a terra é redonda

Um raio-X da oposição direitista da Venezuela.

Por Joao Pedro Stedile*

O governo Trump se considera dono da Venezuela e exige que o povo obedeça seu capataz, o sr. Guaidó, que por sinal é muito bem pago

Em 2015 houve eleições para a Assembleia Nacional da Venezuela.
A representação lá é unicameral, não tem senadores, só deputados. São 167
deputados eleitos.

Naquela eleição a oposição ao chavismo conquistou a
maioria dos deputados. Os chavistas ficaram em franca minoria com apenas 55
deputados, organizados num bloco denominado Pátria. O Tribunal de Justiça Eleitoral
cancelou a eleição de alguns deputados por fraude e ou por corrupção. Os partidos
direitistas não quiseram reconhecer esse cancelamento. Instalou-se assim um
conflito permanente acerca da legitimidade e legalidade da Assembleia Nacional.
Uma batalha incessante entre o Poder Executivo chavista e a oposição direitista
que controlava o parlamento.

Em resposta a esse impasse, e ao aumento da violência,
com atentados, “guarimbas” etc de setores radicais de direita, o governo usou
suas faculdades constitucionais e convocou em 2017 uma Assembleia Popular Constituinte
que, segundo a Constituição em vigor, era superior ao Presidente e ao
parlamento. A oposição mais radical se recusou a participar da eleição para a
Constituinte, pois sua tática era derrubar o governo pela violência.

Desde então na Venezuela funcionam dois colégios
legislativos.

Em 2018 houveram eleições para Presidência da
República, e governos estaduais. A oposição participou das eleições, que contou
com a presença de observadores de várias instituições internacionais. Maduro
derrotou três outros competidores e a oposição elegeu alguns governadores
estaduais. Todos tomaram posse regularmente em 10 de janeiro de 2019.

Já em janeiro de 2019, articulados pelo governo Trump,
o setor mais radical dos partidos direitistas, que costumava fazer atentados na
cidade, e que conta com representação na referida câmara, conseguiu eleger o deputado
Juan Gerardo Guaidó presidente da Assembleia Nacional. O que deveria ser um ato
normal, a eleição anual pelos deputados do presidente da Assembleia,
transformou-se numa afronta a democracia. Guaidó se autoproclamou Presidente da
República, em afronta ao presidente recém-eleito e empossado segundo a Constituição
e pelos Poderes Judiciais: Nicolas Maduro.

Esse ato unilateral era parte de um plano golpista, que previa inclusive
intervenção de forças armadas dos EUA, da Colômbia e do Brasil. Após uma série
de episódios e um ciclo de mobilizações populares durante o ano de 2019, o
golpe foi derrotado. A ampla maioria do povo continuou apoiando o governo de
Nicolas Maduro, apesar da crise econômica e do bloqueio econômico e financeiro
imposto pelo governo Trump.

O ponto decisivo para o êxito do golpe consistia em dividir
as Forças Armadas, conquistando o seu apoio ao golpe. Para tanto recorreram a
inúmeros procedimentos valendo-se de mentiras, de tentativas de cooptação e de corrupção
de militares. As Forças Armadas da Venezuela, no entanto, mantiveram-se leais à
Constituição e ao governo comandado por Nicolas Maduro. Decretou-se assim a
derrota dos grupos e partidos direitistas e golpistas.

O mandato de Guaidó como presidente da Assembleia
Nacional encerrou-se em janeiro de 2020. No dia 05, data constitucional prevista
para a eleição do novo presidente da casa, parte da oposição ao chavismo – mais
civilizada e contrária à intervenção americana – discordou dos adeptos da de
reeleição de Guaidó, apresentando um outro candidato para a presidência da
Assembleia Nacional.

Antecipando a iminente derrota Guaidó orquestrou uma
confusão na entrada do prédio da Assembleia, numa tentativa frustrada de boicotar
a sessão. Apesar disso, compareceram 127 deputados, sendo eleito com 81 votos –
pela maioria dos presentes – como um novo presidente da Assembleia em
substituição a Guaidó, o deputado Luis Parra, do partido oposicionista Primero
Justicia.

Enraivecido, Guaidó reuniu no mesmo dia na sede de um
jornal opositor, 30 deputados que o reelegeram por unanimidade para continuar na
presidência da Assembleia.

A divisão da oposição precipita o caos. O setor
radical, terrorista, subordinado aos Estados Unidos, conta com apenas 30
deputados, liderados por Guaidó. A maioria da oposição, que se propõe a
conquistar o governo pela via democrática e conta com uma base de 81 deputados,
só reconhece Luis Parra como presidente da Assembleia Nacional.

No dia 14 de janeiro, o parlamento paralelo comandado
por Guaidó, reuniu-se novamente e tomou a decisão de eleger um novo presidente para
a companhia estatal de comunicações, a Telesur. Como se fosse esse ato
administrativo fosse atribuição da Assembleia ou do presidente da Assembleia.
Guaidó nomeou o jornalista Leopoldo Castillo para “recuperar” a Telesur. Além
do absurdo jurídico, tramado apenas para gerar fatos políticos, Leopoldo Castillo
– um antigo militante da extrema direita venezuelana – se encontra, no momento,
fora do pais.

Na década de 1980, Castillo era embaixador da
Venezuela em El Salvador, tendo participado, junto com a direita fascista
local, dos fatos que levaram ao assassinato de padres jesuítas (Cf. https://twitter.com/teleSURtv/status/1217521831424548864?s=20).

A Telesur é uma Fundação latinoamericana que não
depende juridicamente da Assembleia Nacional da Venezuela. A presidenta é a
jornalista colombiana Patricia Villegas. Essa tentativa de usurpação de Guaidó,
só se explica como uma ação que atende aos pedidos de seus padrinhos nos EUA, em
parte por conta da queda da audiência da CNN em espanol, TV pertencente a um grupo
direitista que apoia Trump. Mas também sobretudo porque a Telesur tem
transmitido com fidelidade os acontecimentos não só da Venezuela, mas também os
do Chile, Argentina, Peru, Ecuador, Colombia, se contrapondo às manipulações mediáticas
do Império.

A articulação de Guaidó com Trump e sua turma é
permanente. No dia 14 de janeiro o Departamento do Tesouro dos EUA aplicou
sanções ao deputado Luis Parra e a outros dois deputados membros da mesa diretora
da Assembleia. O governo Trump se considera dono da Venezuela e exige que o
povo obedeça seu capataz, o sr. Guaidó, que por sinal é muito bem pago.

Essa confusão toda, a coexistência de dois presidentes
da Assembleia Nacional, as disputas dentro da oposição, só se resolverá, provavelmente,
mediante a convocação de novas eleições para o Parlamento. Eleições, previstas
por lei, a serem convocadas pelo Tribunal Eleitoral no primeiro semestre deste
ano. Até lá, Guaidó seguirá enganando quem quiser. E os americanos seguirão
promovendo suas mentiras.

Tornou-se fato público recentemente – tanto nos EUA como
na Venezuela – que a USAID (United States Agency for International
Development
) contribuiu com 128 milhões de dólares e Elliott Abrams
com outros 50 milhões, para financiar as atividades de Guaidó. O conjunto da oposição
recebeu da USAID, desde 2017 U$$ 467 milhões (Cf. https://actualidad.rt.com/actualidad/340110-usaid-admitir-financiar-oposicion-venezolana).

A atual conjuntura internacional possibilitou ao
governo Maduro obter alguns trunfos. A Venezuela foi eleita membro do Conselho
de Direitos Humanos da ONU. O novo governo da Argentina expulsou a
representante de Guaidó e voltou a reconhecer unicamente o governo Maduro. Nos
próximos dias deve acontecer o mesmo com o novo governo da Espanha. Guaidó tampouco
obteve êxito na tentativa de se apoderar da embaixada da Venezuela em Brasília.

A capacidade de mobilização do povo da Venezuela e sua
unidade com as Forças Armadas são o ponto fundamental de sustentação do governo
Maduro.

*João Pedro Stedile é membro da equipe de
coordenação do MST.

Um raio-X da oposição direitista da Venezuela. – 19/01/2020 – 1/1
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