Palestina ocupada – opressão e tortura

image_pdf

Por JOÃO QUARTIM DE MORAES*

O documentário “Sem chão”expõe a limpeza étnica de Israel na Cisjordânia — e o mundo que escolhe não ver

1.

O documentário Sem chão (No other land), que denuncia a violenta e acintosamente ilegal colonização facho sionista na Cisjordânia ocupada, ganhou um prêmio internacional importante. Artesanal quanto aos meios, ele prende o interesse e mobiliza a consciência de quem não perdeu a capacidade de se indignar perante a barbárie e a injustiça.

No dia 24 de março, um bando de cerca de vinte ladrões de terras palestinas, apoiados pelo exército de ocupação, agrediu covardemente moradores da localidade de Susiya, no sul da Cisjordânia. Hamdan Ballal, codiretor do documentário premiado, também morador de Susiya, foi espancado por Shem Tov Luski, chefe daquele bando de celerados, e por dois soldados das tropas de ocupação a seu serviço.

Situada na face sul dos montes Hebron, a aldeia de Susiya é comprovadamente habitada por palestinos desde os anos 1830. Eles se consagravam ao pastoreio e à cultura de oliveiras. Em 1983 começou o pesadelo. Tal um ninho de vorazes abutres, colonos israelenses se instalaram perto da aldeia, em terras que confiscaram.

Em 1986, o confisco se ampliou: os rapinantes de Tel Aviv inventaram o pretexto de que a aldeia estava em um “sítio arqueológico” para expulsar seus habitantes, que se instalaram em precárias condições na redondeza, enfrentando a aridez do terreno e a escassez de água (que não falta, entretanto, para encher as piscinas dos colonos e irrigar seus vinhedos).

Episódios odiosos como os que ocorreram em Susiya não resultam de incidentes isolados; repetem-se sistematicamente na Cisjordânia ocupada. Qualquer expressão de revolta dos palestinos diante da destruição de suas casas e locais de trabalho pela indecente rapinagem colonial israelense é reprimida a coronhadas e, eventualmente, à bala.

As belas almas do “Ocidente” se horrorizam quando a revolta explode espasmódica e brutalmente, como a do Hamas na faixa de Gaza em outubro de 2023. Mas não manifestam horror comparável perante a lenta, fria e metódica operação de genocídio do povo palestino de Gaza, orquestrada pelo hediondo Benjamin Netanyahou, nem indignação perante o apartheid a que estão submetidos os palestinos da Cisjordânia.

2.

Não obstante, relatórios convergentes da Amnesty International e do Human Rights Watch acusam Israel não somente de impor um regime de apartheid à população palestina, mas também de cometer crimes contra a humanidade nos territórios ocupados. A denúncia não contém novidade: com arrogante desenvoltura, certas do apoio da matriz estadunidense, as autoridades israelenses se encarregam elas mesmas de apregoar os métodos criminosos com que mantêm sua “ordem” perversa.

Juntei a este comentário a fotocópia de uma notícia de mais de trinta anos publicada no jornal O Estado de São Paulo de 14-11-1994, cujo título dispensa comentários: “Israel autoriza tortura de prisioneiros palestinos”.

Principal base militar dos Estados Unidos na região, Israel tem agredido reiterada e impunemente o Líbano, a Síria e o Yemen e ameaça atacar o Irã. Por vezes recebe o troco de suas agressões. O movimento armado dos Houthis, que luta pelo poder no Yemen, disparou mísseis que atingiram a área do aeroporto de Tel Aviv, em solidariedade aos palestinos de Gaza.

A réplica dos israelenses foi, como sempre, desproporcional aos danos sofridos. O aeroporto de Sanaa, capital do Yemen, foi arrasado por uma chuva de mísseis, a despeito do governo local estar em confronto direto com os Houthis. Mero detalhe, para o racismo antiárabe dos sionistas. Todo pretexto é bom para suas operações de destruição e extermínio. Alinha-se entre os piores inimigos do gênero humano.

*João Quartim de Moraes é professor titular aposentado do Departamento de Filosofia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de A esquerda militar no Brasil (Expressão Popular). [https://amzn.to/3snSrKg].

O Estado de São Paulo, 14-11-1994. O Estado de Israel já era assumidamente terrorista antes do abominável Benjamin Netanyahou assumir seu comando.
Jornal O Estado de São Paulo, p. A-11

A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
Não aos “intervalos bíblicos”
13 Nov 2025 Por MARCO MONDAINI: O avanço dos projetos de lei confessionais faz soar o alarme contra a perda da separação entre política e religião, ameaçando os fundamentos estruturantes da escola pública, como a cientificidade e a pluralidade
2
O jantar da CONIB
11 Nov 2025 Por PAULO SÉRGIO PINHEIRO: O manto de uma solenidade comunitária pode esconder a farsa perigosa que une o supremacismo de um Estado estrangeiro ao projeto autoritário da extrema direita local
3
Lô Borges
07 Nov 2025 Por TALES AB’SÁBER: Lô Borges ensinou que o sagrado na arte não se revela na repetição vazia, mas no encontro único que atravessa o sujeito e transforma a escuta em uma experiência de vida irreprodutível
4
O conivente silêncio sobre o agronegócio
11 Nov 2025 Por MIGUEL ENRIQUE STÉDILE: A ostentação de uma riqueza que devasta e empobrece depende, sobretudo, do pacto silencioso que a sustenta e a absolve
5
Outros atos e maneiras de escrever
09 Nov 2025 Por AFRÂNIO CATANI: O ato de escrever é indissociável da vida concreta, da disciplina, das limitações e das ferramentas utilizadas, transformando a experiência em forma, seja ela uma resistência política ou uma cura pessoal
6
COP 30 – sucesso ou fracasso?
07 Nov 2025 Por LISZT VIEIRAl é capaz de impor uma transição justa à inércia catastrófica do business-as-usual
7
O que os coaches não te contam sobre o futuro do trabalho
12 Nov 2025 Por CARLOS JULIANO BARROS & LEONARDO SAKAMOTO: Introdução dos autores ao livro recém-lançado
8
O agente secreto
13 Nov 2025 Por GUILHERME COLOMBARA ROSSATTO: Comentário sobre o filme de Kleber Mendonça Filho, em exibição nos cinemas
9
Álvaro Vieira Pinto
14 Nov 2025 Por GABRIEL LUIZ CAMPOS DALPIAZ & KAUE BARBOSA OLIVEIRA LOPES: O polímata Álvaro Vieira Pinto uniu a dialética platônico-hegeliana e o marxismo para conceber o subdesenvolvimento como um problema a ser superado pela industrialização e a razão científica
10
Da China, com inveja
14 Nov 2025 Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.: O despertar chinês ensina que a verdadeira soberania nasce de um projeto próprio: rejeitar receitas alheias para construir, com pragmatismo e orgulho civilizatório, um palco onde o Estado conduz e os agentes atuam
11
Zohan Mamdani escolhe a tradição de Eugene Debbs
13 Nov 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: A vitória de Zohan Mamdani em Nova York revive a esperança de Richard Rorty em uma "Nova Velha Esquerda", que une as lutas de minorias e trabalhadores na tradição socialista e democrática de Eugene Debbs e Luther King
12
João Carlos Salles, coragem e serenidade
12 Nov 2025 Por EMILIANO JOSÉ: Coragem e serenidade em meio à procela: a liderança de João Carlos Salles se agigantou no claro-escuro da crise política, transformando-se na voz firme da resistência acadêmica ao regime dos ataques
13
O agente secreto
15 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: A genialidade do filme está em sua forma desalinhada, que espelha o arbítrio de uma época onde crime e Estado se confundiam numa realidade fantasmagórica e irracional
14
Zohran Mamdani – a virada que desafia o império
11 Nov 2025 Por MANUELA D’ÁVILA & ORLANDO SILVA: No coração do império, a política do cuidado e do dissenso vital devolve uma palavra proscrita ao vocabulário do possível: o comum
15
Contra o fiscalismo e o quietismo
12 Nov 2025 Por VALERIO ARCARY: A verdadeira coragem política reside em navegar a tensão necessária: usar a frente ampla como trincheira tática sem nela se aprisionar, mantendo a estratégia de transformação antineoliberal como bússola
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES