Opinião 65

Roberto Magalhães, Sem Título , 1965 , Reprodução fotográfica Paulo Scheuenstuhl
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por CELSO FAVARETTO*

Comentário sobre a exposição, marco histórico das artes plásticas no Brasil.

Mais que uma exposição de jovens e talentosos artistas brasileiros e de representantes estrangeiros do “novo realismo”, a mostra de 1965 foi o momento em que os artistas plásticos voltaram a “opinar”, artística e politicamente. Opondo-se, quase todos, à abstração, associavam-se às tendências internacionais de uma “nova figuração”, de renovação da imagem, inclusive com ressonâncias pop. De modo mais ou menos explícito, em boa parte deles a alusão ao contexto sociopolítico manifesta a atitude de inconformismo face à situação provocada pelo golpe de 1964.

Assim como ocorria em outras áreas artísticas e culturais, estes artistas respondiam ao imperativo do momento: articular linguagens que dessem conta da rearticulação estética e das exigências ético-políticas da reação ao regime militar. O imaginário da ruptura e da invenção imbricava o artístico e o político, pelo menos nas propostas mais eficazes: aquelas que, diferentemente da politização direta dos anos anteriores, não distinguiam renovação estética e crítica política.

A denominação do espetáculo-show, “Opinião”, de dezembro de 64, já criara o signo feliz: a música de Zé Kéti, cantada por Nara Leão e depois por Maria Bethânia, dava o mote para a contestação: “Pode me prender/pode me bater/que eu não mudo de opinião”. Uma opinião que, em toda parte, significava inconformismo e resistência, hoje desatualizados. Embora diversos na contundência, o show do Teatro de Arena e a exposição geraram direções para a maioria das manifestações que estenderam (e distenderam) o signo da contestação até dezembro de 1968.

À Opinião 65 seguiram-se Propostas 65, Opinião 66, Nova Objetividade Brasileira (1967) e outras. Heterogênea, sem constituir-se, propriamente, num movimento com unidade de pensamento, a atividade dos artistas plásticos constituiu uma posição específica da vanguarda brasileira, considerada por Hélio Oiticica “um fenômeno novo no panorama internacional”.

O específico e o novo referem-se ao modo como a redistribuição estética, processada em todos os centros artísticos, foi aqui transfigurada culturalmente, pois, além de veicular toda sorte de inovação, articulou a crítica da arte (e do sistema de arte) à contestação política com particular eficácia. É a proposta de participação coletiva, que desintegra o objeto da arte e implica redimensionamento dos protagonistas (artistas e público), que no Brasil foi novo e singular. Em Opinião 65 já havia mostras disso, pelo menos com os “parangolés” de Hélio Oiticica, muito embora obras de Escosteguy, Vergara, Gerchman, Antonio Dias e Flávio Império, por exemplo, também indicassem caminhos determinantes da arte do período.

A exposição de 65, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, foi idealizada pelo marchand Jean Boghici, da Galeria Relevo, e pela crítica de arte Ceres Franco, que vislumbraram conexões entre o trabalho de artistas brasileiros interessados na “volta à figuração” e alguns artistas franceses ou residentes em Paris que iam na mesma direção, inclusive na preocupação político-social. A iniciativa tinha por objetivo a atualização do meio artístico, aliando contribuição estética e visão de mercado. E isto foi também importante, pois evidenciou artistas desconhecidos ou pouco conhecidos e iniciou o processo de “dialetização” do meio.

O confronto serviu para diferenciar claramente o “novo realismo” europeu das experimentações brasileiras, tanto no trabalho com a imagem e nas maneiras de oposição ao informalismo e ao concretismo, como na figuração (ou alegorização) do político. Embora a intenção não fosse propor uma “ótica política”, como várias vezes declararam Jean Boghici e artistas participantes, o resultado não a desmentia, começando pela designação da mostra e traduzida em várias obras expostas. Expunham-se tendências diversas, do pop ao realismo mágico, dos objetos neoconcretos e neodadá ao figurativismo expressivo. Mas, em tudo, pretendia-se ser “anti” e “contra”.

*Celso Favaretto é crítico de arte, professor aposentado da Faculdade de Educação da USP e autor, entre outros livros, de A invenção de Helio Oiticica (Edusp).

 

 

 

Outros artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Bruno Machado Marcos Aurélio da Silva Ronaldo Tadeu de Souza Marcos Silva Andrew Korybko Luís Fernando Vitagliano José Geraldo Couto Manuel Domingos Neto Lincoln Secco Luiz Renato Martins Valerio Arcary Tadeu Valadares Marilia Pacheco Fiorillo Luiz Carlos Bresser-Pereira João Sette Whitaker Ferreira Daniel Afonso da Silva João Feres Júnior Ladislau Dowbor Ricardo Antunes Roberto Bueno Leonardo Boff Flávio Aguiar Vanderlei Tenório Marjorie C. Marona Michael Löwy Anselm Jappe Ari Marcelo Solon Liszt Vieira Fernando Nogueira da Costa Eliziário Andrade Alexandre de Lima Castro Tranjan Claudio Katz Paulo Capel Narvai Antonio Martins Gerson Almeida Gilberto Maringoni Leonardo Avritzer Yuri Martins-Fontes Luiz Roberto Alves Paulo Martins Rafael R. Ioris Sandra Bitencourt Priscila Figueiredo Mário Maestri Gilberto Lopes José Micaelson Lacerda Morais Boaventura de Sousa Santos Luiz Werneck Vianna Eleutério F. S. Prado Érico Andrade José Machado Moita Neto Alexandre de Freitas Barbosa Thomas Piketty Armando Boito Mariarosaria Fabris Ronald Rocha Everaldo de Oliveira Andrade Lucas Fiaschetti Estevez Carla Teixeira Jorge Luiz Souto Maior Salem Nasser Ricardo Abramovay Paulo Nogueira Batista Jr Afrânio Catani Juarez Guimarães Alexandre Aragão de Albuquerque Slavoj Žižek Celso Frederico Denilson Cordeiro Francisco Pereira de Farias Henri Acselrad José Luís Fiori Paulo Sérgio Pinheiro Rodrigo de Faria Fernão Pessoa Ramos Lorenzo Vitral Maria Rita Kehl Antônio Sales Rios Neto Walnice Nogueira Galvão Marcelo Módolo André Singer Luiz Marques Celso Favaretto Igor Felippe Santos Bruno Fabricio Alcebino da Silva Francisco Fernandes Ladeira João Carlos Salles Atilio A. Boron Vladimir Safatle Marcelo Guimarães Lima Marilena Chauí Sergio Amadeu da Silveira Francisco de Oliveira Barros Júnior Kátia Gerab Baggio Caio Bugiato Remy José Fontana Jean Pierre Chauvin Ricardo Fabbrini Otaviano Helene Leonardo Sacramento Manchetômetro Luis Felipe Miguel Bento Prado Jr. Henry Burnett José Costa Júnior Eugênio Trivinho Heraldo Campos Matheus Silveira de Souza Eleonora Albano Jorge Branco João Adolfo Hansen Eduardo Borges Eugênio Bucci Antonino Infranca Airton Paschoa Dennis Oliveira Valerio Arcary Gabriel Cohn Chico Alencar Alysson Leandro Mascaro Rubens Pinto Lyra Tales Ab'Sáber Chico Whitaker José Raimundo Trindade Paulo Fernandes Silveira Leda Maria Paulani Luiz Eduardo Soares Samuel Kilsztajn Vinício Carrilho Martinez Tarso Genro Annateresa Fabris Benicio Viero Schmidt Daniel Costa João Paulo Ayub Fonseca Fábio Konder Comparato Julian Rodrigues Bernardo Ricupero Luciano Nascimento Marcus Ianoni Jean Marc Von Der Weid Elias Jabbour Anderson Alves Esteves Roberto Noritomi João Lanari Bo Osvaldo Coggiola Daniel Brazil Carlos Tautz Luiz Bernardo Pericás Michael Roberts João Carlos Loebens Dênis de Moraes André Márcio Neves Soares Renato Dagnino Flávio R. Kothe Plínio de Arruda Sampaio Jr. Ricardo Musse Berenice Bento Ronald León Núñez Milton Pinheiro José Dirceu

NOVAS PUBLICAÇÕES

Pesquisa detalhada