O prêmio Nobel de economia

Imagem: Helen Alp
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram
image_pdfimage_print

Por MICHAEL ROBERTS*

É preciso dizer que as teorias que avançam para a “recuperação do atraso” são vagas e, como tais, pouco convincentes

1.

Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson receberam, agora em 2024, o prêmio Nobel (que, na verdade, é o prêmio Riksbank) de Economia “por seus estudos sobre a formação das instituições e sobre como elas afetam a prosperidade”. Daron Acemoglu e Simon Johnson são professores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. James Robinson é professor da Universidade de Chicago, também nos Estados Unidos.

Eis o que os árbitros do Nobel dizem sobre o motivo da premiação: “Hoje, 20% dos países considerados mais ricos são cerca de 30 vezes mais ricos do que os 20% tomados como os mais pobres. As disparidades de renda entre os países têm sido fortemente persistentes nos últimos 75 anos. Os dados disponíveis também mostram que as disparidades de renda entre os países cresceram nos últimos 200 anos. Por que as diferenças de renda entre os países são tão grandes e por que elas são tão persistentes?”

“Os laureados deste ano foram pioneiros em uma nova abordagem que se mostrou capaz de fornecer respostas quantitativas e confiáveis para essa questão, que é obviamente importante para a humanidade. Eles examinaram empiricamente o impacto e a persistência das estratégias de desenvolvimento econômico adotadas por muitos países de baixa renda após a libertação do colonialismo. Verificaram, desse modo, que muitos deles criaram ambientes institucionais que classificaram de extrativistas. A ênfase no uso de dados históricos para apreender os experimentos institucionais, deu início a uma nova tradição de pesquisa que continua a ajudar a descobrir os impulsionadores históricos da prosperidade – ou de sua falta”.

“As pesquisas desses economistas se concentram na ideia de que as instituições políticas moldam de modo fundamental as condições que permitem a geração da riqueza das nações. Mas o que molda essas instituições? Empregando o saber existente no campo da ciência política sobre a reforma democrática, largamente baseado na teoria dos jogos, Acemoglu e Robinson desenvolveram um modelo dinâmico no qual a elite dominante toma decisões estratégicas sobre instituições políticas – particularmente sobre os processos eleitorais – em resposta às ameaças emergentes periodicamente. Essa estrutura teórica agora é padrão para analisar a reforma institucional política. E ela tem impactado significativamente no desenvolvimento da pesquisa nesse campo. Ora, as evidências estão aumentando em apoio a uma das principais implicações do modelo: governos mais inclusivos promovem o desenvolvimento econômico”.

2.

Ora, o que eu mesmo descobri examinando os ganhadores anteriores é que o vencedor ou a vencedora (mais raramente) – qualquer que seja a qualidade de seu trabalho – recebeu o prêmio não pelo melhor, mas geralmente pela pior parte de sua pesquisa. Eis que os trabalhos ganhadores sempre confirmavam a visão dominante sobre o mundo econômico atualmente existente, mesmo se não ia muito longe na compreensão das suas contradições inerentes.

Acho que essa conclusão se aplica aos últimos vencedores acima referidos. O trabalho pelo qual eles receberam o prêmio de um milhão de dólares consiste em pesquisas cujo sentido foi mostrar que os países que alcançaram a prosperidade e acabaram com a pobreza são aqueles que adotaram a “democracia”. Por democracia, entenda-se a democracia liberal de estilo ocidental, onde as pessoas podem falar (principalmente), podem votar em políticos profissionais, esperando que as leis protejam as suas vidas e propriedades (isso é bem esperado).

Nessa perspectiva, as sociedades que são controladas por elites que não tem qualquer responsabilidade democrática, que promovem a mera extração de recursos, que não respeitam a propriedade e o valor gerado na passagem do tempo, não prosperam. Os ganhadores do Nobel provaram essa tese por meio de uma série de artigos em que são apresentadas análises empíricas, as quais mostram a existência de correlação entre democracia (conforme definida) com os níveis de prosperidade.

De fato, os ganhadores do Nobel argumentam que a colonização do Sul Global nos séculos XVIII e XIX poderia ter sido “inclusiva”. Os países da América do Norte, por terem sido “inclusivos” se transformaram em nações prósperas (nessa prosperidade deve ser excluída, obviamente, a população indígena). Já os países do Sul, por terem sido “extrativistas”, permaneceram na pobreza (América Central e do Sul) ou mesmo na extrema pobreza (África). Para eles, tudo depende das instituições assim classificadas. Essa é a teoria que defendem.

Esse tipo de análise econômica é dito institucionalista. Ela prega que não são as forças cegas do mercado e da acumulação de capital que impulsionam o crescimento (e as desigualdades), mas as decisões e as superestruturas construídas pelos atores sociais. Com apoio nesse tipo de modelo, os atuais vencedores afirmam que as revoluções precedem as mudanças econômicas; para eles, não são as mudanças econômicas (ou a falta delas antes que um novo ambiente econômico seja criado) que precedem as revoluções.

3.

Dois pontos decorrem dessa análise. Eis o primeiro deles: se o crescimento e a prosperidade andam de mãos dadas com a “democracia”, como explicar o sucesso de países como a União Soviética, China e Vietnã se eles têm supostamente elites “extrativistas” e/ou antidemocráticas? Como esses nobres ganhadores de prêmios Nobel explicam tais desempenhos econômicos indubitáveis?

Aparentemente, eles o explicam pelo fato de que saíram de uma condição de extrema pobreza copiando tecnologia dos países mais desenvolvidos; contudo, após os primeiros saltos, o caráter extrativista de seus governos passa a fazer com que percam força? Bom, talvez acreditem que o hipercrescimento da China vai perder força logo. Talvez, isso esteja ocorrendo agora!

Em segundo lugar, é correto dizer que revoluções ou reformas políticas são necessárias para colocar as coisas no caminho da prosperidade? Bem, pode haver alguma verdade nisso: a Rússia do início do século XX chegaria aonde está hoje sem a revolução de 1917; a China, explorada pelo imperialismo britânico, chegaria ao ponto em que chegou, agora em 2024, sem a revolução de 1949. Ora, esses nobres ganhadores de prêmios Nobel não se referem a tais exemplos: eles preferem a Grã-Bretanha e os Estados Unidos como exemplos de países vencedores.

Contudo, o estado da economia, a forma como funciona, o investimento e a produtividade da força de trabalho também têm um efeito no progresso das nações. O capitalismo e a revolução industrial na Grã-Bretanha precederam a mudança em direção sufrágio universal, que só veio depois, após muita luta. A Guerra Civil Inglesa da década de 1640 lançou as bases políticas para a hegemonia da classe capitalista na Grã-Bretanha, mas foi a expansão do comércio (inclusive de escravos) e a colonização no século seguinte que produziram a prosperidade econômica.

A ironia deste prêmio é que o melhor trabalho de Acemoglu e Johnson veio somente mais recentemente. Mas os avaliadores do prêmio se concentraram em trabalhos mais antigos desses pesquisadores. Apenas no ano passado, os autores publicaram o livro Poder e progresso (Objetiva) (Power and Progress), no qual apresentam a contradição presente nas economias modernas entre a tecnologia que aumenta a produtividade do trabalho, mas também tende a elevar a desigualdade e a pobreza. É claro que as soluções políticas que propõem não tocam na questão da mudança nas relações de propriedade, mesmo se recomendam que precisa haver um maior equilíbrio distributivo entre o capital e o trabalho.

A favor dos vencedores deste ano vem o fato de que as suas pesquisas tentam entender o mundo econômico e o seu modo de desenvolvimento, ao invés de estabelecer algum teorema misterioso de equilíbrio, tal como já ocorreu. Muitos vencedores anteriores foram homenageados por tal tipo de contribuição esotérica. Contudo, é preciso dizer que as teorias que avançam para a “recuperação do atraso” são vagas (ou “contingentes” como eles próprios se referem) e, como tais, pouco convincentes.

Acho que há explicação muito melhor e bem mais persuasiva sobre o processo de recuperação do atraso econômico (ou do fracasso em obtê-lo) no recente livro dos economistas marxistas brasileiros Adalmir Antônio Marquetti, Alessandro Miebach e Henrique Morrone. Eis que eles produziram um livro importante e muito perspicaz sobre o desenvolvimento capitalista global. Criaram inclusive uma maneira inovadora de medir o progresso da maioria da humanidade no chamado Sul Global que almeja, sem poder, “recuperar o atraso” em relação aos padrões de vida em vigor no “Norte Global”.

O livro deles, Desenvolvimento desigual e capitalismo – Alçando ou ficando para trás na economia global (Unequal Development and Capitalism – Catching Up and Falling Behind in the Global Economy, Routledge), lida com várias variáveis que os atuais ganhadores do Nobel ignoram, ou seja, produtividade do trabalho e do capital, taxa de acumulação, troca desigual, taxa de exploração – bem como com o fator institucional mais importante, isto é, aquele que define quem controla o excedente, se esse controlador é de dentro ou de fora.

*Michael Roberts é economista. Autor, entre outros livros, de The great recession: a marxist view (Lulu Press) [https://amzn.to/3ZUjFFj]

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

Publicado originalmente em The next recession blog.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Discurso filosófico da acumulação primitiva
Por NATÁLIA T. RODRIGUES: Comentário sobre o livro de Pedro Rocha de Oliveira
A desobediência como virtude
Por GABRIEL TELES: A articulação entre marxismo e psicanálise revela que a ideologia atua "não como discurso frio que engana, mas como afeto quente que molda desejos", transformando obediência em responsabilidade e sofrimento em mérito
O anti-humanismo contemporâneo
Por MARCEL ALENTEJO DA BOA MORTE & LÁZARO VASCONCELOS OLIVEIRA: A escravidão moderna é basilar para a formação da identidade do sujeito na alteridade do escravizado
A situação futura da Rússia
Por EMMANUEL TODD: O historiador francês revela como previu "retorno da Rússia" em 2002 baseado em queda da mortalidade infantil (1993-1999) e conhecimento da estrutura familiar comunitária que sobreviveu ao comunismo como "pano de fundo cultural estável"
Inteligência artificial geral
Por DIOGO F. BARDAL: Diogo Bardal subverte o pânico tecnológico contemporâneo ao questionar por que uma inteligência verdadeiramente superior embarcaria no "ápice da alienação" do poder e dominação, propondo que AGI genuína descobrirá os "vieses aprisionantes" do utilitarismo e progresso técnico
O conflito Israel x Irã
Por EDUARDO BRITO, KAIO AROLDO, LUCAS VALLADARES, OSCAR LUIS ROSA MORAES SANTOS e LUCAS TRENTIN RECH: O ataque israelense ao Irã não é um evento isolado, porém mais um capítulo na disputa pelo controle do capital fóssil no Oriente Médio
As muitas vozes de Chico Buarque de Holanda
Por JANETHE FONTES: Se hoje os versos de Chico soam como crônica de um tempo superado, é porque não escutamos direito: o ‘cale-se’ ainda sussurra em leis de censura velada, o ‘amordaçamento criativo’ veste novas roupagens
Desnacionalização do ensino superior privado
Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: Quando a educação deixa de ser um direito para se tornar commodity financeira, 80% dos universitários brasileiros ficam reféns de decisões tomadas em Wall Street, não em salas de aula
Romper com Israel já!
Por FRANCISCO FOOT HARDMAN: O Brasil deve fazer valer sua tradição altamente meritória de política externa independente rompendo com o Estado genocida que exterminou 55 mil palestinos em Gaza
Modernização ao estilo chinês
Por LU XINYU: Embora o socialismo tenha se originado na Europa, a “modernização ao estilo chinês” representa sua implementação bem-sucedida na China, explorando formas de se libertar das amarras da globalização capitalista
Michelle Bolsonaro
Por RICARDO NÊGGO TOM: Para o projeto de poder neopentecostal, Michelle Bolsonaro já conta com a fé de muitos evangélicos de que ela é uma mulher ungida por Deus
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES