para provocar todo tipo de desentendimento. Os bolsonaristas, que
idolatram a ignorância, deixaram a timidez de lado e foram para a internet,
utilizando o Twitter, o Facebook e o YouTube, entre outras ferramentas, para publicizar
seus absurdos. O nome deste possível movimento é derivado do tuíte que ficou
conhecido como “Impreção” (2020), de Abraham Weintraub.

Nesse tuíte Weintraub
respondia a um elogio de Eduardo Bolsonaro, que não perdeu tempo para expor
mais uma vez sua fixação: o “uso defensivo de armas”. Eduardo sugeria a
inserção deste tópico no novo programa que o Ministério da Educação criou.

A resposta de
Abraham: “Caro @BolsonaroSP, agradeço seu apoio. Mais imprecionante: não havia
a área de pesquisa em Segurança Pública. Agora, pesquisadores em mestrados,
doutorados e pós-doutorados poderão receber bolsas para pesquisar temas, como o
mencionado por ti, que geram redução de criminalidade”.

Não sei nem se é
preciso dizer que, é claro, há uma extensa produção acadêmica em segurança
pública, inclusive financiada pelo Capes. Mas o simplismo do ministro faz parte
de uma das regras do bolsonarismo: dizer uma coisa e depois explicar que não
foi bem assim, que nós é que somos os energúmenos, nós e o Paulo Freire. Outro exemplo
foi quando Bolsonaro disse, em 30 de julho de 2019, em uma entrevista
televisionada: “A questão de 64, não existe documentos de matou, não matou…Isso
aí é balela. Não tem nada escrito que foi isso, foi aquilo”.

Depois Bolsonaro
disse que o pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, tinha sido morto por
um grupo de esquerda. Questionado, afirmou que tinha ouvido falar naquilo e que
aquele era seu “sentimento”. O atestado de óbito de Fernando Santa Cruz,
emitido alguns dias antes da fala de Bolsonaro, dizia: “… em razão de morte não
natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro”. No relatório ainda havia a
declaração de Claudio Guerra, ex-delegado do Departamento de Ordem Política e
Social (DOPS-ES), que, em depoimento em 2014, disse que o corpo de Fernando
Santa Cruz Oliveira tinha sido incinerado na Usina Cambahyba, situada em Campos
dos Goytacazes.

Mas contrariar as memórias da ditadura,
atacar os direitos civis, questionar a Constituição de 1988, fazer apologia
do uso do autoritarismo e tentar desumanizar a esquerda são apenas algumas das características
do bolsonarismo advindo da deep web do WhatsApp – e pode-se incluir neste
guarda-chuva bolsonarista o possível Movimento Imprecionista de Weintraub.

O movimento impressionista e o
movimento criado por Weintraub parecem ser, assim, completamente antagônicos. O
criador deste último movimento já disse que o seu cachorro era esquerdista (estratégia
de desumanização) e que as “propostas” deste ele jogava no lixo. Que Paulo
Freire era “feio”, falando sobre um monumento em sua homenagem, sugerindo que a
imagem serviria de decoração de Halloween – e oferecendo para nós, gratuitamente,
sua teoria estética bem elaborada.

Fez-nos lembrar de Paulo
Guedes, outro esteta, que, reafirmando Bolsonaro, falou que Brigitte Macron era
“feia mesmo”. Weintraub já disse a uma seguidora que sua mãe era uma “égua
sarnenta e desdentada”, atacou de “suspenção” e “paralização” no Twitter e, de Kafta,
ao invés de Kafka numa conferência, afirmou que as universidades federais do
Brasil possuem plantações extensivas de maconha a ponto de precisar de
borrifador de agrotóxico, sem ter nenhuma prova.

No dia 13 de janeiro, Weintraub disse que os concursos públicos selecionam pessoas com viés de
esquerda, em um vídeo publicado por Bolsonaro. Este, assinando embaixo, escreveu:
“Doutrinação e mentiras até nos concursos”. Guilherme Boulos ressaltou, então, um
detalhe: “Weintraub foi selecionado por concurso público para professor na
Unifesp (por incrível que pareça). Seu problema não é só com a língua
portuguesa. É com a lógica, a moral e o senso de ridículo”. Ou seja, de acordo
com a lógica exposta por Weintraub, talvez ele mesmo seja de esquerda. Mas isso
segundo nossa interpretação, nós que nos agarramos à lógica “tradicional”. A
epistemologia bolsonarista, ou seja, a forma como se acredita naquilo que se
acredita, quer transcender a logicidade.

Eles sempre estão acima dos fatos.

O movimento artístico impressionista europeu
(formado entre 1860-1870) teve nomes como os pintores Monet, Renoir, Degas,
Cézanne, Pissarro e Sisley. Diz Giulio Carlo Argan, em seu livro Arte moderna (Companhia das Letras):
“Pissarro era de esquerda; Degas, conservador; outros, indiferentes”.

Insistirei aqui na experimentação desta
analogia dissemelhante (impressionismo versus imprecionismo) uma vez que a
realidade e a consciência eram as principais questões do movimento artístico. Estas
problemáticas (realidade e consciência), sob viés oposto – a luta contra a
realidade e a consciência – parecem ser o principal mote da atividade política
proposta pelo ministro. Assim sendo, Weintraub é o algoz da própria pasta que
comanda.

A invenção da fotografia (1839) acarretou
uma crise no mundo da arte. Fotógrafos passaram a construir imagens de maneira
mais rápida e barata do que os pintores. A princípio, a fotografia era vista
por alguns como algo fiel, que representava a verdade, imparcialmente. Mas logo
atentou-se para o fato de que as máquinas fotográficas precisavam ser operadas
por alguém que tinha a sua própria visão de mundo. A teoria estava, então,
furada.

A história, em si, também não é contada
sem inclinações íntimas do historiador, mas este não pode tirar conclusões
partindo de um “sentimento”, como diz Bolsonaro. Sua interpretação se dá a
partir de um material documental, e quanto maior o seu rigor, a princípio,
maior a possibilidade de se domar as próprias inclinações.

O freio do historiador está na
avaliação de certas evidências. Por exemplo: antes da fotografia, havia a
dúvida sobre se os cavalos corriam tirando todas as patas do chão, ou não. Algumas
pinturas retratavam estes animais com as patas estiradas, como que planando
sobre o chão. Depois da sequência de fotografias de Eadweard
Muybridge, não
se pôde mais negar que os cavalos podiam, sim, por alguns segundos, tirar todos
os cascos do chão, mas Muybridge mostrou que as patas dianteiras dos cavalos
ficavam como que sendo puxadas, e as traseiras ficavam como que empurrando as
patas dianteiras. Estava marcado o princípio do cinema. Realidade e consciência
se entrelaçavam.

O empobrecimento da linguagem e nunca
seu desenvolvimento é sugerido pelo “impressionismo”, mas devo salientar que o
seu sentido não é generalístico, onde entendemos que todos somos passíveis de
erro – e erros de ortografia são comuns, e erros podem levar a coisas
interessantes. Um erro de ortografia pode ser relevado com facilidade se o
sujeito que comete o erro não for aquele que detém o posto de ministro da Educação.

Poderíamos promover uma ótima
discussão, inclusive, sobre preconceito linguístico, por exemplo, ou sobre a
questão dos livros didáticos (que “têm muita coisa escrita”, segundo o presidente),
ou mesmo sobre o preconceito intelectual. Mas como fazer tudo isso neste
cenário guiado por reduções, “intuições”, “sentimentos”? Quando o governo utiliza
a chacota como regra e desobriga-se de qualquer responsabilidade sobre qualquer
coisa (inclusive com a língua portuguesa), como não reagir ironicamente?

Algumas teorias indicam que o
bolsonarismo, o movimento do “politico” intuitivo, faz apenas armadilhas e
cortinas de fumaça, e somos reféns dele –assim como ele de nós, o que fica
claro em seu discurso antiesquerda e monotemático. O novo “empoderamento
conservador” (expressão de Esther Solano) que privilegia a religião, o
militarismo, a moralidade, acaba também por reduzir nossa complexidade crítica?

*Alex Frechette é artista plástico e escritor.

O “imprecionismo” de Abraham Weintraub – 31/01/2020 – 1/1
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