Somos 70%?

Imagem: ColeraAlegria
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por KÁTIA GERAB BAGGIO*

Sem ilusões. A luta será árdua. Muito árdua

A despeito das inconsistências que podem existir em consultas feitas somente por telefone, o que a pesquisa Datafolha divulgada no dia 25 de junho mostrou é que não “somos 70%”, infelizmente. A pesquisa identificou que 32% avaliam Jair Bolsonaro como ótimo ou bom, 23% avaliam como regular e apenas 44% julgam o “presidente” como ruim ou péssimo (não consigo deixar de usar aspas no caso de Bolsonaro).

Sim, apenas 44%, pois esta porcentagem é baixíssima diante de um desgoverno absolutamente desastroso e predador como o de Bolsonaro. E que 23% considerem o “presidente” como regular significa que não fazem, efetivamente, oposição a Bolsonaro. Ou seja, que poderiam elegê-lo novamente.

A base fanatizada de Jair Messias provavelmente não passa de 15 ou 20% da população, o que já é muito preocupante. São os que acham Bolsonaro ótimo. Mas há outro grande problema: naquela parcela da sociedade brasileira que considera o “presidente” bom ou regular. Sendo assim, a oposição a Bolsonaro, de fato, não chega à metade da população.

É uma tragédia descomunal, em um país que tem cerca de um terço de evangélicos – a maioria constituída de frequentadores de igrejas pentecostais ou neopentecostais, isto é, fundamentalistas e obscurantistas –, sem contar o forte conservadorismo de setores do catolicismo, espiritismo, judaísmo etc.

Houve um retrocesso significativo nos últimos anos, em oposição a uma sociedade laica. Há uma religiosidade profundamente conservadora no Brasil, que empurra o país para o abismo do obscurantismo. Mudar essa tendência não será uma tarefa de curto prazo. Exigirá muita educação crítica e muita formação política consistente.

Dizer que “somos 70%” é uma frase saída de uma visão superficial da realidade, mais próxima do discurso motivacional do meio empresarial do que da análise política.

O que escrevi acima significa que eu acredito que Jair Bolsonaro vai terminar o seu mandato?

Não necessariamente, pois os absurdos desse desgoverno são incontáveis; os crimes de responsabilidade são inúmeros; as consequências sanitárias, sociais e econômicas da pandemia de Covid-19 ainda serão muito piores; e as investigações em curso poderão revelar fatos que tenham potencial para destruir grande parte do apoio que Jair M. Bolsonaro ainda tem.

Mas nada será fácil, em um país que foi contaminado pelo vírus do ódio e do obscurantismo. Um país de Malafaias, de igrejas “universais”, de Datenas, de uma parcela ultraconservadora de católicos, de milhões que votaram — sem desconhecer os fatos — em um candidato (hoje “presidente”) que defende ditadura e tortura.

Construir um país menos desigual estava sendo dificílimo. Reconstruir tudo o que está sendo destruído por esse desgoverno de neofascistas, ultraliberais e entreguistas, será muito mais.

Apesar de tudo isso, se perdermos a esperança na possibilidade da reconstrução, estaremos entregando o país ao que de pior a história brasileira já produziu: autoritários, neofascistas, obscurantistas, racistas, homofóbicos, misóginos, entreguistas e todos os que são favoráveis a um capitalismo absolutamente violento e predador.

Mas não se pode ter ilusões. A luta será árdua. Muito árdua.

* Kátia Gerab Baggio é professora de História das Américas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Eugênio Trivinho Ari Marcelo Solon Paulo Sérgio Pinheiro Bento Prado Jr. Rodrigo de Faria Jean Pierre Chauvin Gilberto Maringoni Ricardo Antunes Ricardo Fabbrini Jorge Luiz Souto Maior Luiz Renato Martins Otaviano Helene André Singer Alexandre de Freitas Barbosa João Carlos Salles Gilberto Lopes José Dirceu João Adolfo Hansen Marilena Chauí Paulo Capel Narvai Lucas Fiaschetti Estevez Everaldo de Oliveira Andrade Francisco de Oliveira Barros Júnior Marjorie C. Marona Leda Maria Paulani Denilson Cordeiro Elias Jabbour Sergio Amadeu da Silveira Gerson Almeida Julian Rodrigues Chico Whitaker José Luís Fiori Ricardo Abramovay Ronald León Núñez Marcos Silva Ricardo Musse Vladimir Safatle João Sette Whitaker Ferreira Antônio Sales Rios Neto Dennis Oliveira Milton Pinheiro Eduardo Borges Kátia Gerab Baggio Francisco Fernandes Ladeira Walnice Nogueira Galvão Ladislau Dowbor Fernão Pessoa Ramos Liszt Vieira Paulo Fernandes Silveira Luiz Werneck Vianna Luiz Roberto Alves Henri Acselrad João Paulo Ayub Fonseca Luis Felipe Miguel Celso Frederico Maria Rita Kehl Luiz Eduardo Soares Flávio R. Kothe Slavoj Žižek Luiz Marques Armando Boito Manchetômetro Yuri Martins-Fontes Luiz Carlos Bresser-Pereira Lorenzo Vitral Mariarosaria Fabris Francisco Pereira de Farias Afrânio Catani Michael Roberts Fernando Nogueira da Costa Heraldo Campos Tarso Genro Remy José Fontana Fábio Konder Comparato João Feres Júnior Andrew Korybko Tales Ab'Sáber Carlos Tautz Manuel Domingos Neto Priscila Figueiredo Marcos Aurélio da Silva Érico Andrade Lincoln Secco Bruno Machado Daniel Brazil Matheus Silveira de Souza Ronald Rocha Bernardo Ricupero Paulo Nogueira Batista Jr Celso Favaretto Eleutério F. S. Prado Henry Burnett Antonio Martins Alysson Leandro Mascaro Samuel Kilsztajn Marcus Ianoni Salem Nasser Tadeu Valadares Valerio Arcary Eleonora Albano Benicio Viero Schmidt Paulo Martins Anselm Jappe João Carlos Loebens Luciano Nascimento Jean Marc Von Der Weid Sandra Bitencourt Marilia Pacheco Fiorillo Juarez Guimarães Igor Felippe Santos José Micaelson Lacerda Morais Rafael R. Ioris Daniel Costa Chico Alencar Plínio de Arruda Sampaio Jr. Leonardo Boff Claudio Katz Carla Teixeira Gabriel Cohn José Machado Moita Neto Mário Maestri Rubens Pinto Lyra Berenice Bento Alexandre Aragão de Albuquerque Daniel Afonso da Silva Osvaldo Coggiola Leonardo Sacramento Andrés del Río Marcelo Módolo Flávio Aguiar José Costa Júnior Eliziário Andrade José Raimundo Trindade Annateresa Fabris Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Leonardo Avritzer Michael Löwy Luís Fernando Vitagliano Dênis de Moraes Airton Paschoa José Geraldo Couto Antonino Infranca Ronaldo Tadeu de Souza Thomas Piketty Valerio Arcary João Lanari Bo Bruno Fabricio Alcebino da Silva Caio Bugiato Marcelo Guimarães Lima Renato Dagnino André Márcio Neves Soares Atilio A. Boron Michel Goulart da Silva Eugênio Bucci Jorge Branco Boaventura de Sousa Santos Luiz Bernardo Pericás Vanderlei Tenório Alexandre de Lima Castro Tranjan Vinício Carrilho Martinez

NOVAS PUBLICAÇÕES