Tutela militar civil burguesa

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Por Jorge Almeida*

Não sairemos de uma situação difícil sem ousar lutar agora e numa perspectiva de futuro. Significa lutar pelo Fora Bolsonaro e Mourão, levantar a bandeira do impeachment e das Eleições Gerais

Bolsonaro e o bolsonarismo tiveram mais um fim de semana de espetáculos. No sábado (09/05), ocorreu mais um misto de passeata e carreata na Esplanada dos Ministérios, em repúdio ao ex-juiz, ex-ministro e ex-herói do bolsonarismo Sérgio Moro, do STF e do Congresso Nacional, e contra o isolamento social de prevenção à Covid 19.

O presidente marcou um churrasco para 30 pessoas no sábado, mesmo dia em que a Covid 19 chegaria a 10 mil mortes. No dia, desmarcou, temendo se queimar nas brasas do evento, e declarou que o churrasco era fake, que tinha sido uma “pegadinha para a imprensa”. Mas a porta do Palácio do Planalto estava cheia de gente.

No mesmo dia, foi passear de jet ski no Lago Paranoá, repetindo performance do ex-presidente impichado, Collor de Mello, em 1990.

No domingo, o ministro Ernesto Araújo falou mais algumas bobagens. O grande capital permite que ele fale bobagens e até pratique algumas, contanto que não prejudique seus negócios, como no caso da China. Já a Secom, divulgou mensagem onde usa o lema nazista “o trabalho liberta”.

Eduardo Bolsonaro usou uma espingarda para anunciar o sexo da filha numa festinha onde o pai esteve presente. Na volta ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro foi saudado por sua claque e afirmou que só sai do governo em janeiro de 2027.

Vamos parar por aqui, pois já está parecendo notinha de coluna social.

Então, foi o fim de mais uma semana de performances autoritárias espetaculares de Bolsonaro e do bolsonarismo, o que já se tornou uma agenda regular.

Bolsonaro busca manter a iniciativa

De dois meses para cá, ocorreram várias ações políticas importantes, de Bolsonaro e dos bolsonaristas, gerando múltiplas pequenas crises dentro da crise geral que o Brasil e o Governo Bolsonaro estão sofrendo. E gerando vários tipos de reações, dentro do governo, no parlamento, judiciário, forças armadas, polícia federal, empresariado, mídia e do próprio bolsonarismo e suas milícias de vários tipos (digitais ou nas ruas).

A linha do bolsonarismo é ficar sempre na iniciativa, criando fatos sistematicamente, alguns com clara espetacularização, como as marchas, carreatas, manifestações em frente a quarteis, hospitais, Palácio do Planalto e até uma “visita surpresa” ao STF, além de declarações bombásticas, piadas de mau gosto etc.

Na semana anterior, uma manifestação do bolsonarismo rompendo o isolamento social em Brasília, foi a maior desde 15 de março. Como as outras, além de enfrentar o isolamento social, houve a defesa explícita de um golpe de estado, seja através de uma genérica intervenção militar, seja através de um novo AI-5 ou de um AI-6. Foi a mais radicalizada e, como as demais, teve a participação direta de Bolsonaro. Os militares ficaram obrigados a dar respostas públicas, falando em respeito às instituições, mas deixando pontos dúbios.

Depois do 15 de março, tivemos uma grande boataria de que teria havido um golpe de uma suposta Junta Militar chefiada pelo General Braga Netto, que teria afastado de fato Bolsonaro do governo e que isso já teria até sido informado à diplomacia de outros países etc.

Muitos memes foram postados mostrando Bolsonaro como “Rainha da Inglaterra”. Mas, em seguida, vimos a derrubada de Mandetta, mostrando que Bolsonaro não aceitava ser rainha britânica e uma nova manifestação de rua, dessa vez na porta dos quartéis, exigindo um novo AI-5 e uma intervenção militar na prática. Esta também contou com a presença de Bolsonaro. Finalmente, veio a queda do juiz Sérgio Moro do Ministério da Justiça.

Nesse ínterim a bolsa subiu e caiu várias vezes, mostrando que estamos nessa instabilidade do mercado financeiro. Mas também de instabilidade do mercado das informações e contrainformações e das Fake News, publicadas a todo momento de modo sensacionalista. Inclusive nos sites, blogs e canais da chamada esquerda ou centro-esquerda, que têm vivido de notícias em tempo real, sem fazer uma análise mais séria do que está acontecendo.

A ameaça do impeachment e as perdas de Bolsonaro

As condições “técnicas”, legais, para o impeachment estão mais do que dadas. Mas o impeachment é um processo eminentemente político. Não está perto, não vai ser fácil e vai requerer muita luta.

Então, que conclusões e interrogações se colocam neste momento?

A primeira obrigação é filtrar, analisar e racionalizar a multiplicidade de “notícias”, boatos, especulações e matérias sensacionalistas oriundas da grande imprensa e da própria “esquerda”.

Bolsonaro está sentindo a possibilidade real do impeachment, mas não está disposto a se entregar. Ele sabe que está perdendo bases, a cada dia vê mais inimigos em todo lado, e procura agir de modo a bloquear as possibilidades do impedimento.

O “bolsonarismo amplo” sofreu muitas fraturas. Perdeu muitas lideranças expressivas e base social de apoiadores ao governo e ao presidente. O apoio ao governo caiu para uma faixa entre 25 e 30% e a rejeição está em alta.

Perdeu também base em parte do aparelho jurídico-coercitivo, especialmente no judiciário e ministério público.

Parlamentares expressivos do PSL, ex-aliados eleitorais de outros partidos, tanto no parlamento quanto praticamente todos os governadores e muitos prefeitos. Também romperam com o capitão organizações da sociedade civil que estiveram nas convocações do impeachment de Dilma Rousseff, como o MBL.

A recente ruptura de Moro, foi a que causou maior impacto, mas ainda não é possível dizer em que medida as provas que ele apresentou são mesmo consistentes e irrefutáveis. Não esqueçamos que Moro está acostumado a condenar “por convicção”, mesmo sem provas cabais.

A divulgação do depoimento de Moro na PF causou desgaste, mas não é conclusivo que as provas concretas vão aparecer. A eventual divulgação do vídeo da reunião de Bolsonaro com Moro e outros ministros, talvez complique as coisas para Bolsonaro. Mas pode complicar também para os ministros militares e, com isso, complicar tudo o mais. Em todo caso, será muito ilustrativo de como andam os porões do Planalto. Ou, pelo que se especula, ao menos um curioso BBB político.

A conjuntura econômica e social piorou, vai continuar piorando e uma saída da “crise imediata” depois da pandemia vai ser difícil. Porque a crise estrutural não tem saída sem um governo que rompa com a dependência.

A linha de Bolsonaro para enfrentar a situação é “a melhor defesa é o ataque”.

Assim, podemos entender melhor o quadro do conjunto de medidas agressivas de Bolsonaro e sua turma.

Organizando a tropa

Bolsonaro perdeu em amplitude e quantidade, mas suas bases mais duras, mais assemelhadas com o que estamos chamando de neofascismo e mais orgânicas, estão tentando ganhar (e parece que estão conseguindo) mais organicidade e veneração ao chefe. Mesmo que esta base seja também diversificada e dentro deles existam tanto seguidores caninos, quanto os que apoiam e pressionam, pois desconfiam até do líder.

Este campo age nas redes e nas ruas e tem algumas representações mais orgânicas nos parlamentos, e presença entre grandes empresários, nas FFAA, nas PMs, na PF e Polícias Civis, no judiciário, no Ministério Público e nas milícias urbanas do crime comum e de latifundiários. Além de diversos agrupamentos extremistas fascistoides, muito ativos.

A ameaça do impeachment, a oposição à quarentena, as dissidências e “traições” (especialmente a de Moro), as ações de massa na ruas etc, estão reforçando a unidade político-ideológica deste campo, o ódio aos inimigos, sua organicidade, seu fervor e sua militarização e tendências a ações violentas, inclusive “fora de controle”. O que pode gerar atentados e assassinatos contra os inimigos.

Os aliados e o papel dos militares

Além deste agrupamento/campo com unidade política e ideológica maior, (mesmo que também diversificado e contraditório), as outras bases principais de Bolsonaro estão nas igrejas neopentecostais, em parte dos empresários e na alta oficialidade da FFAA, que não são propriamente “bolsonaristas”.

As cúpulas neopentecostais cumprem um papel fundamental para manter um apoio de massas e parte da base parlamentar e midiática.

Neste campo de “aliados”, os principais são os chamados “militares do governo”. Por várias razões. 1-  Eles são uma retaguarda usada efetivamente por Bolsonaro para ameaçar os que “o ameaçam” com o impeachment. E a maioria do Congresso Nacional não se arriscaria em promover um impeachment sem a aceitação e um acordo com os militares. 2- Eles são os principais assessores/dirigentes políticos do governo. Tutelam a presidência, definindo seus limites no que é mais substancial nas políticas de governo e estado. E, ao mesmo tempo, assessoram Bolsonaro, para que este consiga se sustentar, negociando com o parlamento de duas maneiras: na construção de base congressual do governo, articulando a cooptação de parlamentares do Centrão e do MDB. E mantendo pontes de diálogo e negociação com as lideranças da elite política burguesa tradicional, especialmente do DEM, na Câmara e no Senado. 3- Também são os negociadores, dentro do próprio governo, com ministros e outros portadores de cargos importantes que não podem ser chamados propriamente de “bolsonaristas”, especialmente com a área econômica, mas também em outros ministérios onde militares ocupam a cada dia mais postos de segundo e terceiro escalão com a função de regulação e tutela dos chefes. 4- Estão à frente da gestação de um plano econômico que pode dar maior papel ao estado no estímulo à recuperação econômica pós-pandemia, de modo a dar condições de sobrevida ao governo. 5- Mantém uma relação de negociação e pressão com o STF. 6- E, talvez, contendo arroubos de aventuras golpistas dentro da tropa.

Os ministros do STF têm se manifestado mais ativamente nas últimas semanas. Resta saber até onde vão, diante da barreira dos militares.

Finalmente, é preciso saber quais são as perspectivas entre os capitães do grande capital. Quem é quem em termos de perspectivas de política econômica e do papel do estado após a pandemia.

A grande mídia, especialmente seus órgãos mais tradicionais e mais orgânicos do grande capital, em sua maioria está em oposição a Bolsonaro, tendente ao impeachment e, no caso da Globo, em oposição sistemática. Mas, como regra geral, tem apoiado sua política econômica e procura diferenciar os “bons” e os “maus” dentro do governo.

Mas a história de todo o período recente já mostrou que a mídia, apesar da grande influência social e política que tem, não é todo poderosa. E, sem convergência com outras esferas do bloco de poder (estado, sociedade civil e base econômica) não consegue impor sua vontade.

Os militares estão hoje na seguinte posição, dentro do quadro de “tutela militar civil burguesa”: junto – e contraditoriamente – com líderes do grande capital, com lideranças do parlamento e ministros do STF, agem tutelando o governo. Ao mesmo tempo, tutelam o parlamento e o STF e, assim, o estado em seu conjunto.

Mas, o estado é burguês e, apesar da escalada autoritária, continua sendo liberal democrático representativo, não sendo um ente monolítico que obedece a um comando único e sem contradições – não há uma ditadura política, estrito senso. Há uma tutela com conflitos, negociações e acordos – alguns dos quais não se sabe bem quais são. E funciona para garantir os interesses comuns das frações hegemônicas da classe dominante, é claro. Naquilo que é essencial à hegemonia burguesa, governo, parlamento, judiciário, polícias, Ministério Público, Forças Armadas e grande mídia agem no mesmo sentido. E, apesar da grave crise, a hegemonia burguesa continua forte.

Sem esquecer que, como todo estado burguês (menos ou mais autoritário), este é, na sua essência, uma ditadura da classe dominante contra os trabalhadores e todos os oprimidos. Por isso, o governo, o Congresso e o STF continuam, apesar de seus conflitos políticos e “morais”, tomando decisões pró-capital, em plena pandemia.

Fora Bolsonaro

Nas circunstâncias atuais, a tendência é de uma crise de longa duração, que não desejável ao grande capital. Para uma saída menos lenta e menos inconsistente da recessão profunda, é preciso mais estabilidade política. Coisa para o que Bolsonaro não tem vocação, especialmente quando está sob ameaça: do mandato e, teoricamente ao menos, até mesmo de condenações por crimes comuns contra seus filhos e ele próprio. E esta é mais uma das contradições do processo.

Mas Bolsonaro só cai em duas situações.

A primeira, numa crescente, ampla, radical e poderosa mobilização de massas, que possa mexer, ao menos em parte, na correlação de forças. Isso só poderá acontecer após o isolamento social, mas deve ser articulado desde já.

A outra, se surgirem provas muito contundentes e irrefutáveis, que aprofundem muito mais a instabilidade política, e deixem o Congresso, o STF, o grande capital e os militares numa situação de “ou impeachment ou desmoralização completa do conjunto das instituições do estado”.

E, mesmo nesta situação, seria necessário resolver qual política econômica será seguida, quem será o substituto e qual será o papel que os militares continuarão tendo. Estes estão ocupando um espaço muito grande e não vão se afastar facilmente.

O problema é que as forças maiores da oposição do chamado campo popular (particularmente o PT), são vacilantes. E as do liberalismo burguês que está contra Bolsonaro, ainda mais vacilantes. Afinal, a maior parte deles apoiou Bolsonaro em 2018 ou se omitiu.

Mas é preciso superar essa situação. Construir uma frente política para levar às últimas consequências a luta em defesa da vida, dos direitos do povo, da soberania nacional e das liberdades democráticas. Defender um plano de emergência radical, que garanta as condições de vida do povo, e o “Fora Bolsonaro”.

Não sairemos de uma situação difícil sem ousar lutar agora e numa perspectiva de futuro. Significa lutar pelo Fora Bolsonaro e Mourão, levantar a bandeira do impeachment e das Eleições Gerais. E afirmar a necessidade de um programa verdadeiramente democrático e popular, sob a hegemonia dos trabalhadores e na perspectiva do socialismo.

*Jorge Almeida é professor do departamento de Ciência Política da UFBA.

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