Prova social

Imagem: Michael Erhardsson
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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Nada demonstra alguém ser capaz de tornar-se um especialista em temas tão vastos como “a tomada de decisões”, “a definição de políticas” ou “a estratégia”

James Surowiecki é autor do livro, publicado em 2004 com o título The Wisdom of Crowds. Why the Many Are Smarter than the Few and How Collective Wisdom Shapes Business, Economies, Societies, and Nations. Salienta: variadas fontes de financiamento são essenciais para novos negócios. Muitos falham.

É um lugar-comum bem conhecido a administração pública não dever “escolher vencedores” e, portanto, nem deveria tentar. Mas a verdade é não existir nenhum sistema eficaz, muito menos o centralizado, capaz de indicar antecipadamente quem serão “os vencedores”.

Afinal, dezenas de milhares de novos produtos são lançados todos os anos e apenas uma pequena fração deles consegue se popularizar. Em todas as épocas, as empresas investiram grandes somas em empreendimentos perdedores.

A eficácia de um sistema reside na rápida identificação e eliminação dos perdedores. O sistema eficaz tem a capacidade de gerar muitos perdedores e, depois reconhecê-los como tais, eliminá-los. Às vezes, a abordagem aparentemente com maior desperdício é a mais sábia…

Não basta gerar um conjunto variado de soluções possíveis. É também necessário a multidão ser capaz de distinguir entre boas e más soluções.

Os grupos são bons em fazer essas distinções. Mas quão importante é a diversidade para o grupo? Caso tenha um conjunto diversificado de soluções possíveis, ter um grupo diversificado de tomadores de decisões faz alguma diferença?

Sim, sem dúvida, segundo James Surowiecki (2004) por dois motivos. A diversidade ajuda porque traz perspectivas de outra forma não presentes e elimina, ou enfraquece, algumas das características destrutivas da tomada de decisão coletiva.

Na verdade, a promoção da diversidade é mais importante nos pequenos grupos e organizações diante os grandes grupos – como os mercados ou os eleitorados. A dimensão de muitos mercados, associada ao fato de admitirem qualquer pessoa com dinheiro (não existem outros protocolos de admissão ou entrada), significa certo nível de diversidade ser quase garantido.

Os mercados são diversificados porque são constituídos por pessoas com diversas atitudes em relação ao risco e diferentes horizontes temporais, estilos de investimento e informações. Ao contrário, em equipes ou organizações, a diversidade cognitiva necessita ser deliberadamente selecionada – e é importante fazê-lo. Afinal, os pequenos grupos estão muito expostos a alguns indivíduos como líderes determinados ganharem demasiada influência e distorcerem a decisão coletiva do grupo.

A diversidade é um valor em si a ponto de o simples fato de formar um grupo muito diverso aumenta as chances de resolução de um problema. Isso não significa a inteligência não ser relevante: nenhum dos agentes deve ser ignorante e todos os grupos bem-sucedidos incluem certa proporção de membros muito qualificados.

A dedução é o nível de inteligência do grupo por si só não ser decisivo, porque a inteligência por si só não garante a diversidade de pontos de vista sobre um problema. Os grupos constituídos apenas por pessoas altamente qualificadas costumam ser menos eficazes porque elas tendem a ser demasiado semelhantes quanto ao conhecimento daquilo já sabido fazer – e não o questionam ou inovam.

Se considerarmos a inteligência como dotada de uma caixa de ferramentas, o número de competências “ideais”, contido nessa caixa, é pequeno. Por isso, as pessoas inteligentes e/ou cultas tendem a ser parecidas quanto à fronteira do conhecimento e não a transpõem, questionando-a e indo além dela.

Essa inteligência no limite costuma ser visto como positiva, mas significa o grupo como um todo tender a não saber tantas outras possibilidades quanto poderia. Caso adicione algumas pessoas sem saber tanto, mas com outras competências, multiplicará a capacidade cognitiva do grupo!

Parece ser uma conclusão excêntrica, mas acaba sendo verdade. Grupos constituídos por pessoas “especialistas” demasiado semelhantes têm mais dificuldade em continuar a aprender, porque cada um dos seus membros contribui cada vez menos com informações novas para o conjunto comum.

Um exemplo comum é o jornalismo econômico brasileiro, no qual só se encontra colunas ou opiniões dos economistas ortodoxos neoliberais. Sem pluralismo metodológico no debate público, com análise viesada, informa parcialmente aos tomadores de decisões como empresários e (e)leitores.

O fato de a diversidade cognitiva ser importante não significa, no entanto, se reunir um grupo de pessoas diversas, mas completamente desinformadas, a sua sabedoria coletiva representar uma inteligência superior à do especialista. Significa sim se reunir um grupo diversificado de pessoas com diferentes graus de conhecimento e visão, é melhor confiar as decisões a esse grupo plural e bem-informado em vez de a um ou dois indivíduos sozinhos, por mais sábios sejam eles.

Se acha difícil acreditar nisso, é porque contradiz as intuições básicas sobre inteligência e negócios. A afirmação de uma organização composta somente pelos mais qualificados não ser a melhor organização possível é herética.

Acima de tudo, em um mundo empresarial compenetrado na incessante “caça ao talento”, ele é regido pela crença de algumas “superestrelas” fazerem a diferença entre a excelência empresarial e a mediocridade. Mas, herético ou não, a verdade é o valor dos especialistas ser superestimado em muitos contextos.

O fato de existirem especialistas é indubitável. O jogo de um grande campeão de xadrez é qualitativamente diferente daquele de um mero amador talentoso.

Supomos, intuitivamente, a inteligência ser extensível e indivíduos excelentes em uma disciplina intelectual deveriam ser igualmente excelentes em outras. Mas esse não é o caso dos especialistas. Na verdade, o conhecimento especializado é “espetacularmente restrito”.

Mas nada demonstra alguém ser capaz de tornar-se um especialista em temas tão vastos como “a tomada de decisões”, “a definição de políticas” ou “a estratégia”. Algumas habilidades individuais são adquiridas por meio de perseverança, trabalho duro e talento inato. Saber prever um futuro incerto e decidir o melhor curso de ação diante desse futuro não é conhecimento adquirido da mesma forma.

Um grande grupo de indivíduos diversos está em posição de estabelecer previsões mais certeiras e de tomar decisões mais inteligentes diante o especialista mais bem informado em técnicas de tomada de decisão.

Os julgamentos dos especialistas nem sempre são consistentes com os de outros especialistas da mesma especialidade. Tendem mais a discordar em vez de concordar entre si.

Também surpreende a deficiência dos especialistas na hora de “calibrar” suas opiniões. Fazer um julgamento bem calibrado significa ter uma ideia precisa de a probabilidade de esse julgamento estar correta.

Nisso, os especialistas são muito parecidos com as pessoas normais, porque habitualmente superestimam as suas probabilidades de estarem certos. Sobre o tema do excesso de autossuficiência, descobriu-se médicos, enfermeiros, advogados, engenheiros, empresários e banqueiros de investimento acreditarem saber mais do sabido de fato…

Na mesma linha, traders de divisas sobre-estimam rotineiramente a precisão das suas próprias previsões quanto às taxas de câmbio futuras. Eles não apenas costumam estar errados, mas também não têm ideia de quanto estão errados.

O lema dos videntes e dos crédulos é: “não importa quantas evidências existam de não existirem videntes, os crédulos sempre estarão dispostos a pagar pela existência deles…”

Isto não significa, James Surowiecki repete, analistas bem-informados e experientes não serem úteis para tomar boas decisões. Independentemente do conhecimento e da experiência do especialista, as suas opiniões e os seus conselhos têm de ser reunidos, confrontados com os dos outros, para tirar o melhor proveito – e quanto maior for o grupo, mais fiável será o seu opinião.

Significa também as operações de “caça ao cérebro”, em busca do homem com as soluções para todos os problemas de uma organização, serem uma perda de tempo. As decisões do grupo serão consistentemente melhores diante as da maioria dos indivíduos do grupo, e continuarão assim, decisão após decisão.

A eficácia dos especialistas humanos varia enormemente, dependendo do tipo de problema lhes pedido a resolver. No geral, é improvável uma única pessoa sempre ter um desempenho melhor diante um grupo diversificado de pessoas pensantes.

James Surowiecki ilustra a heurística da Prova social: “não se pensa de modo correto quando apenas se pensa como os outros”. Simplesmente, por mais pessoas acharem uma ideia correta, não a torna correta…

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb]


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