Parábola sobre a crise

Mira Schendel, Sem Título , 1964, Reprodução fotográfica Eduardo Ortega
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Por LUIZ RENATO MARTINS*

Comentário sobre o filme “Os Imperdoáveis”, de Clint Eastwood

Como explicar a ampla acolhida de Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992), de Clint Eastwood? Nos EUA, só na três primeiras semanas de exibição, como líder da bilheteria, arrecadou cerca de US$ 50 milhões [1]. O filme diverge em tantos pontos do padrão tradicional do western que não é justo vê-lo como pura regressão, mas deve-se, sim, lhe creditar força atual.

Compare-se esse filme a O Homem que Matou o Facínora (1962), de John Ford (1894-1973), [2] um western exemplar e de tema parecido: a reação de um grupo à violência de um malfeitor. O facínora de Ford não só saqueia diligências, mas trabalha para grandes pecuaristas com o fim de impedir a união política de pequenos rancheiros e demais profissionais. Nesses termos, as escaramuças entre uns e outros se inserem num quadro de luta coletiva pela instituição da cidadania e vigência de regras democráticas – que não servem aos “interesses pecuários”, conforme esclarece o filme. Já na obra atual, o crime tem teor individual e patológico; é o excesso de um cowboy que se descarrega contra uma prostituta, mutilando-a a faca. Remodela-se, pois, o mal. Mas, como se verá, além do redimensionamento do mal, ocorrem outras mudanças estruturais.

Fica claro, de início, em Os Imperdoáveis, uma revisão da simbologia do western, com a caracterização do protagonista não como um cowboy e sim como um pobre criador de porcos. O ex-matador profissional se converteu num pacato sitiante; tem um par de crianças loiras e habita uma maloca. É significativa a falta de hábito de montar e atirar. A figura do ex-matador pacificado e estabelecido num rancho é típica do western, só que – via de regra – a ascensão ética era premiada com outra forma de ascensão: à condição social de proprietário.

A ideia do rancho construído e defendido com as próprias mãos foi sempre um símbolo maior, ligado ao ideal de “homem total” do protestantismo. Conjugava os ideais de realização pelo trabalho e de vida justa, mediante a sobreposição de várias figuras de valor: proprietário, construtor, produtor, militar, juiz dos próprios atos, pai e sacerdote. Assim, no filme de Ford, Tom, ex-oficial da cavalaria e rancheiro, está erguendo uma casa com alpendre, para se casar (quando nota que perdera a namorada para o rival, reassume a maneira rude de pistoleiro e põe fogo na construção). Em contraposição, em Os Imperdoáveis, nota-se o traço irônico na figura do xerife, ex-pistoleiro, entregue ao hobby da carpintaria, mas cujas obras trazem goteiras e cantos tortos.

Gênero nacional e da propriedade popular

Observa-se, pois, uma revisão ciente e ambiciosa do western. Este – como gênero de arte popular na literatura, pintura e cinema – sempre esteve ligado aos motivos nacionais dos EUA. A marca de raiz nunca impediu a acolhida mundial e de massa, mas atua como fator genético fundamental: molda seus tipos característicos de acordo com modelos ideais, próprios às instituições e à história dos EUA. Apresentam-se como linhas mestras: os direitos civis e do indivíduo, oriundos do Iluminismo francês do século XVIII e transcritos na Carta dos EUA; e a ética protestante e ligada ao capitalismo, que dá sentido espiritual ao trabalho. Nascem daí vários clichês: a ética da produção, estilizada na figura do pioneiro e do cowboy e, correlatamente, a visão negativa de improdutivos – como o banqueiro, o jogador, o janota etc.

A figura do “outro” (do índio, do mexicano, do negro ou do eventual estrangeiro – tidos como não afeitos à ética protestante e do trabalho) se enquadra também nesse esquema. Batendo, pois, na tecla da afirmação nacional (na qual, o outro é assimilado só por exceção e apenas quando adotado por um “desbravador” anglófono, imputando-lhe menoridade), o western tratou da conquista das províncias mexicanas, da colonização do Oeste e da Guerra da Secessão. Em resumo, o western delineou um ponto de vista nacionalista, imbuído de ideais iluministas e protestantes. Os enredos permitiam variações eventuais, mas que nunca mudavam a lógica ética e democrática, o ethos do trabalho e da lei, valorados do ângulo da pequena propriedade.

O filme de Ford é um caso exemplar e quintessencial que expõe, com ideias claras e distintas, tais valores. Contrapõe a defesa das leis pela maioria (pequenos rancheiros e outros) e a ganância da minoria (grandes pecuaristas e latifundiários). Como lidar com a violência contra a maioria e a conivência do xerife? A resposta é uma aliança popular, complementada em dois níveis: por uma resistência armada, ao modo do Oeste, liderada pelo criador de cavalos Tom (John Wayne [1907-1979] trajando simbolicamente a camisa da cavalaria da União e uma calça de cowboy); e por uma ação civil e doutrinária – para que rancheiros e citadinos tenham uma representação política –, guiada por um advogado recém-formado e vindo do Leste (interpretado por James Stewart [1908-1997]). Destacam–se mais dois homens esclarecidos: o jornalista e o médico.

Enfrenta–se, pois, a força dos interesses dos grandes proprietários, com as armas do iluminismo: união da maioria em torno de uma ação cívica, ética e política, fomentada pela autonomia de cada um. Ford destaca a intenção didática e política do seu cinema como o sentido coletivo das ações por vários sinais: o advogado vira alfabetizador da cidade e seu delegado político na capital – quando ele atua como mestre-escola, avista-se o retrato de George Washington (1732-1799) e a bandeira dos EUA ao fundo da sala.

A lição trata das instituições nacionais e traz a senhora Ericsson, imigrante sueca (cujo marido se naturaliza para votar), convertida ao sistema republicano (não esquecer que a Suécia, de origem, é uma monarquia) e defendendo o poder do voto popular; em seguida, uma menina, de origem mexicana, atribui a redação das leis fundamentais dos EUA a Thomas Jefferson (1743-1826); e, por fim, um trabalhador negro discorre sobre a isonomia como base da cidadania. Desse modo, uma amostra da pluralidade dos seres humanos, coexistindo em harmonia – regulada por ideais iluministas (e da pequena propriedade) – pretende mudar um quadro de arbítrio pela instalação de leis em nome do bem comum. Verossímil ou não, o recado é direto: é a imagem clara e distinta dos alegados valores nacionais que datam da fundação dos EUA.

O western visto de fora – e remontado

Serão tais valores a causa da popularidade do western, além dos EUA? Ou prevaleceu a reiteração estética de traços reconhecidos em geral como signos de potência: virilidade, patriarcalismo e violência, cavalos e domínio do território etc.? O fato é que o western italiano – ao qual Eastwood deve sua carreira de ator (vide a dedicatória deste filme a Sérgio Leone [1929-1989]) –, atuando produtivamente no âmbito da recepção estrangeira, releu o gênero e realçou outros elementos, não vinculados ao seu projeto ético-político, acima resumido.

Em síntese, se na constituição do gênero pelo cinema norte-americano o arcabouço de valores iluministas referidos atuava, já para os italianos, não. E Eastwood se vale de sua experiência italiana para rever o western. Tal manobra, contra o substrato simbólico original, não significa que o filme de Eastwood só pretenda um papel acrobático-narcísico ou compensatório e de válvula de escape, como, em geral, os assim chamados spaghetti western italianos.

Os Imperdoáveis, saliente-se, é um filme sem nada de gratuito e que, ao proceder a uma revisão do gênero, reitera e reclama elos norte-americanos. Prova disso é a profusão de bandeiras nacionais no cenário da ação e até emoldurando a fala final do protagonista. E também a profusão de alusões a outros signos nacionais: a localização da ação num 4 de Julho, além das troças do inglês (que depois será surrado) diante do sistema de governo nacional e dos “costumes selvagens” – como o de atentar contra presidentes (ouça-se Lincoln, na alusão da personagem; imagine-se os dois Kennedys e Reagan, na mente do cineasta).

Com tal carga simbólica em jogo, a feitura da obra e a sua aceitação nos EUA requerem concordância explícita do público; têm de refletir a mudança de valores dos norte-americanos. O seu impacto confirma, por conseguinte, uma nova perspectiva nacional e a identificação pronta e imediata com a proposta de revisão do western. Como explicar tal reorientação do gosto e dos valores ianques?

O tratamento estético é muito diverso do filme de Ford. Nas externas, vultos contra a luz e paisagens com cores saturadas achatam a imagem, segundo procedimentos das artes gráficas. O recorte visual usa com frequência os closes, caros aos desenhistas de histórias em quadrinhos. A câmera móvel e envolvente, por vezes quase no âmago da ação e raiando o “tato” televisivo, denota a flexibilidade crescente do maquinário cinematográfico. Uma tal fatura, aliada ao uso recorrente dos distintivos nacionais, põe a obra na linha da pop art. Assim, a incorporação dos recursos próprios da experiência italiana (por exemplo, o signo da criação de porcos, evocativo do contadino do Mezzogiorno) tem contrapartida na eloquência de um tratamento visual apologético e genuinamente nacional.

Mais que isso, na medida em que os quadrinhos e a pop art são depurações do cinema, o retorno dos seus procedimentos ao meio de origem proporciona uma dose extra de convicção e autenticidade (ao modo de suplementos energéticos) à linguagem. Operam desse modo, junto à plateia, como um fator forte de legitimação do código. Acrescente-se, nas cenas internas, a naturalização da luz – fraca como devia ser na época – e o que se tem, nos tons sombrios, é outro efeito marcante de veracidade.

Neonaturalismo (anabolizado)

E o que ocorria no caso de Ford? A influência teatral se evidenciava na fixidez da câmera, esboçando uma cena de palco, e na luz forte e artificial dos ambientes, que obedecia a inflexões dramáticas; do mesmo modo, a paisagem (no caso específico desse filme de Ford, ao contrário de outros, a paisagem tem pouco peso), segundo a canônica, moldava-se na pintura tradicional de profundidade. Em suma, o padrão cênico do western de Ford, à luz da revisão atual, mostra-se derivado de outras linguagens ou alheio às técnicas inerentes ao cinema.

Para concluir, basta se alinhar os exames comparativos em diversos domínios: da simbologia, submetida à revisão citada; do uso do equipamento, hoje portátil e mais sensível; e da encenação, em Ford, excessivamente didática e dialogada, presa aos valores e à canônica antiga, enquanto a de Eastwood traz um laconismo derivado de uma intimidade maior com a técnica e sua rítmica. Enfim, nesses termos, feita a comparação, a visão do Oeste por Eastwood mostra-se, no todo, mais convincente. Obtém prontamente, aos olhos de hoje, saldos de positividade em vários planos.

Logo, Os Imperdoáveis vem armado e com ânimo para liquidar o molde antigo, dotado, para hoje (30 anos depois, 1962-92), de um idealismo afetado e artificial. Porém, qual a verdade crua trazida na nova visão? A de ver as coisas como elas são: “o mérito não tem nada a ver com essas coisas”, diz a personagem de Eastwood, Will Munny (atenção ao nome) ao dar um fim no inimigo. De outro lado, na obra de Ford, que posição assumia a linguagem? Qual o seu valor frente às coisas? No filme citado, uma boa mostra consiste no enfoque do duelo, que tem importância central no enredo, mas que é submetido a duas versões distintas. Assim, primeiro Ford arma magistralmente o suspense e a cena em que o inábil advogado surpreendentemente vence o capanga dos pecuaristas (um temível pistoleiro), e vem a se tornar herói da cidade – ainda por cima, herói galante.

No segundo tratamento, após o suspense criado e consumado alcançar tais desdobramentos significativos para o drama, o episódio do duelo é representado de uma nova perspectiva – na qual se mostra que o tiro fatal contra o capanga, e que salvara a vida do advogado, de fato, partira de um atirador nas trevas.

O confronto de pontos de vista provoca reflexão e crítica no espectador, que, mediante tal manobra da realização, vem a suspender a sua visão inicial do duelo, bem como, de fato – se aprender a lição –, a se precaver de uma postura ingênua em face dos artifícios da narrativa cinematográfica (aliás, o cineasta Jean-Marie Straub, integralmente empenhado numa estética dialética e materialista, preza a obra de John Ford como modelo de cinema brechtiano).

Em suma, Ford exibe o teor artificial da significação e a necessidade correlata da interpretação como dados inerentes à linguagem, e os põe a serviço de certos valores. Resta que o modelo de nação, em vigor no cinema de Ford – e que preside a estampa normativa das figuras humanas, de acordo com modelos épicos exemplares de conduta –, é hoje pouco crível diante da onda de informações jornalísticas que revelam em sentido distinto os bastidores da cena e dos móveis da política dos EUA.

Contra a representação ideal, normativa e iluminista, do padrão tradicional, o que propõe a operação anti-ideal, de aproximação crua e positiva das coisas, efetuada por Eastwood? Em síntese, o vigor bruto de uma linguagem pré-reflexiva – fascinante porque não admite alternativa – onde as coisas são-como-são, isto é, onde os signos coincidem com as coisas, e a moral e os fatos são uma coisa só; daí, a odisseia do herói assinalar um retorno ao estado de natureza e a tônica da narrativa ser: homem, lobo do homem.

Do logos ao mito (ou a saga da vontade natural de dinheiro)

Operações de desmistificação e efeitos de convicção sempre pretendem captar o cerne da realidade. Nesse caso, dado o realce do contexto e das cores nacionais, o objeto traz uma conjunção de verdade nacional e verdade da natureza humana, que parte da hipóstase do humano e do nacional – ao afirmar algo como: EUA, terra de bravos (por exemplo, de Will Munny – ouça-se Vontade [de/e] Dinheiro). Portanto, o ânimo verista e contestador, ao reclamar-se também de moldes antigos, se encaixa dentro de uma curiosa manobra contemporânea de reconstituição do mito, ou seja, de indistinção das esferas de significação.

Aqui é importante notar um divisor de águas que faz uma diferença crucial: no caso de Ford, podia-se falar em modelo nacional, mas a operação implicava um arcabouço normativo, posto como meta ou parâmetro para a ordem da nação – assim Ford operava com a história, logo, com algo maior do que a nação; enquanto, para Eastwood, trata-se de trazer um reforço positivo aos traços nacionais brutos, isto é, de promover o retorno ou o reencontro cúmplice do espectador, numa situação de relação imediata, com o caráter nacional, com o país que já existe ou que, miticamente, sempre existiu: o país dos bravos (entenda-se, dos brancos dotados da avidez “neonatural” de enriquecer) [3]. A órbita aqui é a do mito. Daí, o papel alegórico decisivo da surra no pistoleiro inglês – um confronto de dois indivíduos, mas que rememora a guerra de independência norte-americana (e a de 1812) –, bem como de outros sinais de chauvinismo, claramente formulados (nas cenas da cadeia e da aparição final de Munny…). Em resumo, à encenação fordiana de como-as-coisas-deveriam-ser, Eastwood contrapõe a apresentação das-coisas-como-elas-são.

Uma vez delimitada a retórica, constitutiva de uma relação imediata de identidade entre espectador e filme – onde a senha é uma noção de substrato nacional atemporal –, nota-se a atualidade da parábola focalizada. Depara-se não uma essência absoluta e permanente ao longo da história dos EUA – apesar do propósito ostensivo de desmistificação ou de positividade, no discurso de Eastwood –, mas, sim, o fruto pleno e maduro de uma certa perspectiva. Ou seja, a parábola, em vez de atemporal, tem uma extração característica, isto é, do período em que a obra nasceu e tomou forma, nos anos 1980 nos EUA.

O mito e a crise

A esposa morta e invisível – uma falta onipresente mediante os signos de dor e luto dispostos no filme – equivale a um símbolo do avesso ou do fim do sonho americano, onde a prosperidade e a completude familiar valiam como o corolário do trabalho e do respeito à lei. Enlutado e sombrio, o protagonista desperta num quadro de recessão e enfrenta o dilema: manter-se numa atividade de produção (criação de porcos), o que o cerca de sujeira e escassez, ou procurar dinheiro rápido no setor terciário de serviços (como justiceiro ou mercenário). Aqui, meio aceno basta para o espectador ianque reconhecer o seu cotidiano – esse é o dilema presente para muitos nos EUA, que sentem habitar uma potência declinante no setor produtivo, em face da força crescente da indústria asiática e de outros produtores agrícolas.

Na obra antiga e na atual, a justiça dos xerifes é insatisfatória e leva as vítimas à ação privada independente. Ford, cineasta forjado na era dos sucessivos governos de Roosevelt (1933-45), contrapõe ao laissez-faire uma organização ampla da sociedade, em torno dos valores da lei. Já, na obra atual, como é enfrentada a violência? O roteiro – do mesmo autor de Blade Runner (David Webb Peoples [1940]) – é lúcido e restitui a ótica atual; assim não há sinal, na aplicação da lei, de qualquer ideal de bem comum ou de isonomia humana. A multa (sete cavalos) pela mutilação da prostituta visa claramente à indenização de um atentado contra o estoque de um negociante (o dono do bordel). O xerife tem a presteza e a atenção do Estado mínimo liberal. Ignora direitos civis e humanos e não se orienta pelo bem comum, já que representa um Estado que não atua como órgão ético, mas opera de modo puramente repressivo ou limitado à função policial, cuidando apenas do direito de propriedade – sua única base institucional (noutros termos, não se trata mais da política do governo de Carter [1977-81] que alardeava direitos, mas daquela dos governos de Reagan [1981-89] e George Bush [1989-93]).

Nesse quadro – estritamente factual – não há lugar para a exaltação da lei e para as dimensões de pensamento ligadas à compaixão ou à indignação afetiva ou moral, correlatas às noções (universalistas) de justiça e de Estado ético. O crime só prejudica a parte ofendida e o exercício da justiça compete a agentes privados interessados. Pragmatismo congênere, na atualidade da esfera nacional implicada na trama, levou ao expediente de substituição das forças armadas nacionais, organizadas em torno de valores éticos aceitos pela coletividade nacional, por formações militares de alta mobilidade, integradas por especialistas profissionais, que praticam escaladas pontuais (Granada, Panamá, Iraque…) e se retiram rapidamente, após a tarefa [4].

A mesma escala de conversão de problemáticas gerais em particulares acarreta, no plano dramatúrgico, a configuração do mal como patologia individual e da justiça como ressarcimento quantitativo e pontual – ao modo do estipulado numa apólice de seguro. Apresenta-se assim a livre-concorrência de empreendedores (justiceiros de aluguel), terminando com a vitória do mais eficiente entre eles, Will Munny (que encarna, ao vencer a competição, o fecho monetarista e edificante da parábola). No fim das contas, mesmo para pequenas poupadoras como as prostitutas, a privatização das atividades de proteção e justiça se apresenta compensatória – basta reparar no último olhar da mutilada, como consumidora satisfeita com o serviço.

Enfim, com Os Imperdoáveis, as reestruturações na linha do neoliberalismo e da política da Nova Ordem, praticadas nas recentes administrações republicanas dos EUA, ganham uma representação cinematográfica precisa e completa. Tudo na tela e bem à vista – sem esquecer da função em destaque de ações e de forças privadas paraestatais.

* Luiz Renato Martins é professor-orientador dos PPG em História Econômica (FFLCH-USP) e Artes Visuais (ECA-USP). Autor, entre outros livros, de The Long Roots of Formalism in Brazil (Chicago, Haymarket/ HMBS, 2019).

Revisão e assistência de pesquisa: Gustavo Motta.

Texto publicado originalmente, sob o titulo “Os Imperdoáveis”, no Suplemento Cultura/ O Estado de São Paulo, pp. 1-2, 19.03.1993.

Referência


Os Imperdoáveis [Unforgiven]

EUA, 1992, 130 minutos.

Direção: Clint Eastwood

Elenco: Clint Eastwood, Gene Hackman, Morgan Freeman, Richard Harris, Jaimz Woolvett, Saul Rubinek, Frances Fisher, Anna Levine.

Notas

[1] O filme foi lançado em 07.08.1992. Sobre a bilheteria das três primeiras semanas, ver na coluna “Weekend Box Office”, de David J. Fox, os artigos “Eastwood Still Tall in the Saddle” (18.08. 1992) e “‘Unforgiven’ at Top for Third Week” (25.08. 1992), in The Los Angeles Times, disponíveis in https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1992-08-18-ca-5744-story.html.

[2] Ver John Ford, O Homem que Matou o Facínora [The Man Who Shot Liberty Valance], 1962, p/b, 35mm, 124’, EUA.

[3] Hoje tão difundido e corrente, a ponto de aparecer como “segunda natureza” e tema onipresente na grande mídia, o gosto pelo dinheiro foi historicamente institucionalizado e encorajado: “Enrichissez-vous (enriquecei)”, é a expressão célebre de Guizot (1787-1874), chefe de um dos governos da Monarquia de Julho (Orleanista), diante da câmara dos deputados francesa, respondendo aos que demandavam em 1843 a redução do limite mínimo (de renda) para obterem o direito ao voto censitário.

[4] Ou ainda (acrescente-se, com licença para o anacronismo, mas para demarcar o teor serial) como os drones e as milícias especiais enviadas à caça de Bin Laden (1957-2011), em 2011, pela presidência Obama (2009-17).

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