São Francisco

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LEONARDO BOFF*

Ninguém foi tão radical como ele: o último cristão de verdade

04 de outubro é o dia do Seráfico Pai São Francisco como os frades costumam afetivamente chamá-lo. Foi alguém que levou tão longe o projeto de Jesus que acabou se identificando com ele. Em razão disso é chamado o Primeiro depois do Único, Jesus Cristo ou também o Último cristão. A Tradição de Jesus gerou incontáveis seguidores, entre homens e mulheres. Mas ninguém foi tão radical como ele: o último cristão de verdade.

Segundo o historiador Arnold Toynbee, e o filósofo Max Scheler, professor de Martin Heidegger, Francisco foi o maior homem que o Ocidente produziu. Ele desborda a Ordem Franciscana e já não pertence mais à Igreja Católica, mas à humanidade. Tornou-se o irmão universal. Inspirou o Papa Francisco a escrever as duas encíclicas de ecologia integral: Sobre o cuidado da Casa Comum (2015) e Todos irmãos e irmãs (2020). Diz, comovedoramente, Francisco “é o exemplo pelo cuidado com o que é frágil; qualquer criatura era uma irmã, unida a ele por laços de carinho, pois, se sentia chamado a cuidar de tudo o que existe” (n. 10 e 11).

Francisco é chamado também de o Poverello o pobrezinho de Assis ou também de Fratello, o irmãozinho de toda criatura. Entre outras, três características marcam sua pessoa: a pobreza, a fraternidade e a minoridade.

A pobreza para Francisco não é um exercício ascético. É um modo de vida. Consiste em remover tudo o que possa me distanciar do outro: os bens, os saberes e principalmente os interesses. Como a palavra sugere, “interesse” é aquilo que fica entre (inter) mim e outro. Quis se despojar disso tudo. Colocar-se de joelhos, à altura do outro, para estar olho a olho e rosto a rosto. Sem distância, você sente o outro como seu irmão ou sua irmã, sua pele, seu olhar e o pulsar de seus corações.

A fraternidade resulta desta pobreza. Ser pobre para ser mais irmão e irmã e formar uma comunidade humana e também cósmica. Com profunda humildade acolheu o húmus escuro de onde todos nos originamos em suas palavras, “a mãe e irmã Terra”, também os seres todos da natureza. A minhoca que forceja por cavar um buraco no chão duro do caminho, ele cuidadosamente a leva a um lugar úmido. Vê um ramo quebrado e corre a enfaixá-lo para que possa reviver. Escuta as cotivas cantando e pede-lhes licença para unir-se a elas com seus salmos. Buscou a unidade da criação entre os seres humanos e todo criado. Em plena cruzada contra os muçulmanos, atravessa o front e vai conversar com o sultão do Egito. Não foi para convertê-lo. Foi para se confraternizar com ele e juntos rezarem. Ficam grandes amigos. Até o feroz lobo de Gubbio é feito irmão e faz com que se reconcilie com toda a cidade.

A minoridade nasce da pobreza e da fraternidade universal. Havia, em seu tempo, os “maiorestoda a hierarquia eclesiástica tendo o Papa como cabeça, os ricos comerciantes das Comunas, como seu pai, que estavam se formando e deixando para trás as hierarquias feudais. E havia os “menores”, os servos da gleba, os empregados das fabriquetas de tingir os tecidos, vivendo em condições miseráveis. E havia ainda os hansenianos (os leprosos), rejeitados e isolados, fora da cidade.

São os sem poder. É com esses que Francisco vai viver e conviver. Junta-se aos hansenianos, come da mesma escudela deles, limpa-lhes as chagas e os abraça como a irmãos e a irmãs. Renega todo o poder. Sabe que no poder consiste a maior tentação humana, pois, nos faz parecer “pequenos deuses” que define o destino dos outros. Bem observava Hobbes em seu Leviatã: “o poder para se assegurar busca cada vez mais poder e isso cessa apenas com a morte”. Os sábios de todas as tradições nos advertem: onde impera o poder, aí desaparece o amor e some a ternura; impera a concorrência, surge a tensão, irrompe o conflito e pode ocorrer até o assassinato do outro. Ser “menor” para Francisco é unir-se aos sem-poder, participar de sua marginalização e decididamente recusar-se a assumir qualquer poder. Não elaborou nenhuma instituição que os auxiliasse. Fez mais. Foi viver com eles e participar de sua sorte.

Por fim cabe referir o seu profundo amor a Clara. Poucas vezes na história cristã se verificou tanta sintonia entre o animus e a anima. Não fugiram da experiência mais gratificante e profunda do amor humano nem de suas argúcias. No amor real e verdadeiro entre ambos encontravam o Amor Maior que os unia mais profundamente e também com todas as criaturas.

*Leonardo Boff é filósofo e ecoteólogo. Autor, entre outros livros, de Francisco de Assis: ternura e vigor (Vozes).

 

Outros artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Everaldo de Oliveira Andrade Luiz Carlos Bresser-Pereira Rubens Pinto Lyra Alysson Leandro Mascaro Valerio Arcary Luiz Werneck Vianna Luiz Marques Leonardo Avritzer Alexandre de Lima Castro Tranjan Manuel Domingos Neto Valerio Arcary Lincoln Secco Antonio Martins Alexandre Aragão de Albuquerque Francisco de Oliveira Barros Júnior Plínio de Arruda Sampaio Jr. Marcelo Guimarães Lima Alexandre de Freitas Barbosa Ricardo Abramovay Slavoj Žižek Ronaldo Tadeu de Souza João Carlos Loebens Carlos Tautz Renato Dagnino Ricardo Musse Ari Marcelo Solon Paulo Fernandes Silveira Leonardo Sacramento Celso Frederico Airton Paschoa Marcelo Módolo Luiz Renato Martins José Geraldo Couto Manchetômetro Rodrigo de Faria Paulo Nogueira Batista Jr Michael Löwy Marjorie C. Marona Gilberto Maringoni Antonino Infranca Daniel Brazil Mariarosaria Fabris Heraldo Campos Benicio Viero Schmidt Vladimir Safatle Boaventura de Sousa Santos José Dirceu Claudio Katz Anderson Alves Esteves Paulo Martins Fernão Pessoa Ramos Andrew Korybko Vinício Carrilho Martinez Jorge Luiz Souto Maior Flávio Aguiar Luis Felipe Miguel Bruno Machado Ladislau Dowbor Otaviano Helene Paulo Sérgio Pinheiro Eugênio Bucci André Márcio Neves Soares Ricardo Fabbrini Francisco Fernandes Ladeira Bruno Fabricio Alcebino da Silva Leda Maria Paulani Antônio Sales Rios Neto Tales Ab'Sáber Ricardo Antunes José Machado Moita Neto Luiz Roberto Alves Elias Jabbour Marcos Aurélio da Silva Luiz Eduardo Soares João Feres Júnior Luís Fernando Vitagliano Gilberto Lopes Érico Andrade Dennis Oliveira Remy José Fontana José Micaelson Lacerda Morais Eliziário Andrade Tarso Genro Daniel Costa Chico Whitaker Kátia Gerab Baggio Igor Felippe Santos Flávio R. Kothe Tadeu Valadares Marilena Chauí Milton Pinheiro José Raimundo Trindade Atilio A. Boron Salem Nasser Fernando Nogueira da Costa Fábio Konder Comparato Ronald Rocha Paulo Capel Narvai Walnice Nogueira Galvão Gerson Almeida Sergio Amadeu da Silveira Roberto Bueno João Carlos Salles Thomas Piketty Lucas Fiaschetti Estevez Ronald León Núñez Annateresa Fabris Afrânio Catani Marcus Ianoni Berenice Bento João Sette Whitaker Ferreira Gabriel Cohn Eleutério F. S. Prado José Costa Júnior Celso Favaretto Eleonora Albano Carla Teixeira Luiz Bernardo Pericás Armando Boito Rafael R. Ioris Caio Bugiato Liszt Vieira Jean Marc Von Der Weid Matheus Silveira de Souza Henri Acselrad João Lanari Bo Mário Maestri Anselm Jappe Yuri Martins-Fontes Sandra Bitencourt Henry Burnett Vanderlei Tenório Marcos Silva João Paulo Ayub Fonseca Jean Pierre Chauvin Jorge Branco Dênis de Moraes Bernardo Ricupero Priscila Figueiredo Leonardo Boff Julian Rodrigues Eduardo Borges Samuel Kilsztajn Luciano Nascimento Michael Roberts José Luís Fiori Juarez Guimarães Eugênio Trivinho Daniel Afonso da Silva Chico Alencar Denilson Cordeiro Osvaldo Coggiola Francisco Pereira de Farias Maria Rita Kehl Marilia Pacheco Fiorillo Lorenzo Vitral André Singer Bento Prado Jr. João Adolfo Hansen Roberto Noritomi

NOVAS PUBLICAÇÕES

Pesquisa detalhada