Por ANTÔNIO DAVID & LINCOLN SECCO
Na USP, toda greve de estudantes é contra a estrutura de poder, é contra um poder exercido arbitrariamente
Vinte e um anos após a vitoriosa greve estudantil que chacoalhou por mais de três meses a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) pela contratação de 256 professores, em 2023 foram novamente os estudantes, agora de várias unidades da universidade, que decidiram tomar a iniciativa e entrar em greve, e pela mesma razão: dentre as reivindicações do movimento, a principal foi a contratação de 1.683 professores para toda a USP.
Segundo os dados oficiais da USP, enquanto em 2014 havia 5.984 docentes ativos na universidade, em 2022 eram e 5.043 – um decréscimo de quase 15,73%. Em contrapartida, no mesmo período o número de alunos de graduação passou de 57.700 para 59.313, e o número de alunos de pós-graduação passou de 32.690 para 33.727, ou seja, o número de alunos seguiu crescendo nesse período. Cabe a ressalva: a situação não é a mesma entre as unidades da USP: enquanto em algumas unidades a proporção de alunos por docente ativo é menor que 5, em outras unidades a proporção passa de 20.
Já se ampliarmos a escala de observação e considerarmos o período entre 1989 e 2022, constataremos que a USP como um todo perdeu 8,44% do seu quadro docente ativo, enquanto o número de alunos de graduação matriculados saltou 88,48%, e o número de alunos de pós-graduação matriculados saltou 127,89%.
No caso da greve de 2002, sua motivação é igualmente visível quando se leva em conta os dados: na gestão de Jacques Marcovitch como reitor (1997-2001), o número de docentes ativos caiu de 4.852 em 1997 para 4.694 em 2002. No mesmo período, o número de cursos subiu, de 130 para 158, e número de alunos matriculados na graduação saltou de 33.020 para 39.326, e na pós graduação de 19.713 para 22.500; e a taxa de matriculados total por docente passou de 10,9 a 13,2.
Nesse mesmo período, a FFLCH (unidade responsável pelos cursos de Letras, Ciências Sociais, Filosofia, Geografia e História) ganhou 22 docentes ativos, passando de 340 para 362. Ocorre que a unidade, que já era a maior da USP em número de alunos, viu seu quadro discente disparar nesse mesmo período: o número de alunos de graduação saltou quase 15%, passando de 8.879 para 10.190, enquanto o número de alunos de pós-graduação variou pouco mais de 17%, passando de 3.710 para 4.355. Não admira então que, em 2002, a proporção de alunos de graduação por docente ativo tenha chegado a 28,15 na FFLCH, a maior de toda a série histórica de 1998 até 2022, consideradas todas as unidades.[i]
Cada uma dessas greves é filha de seu tempo. Cada uma delas teve características e dinâmicas muito próprias, além de terem se dado sob conjunturas bastante diversas, interna e externamente à USP. Nisso se inclui a conjuntura da esquerda, com diferentes prioridades e aspirações. Essa discrepância não impede, nem torna menos válido e útil, o exercício de, sem deixar de pô-las em contraste, tomá-las como referências para a investigação histórica – no caso, aquela que se ocupa das relações de poder no âmbito da USP, uma vez que ambas se deram sob a égide do que Marilena Chaui chamou de “terceira fundação” da USP.[ii]
Radiografia da greve estudantil de 2002
Se o déficit de professores na USP foi gradativamente se agravando desde os anos 1980, a situação chegou a níveis preocupantes na passagem do milênio, em uma época na qual os “ventos do progresso” anunciados pelo neoliberalismo prometiam o “enxugamento” da universidade[iii].
O documento “Demanda de claros docentes”, elaborado pela “Comissão de Pauta” dos alunos durante a greve da FFLCH em 2002, reproduz declarações de dois ex-reitores, nas quais se atesta a força do pensamento neoliberal: na avaliação de Robero Leal Lobo e Silva Filho (1990-1993) em 2001, a USP “reviu suas prioridades […] como qualquer empresa”, e complementa, acerca do “resultado” obtido: “Esse resultado decorre principalmente do não-preenchimento, automático, das vagas abertas por demissões (voluntárias ou não) ou por aposentadorias”, implicando, ainda nas palavras de Lobo, em “ganhos de produtividade”. No mesmo texto, o ex-reitor gabava-se do dito “resultado”, qual seja, a redução do corpo docente da USP em 16%.
Nessa mesma direção, em declarações realizadas ainda durante sua gestão, Marcovicth sustentava que o “desafio básico” da USP era “fazer cada vez mais com recursos constantes ou decrescentes”. A tão desejada “evolução da produtividade” era visível, segundo ele, em “menos professores, menos funcionários, trabalhando cada vez mais e gerando cada vez mais resultados […], isso sem falar do alunado, que cresceu de forma exponencial”. Mas nada se compara, em eloquência, à declaração que reproduzimos a seguir: segundo o ex-reitor, “pode ter no primeiro ano salas de 120 alunos, mas em algum momento é preciso criar escalas de sala de aula onde professor e aluno convivem como gente”.
Essas citações foram reproduzidas no documento elaborado pelos alunos em greve em 2002, que comentam: “Impressiona-nos menos o simples fato de alguém da envergadura de um reitor da USP pensar dessa maneira do que a capacidade que Marcovitch teve de tornar tudo isso público sem nenhum pudor”[iv].
Apesar da flagrante e deliberada precarização – que, na boca dos antigos reitores, era vista como “modernização”, associada, como vimos, à busca por “ganhos de produtividade” –, ainda assim a situação não era homogênea entre as unidades da USP. Sendo a FFLCH a maior unidade, há tempos com cursos massificados, com número de docentes ativos abaixo da média e à qual coube o oferecimento de parcela significativa dos cursos noturnos da USP, e quase sem nada a oferecer ao “mercado” – portanto, sem nada que justificasse a contratação de professores quando a mentalidade vigente era a da universidade – empresa, era esperado que a crise fosse sentida ali primeiro.
A greve de 2002 começou em maio e terminou em agosto. Durou pouco mais de três meses. As semanas que antecederam sua deflagração, de intensa agitação, fizeram a diferença para que, uma vez iniciada, não houvesse esvaziamento. Em um mundo no qual não havia smartphones nem redes sociais, a passagem em sala semanalmente, o emprego de murais e a panfletagem ostensiva apareciam como indispensáveis como formas de circulação de informações e de mobilização.
A participação oscilou, mas, nos mais de cem dias de greve, em geral as atividades, dentro e fora do campus, eram cheias. Um aspecto demográfico favoreceu o não esvaziamento: como maior unidade da USP, à época a FFLCH contava com mais de 10 mil estudantes de graduação e mais de 4 mil estudantes de pós-graduação.
Havia grupos entre os estudantes ativos na greve, todos de esquerda, alguns dos quais ligados a partidos políticos. Mas a iniciativa era difusa. Aquela que talvez tenha chamado mais a atenção foi o Fúria: um grupo de alunos ocupou uma das mãos da avenida onde a FFLCH está localizada e, no local, organizou um acampamento, junto ao qual ocorriam atividades políticas, culturais, artísticas e lúdicas. Houve também iniciativas individuais: em dado momento, um aluno criou uma estrutura com balões em que se lia “FFLCH” e o colocou no Rio Pinheiros. Era comum que alunos não organizados, em geral grupos de amigos, escrevessem panfletos em defesa da contratação de professores para serem distribuídos fora do campus. Em suma, foi uma greve protagonizada por muitos.
Outra dimensão da luta de 2002 foi a pauta de reivindicações. 256 docentes não foi um número aleatório. Ao lado da mobilização, foram os alunos que levantaram e analisaram os dados sobre alunos, docentes, áreas e turmas, e que chegaram a esse total. O fato de haver uma pauta embasada fez diferença para que o movimento ganhasse legitimidade, bem como nas negociações com a reitoria[v].
Mudança no movimento estudantil e recrudescimento do poder na USP
A ocupação da reitoria em 2007 pelos estudantes, reação à publicação de decretos pelo então governador José Serra e que na prática implicavam em uma política de restrição da autonomia das universidades estaduais paulistas, marca uma inflexão no movimento estudantil da USP, expondo e consolidando uma transformação que já vinha se anunciando subterraneamente – processo esse que, em verdade, desenrolava-se em nível nacional[vi].
No período anterior à ocupação, as mobilizações priorizavam lutas por conquistas, de que a greve da FFLCH foi um marco na USP. De alguma maneira, o movimento estudantil entre o final dos anos 1990 e o início da década seguinte mimetizou a esquerda institucional de sua época, centrada na luta sindical e eleitoral. É certo que nem todos tinham essa perspectiva e não eram poucos os que não se enxergavam nela, mas, dentre os estudantes engajados no movimento estudantil, essa era a perspectiva de um número grande o suficiente para dirigir a maioria das entidades estudantis e o movimento.
A presença de estudantes organizados no PC do B e PT era marcante nas disputas pela direção das entidades estudantis no Brasil, de que a UNE é emblemática. Na USP, as diversas tendências petistas, sobretudo da à época chamada “esquerda do PT”, tinham presença marcante nas eleições para o DCE.
Em meados da década, a esquerda já era outra. Os sentidos contraditórios do governo Lula e, posteriormente, do governo Dilma, e o fracionamento da esquerda institucional ecoaram no movimento estudantil da USP, que, no entanto, excedeu essa mesma esquerda. As aspirações de parcelas cada vez maiores de estudantes ativos no movimento já não cabiam mais no que os partidos de esquerda ofereciam.
Foi crescendo o cansaço e a indisposição em relação à esquerda institucional, em função do caráter pragmático e conciliatório do Partido dos Trabalhadores (PT), mas também pela desconfiança que organizações à esquerda do PT ensejavam. Assim, no movimento estudantil, a luta por conquistas foi cedendo lugar a lutas de resistência e, com elas, a lutas de enfrentamento. Uma energia que desembocará nos acontecimentos políticos de 2013 e 2014 em âmbito nacional[vii].
Assim, não surpreende que a prioridade do movimento estudantil da USP no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 fosse a campanha salarial levada a cabo pela Associação dos Docentes da USP (ADUSP) e pelo Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP), colando suas pautas e sua mobilização às pautas e à mobilização de trabalhadores e docentes[viii]. A campanha salarial de 2004 ainda foi uma prioridade do movimento estudantil, e considerada vitoriosa pelas entidades sindicais[ix].
Mas já em 2006, contudo, o ânimo entre os estudantes havia mudado. A campanha salarial foi perdendo importância para o movimento estudantil, e na década seguinte quase já não tinha relevância para os estudantes. Na mesma direção, o Congresso dos Estudantes da USP, que ocorria bienalmente, quando se formava a pauta do movimento estudantil, também foi perdendo importância, passando a ocorrer de maneira não regular, até que finalmente deixou de acontecer[x].
Essa mudança está ligada a outra, interna à USP. Nesse período, a universidade viu um contundente recrudescimento do exercício do poder com as gestões João Grandino Rodas (2010-2013)[xi] e Marco Antônio Zago (2014-2017)[xii]. Pela política repressiva e autoritária contra os movimentos, militantes e entidades, que não se via nas gestões anteriores – nem mesmo na gestão Marcovitch, com a qual o movimento estudantil fez embates duríssimos –, mas também pela política administrativa e acadêmica de cada um. Não por acaso, foi nesse período que estudantes de direita se organizaram para disputar o movimento estudantil – fenômeno, aliás, de alcance nacional.
Em 2009, na eleição interna realizada pelo colégio eleitoral da USP, e que definiria a lista tríplice a ser enviada ao governador do Estado para a escolha e nomeação do novo reitor, Rodas ficou em segundo lugar. Teve 104 votos. Dentre as credenciais que acumulou para ser escolhido pelo então governador José Serra, pesaram duas tomadas de posição, ambas como diretor da Faculdade de Direito: ter chamado a Polícia Militar (PM) para desocupar a Faculdade de Direito (FD) em 2007, quando estudantes e movimentos sociais ocuparam o prédio; e ter defendido essa mesma medida na ocupação da reitoria no ano anterior – vale reiterar, uma ocupação pela revogação de decretos do então governador, José Serra, de quem Rodas era aliado.
Sob a liderança política de Rodas (que, na condição de diretor da FD, tinha assento no Conselho Universitário), parte dos membros do conselho pressionou a então reitora, Suely Vilela (2006-2009), a chamar a PM para desocupar a reitoria. Ela se recusou a fazê-lo[xiii].
Como reitor, Rodas adotou uma política de gastos e investimentos por muitos vista como irresponsável, e que levou a uma grave crise financeira[xiv]. Apesar de desastrosa, uma tal política nada teve de irracional; antes, obedeceu a uma estratégia: comprometer o orçamento para inviabilizar o aumento salarial de docentes e funcionários e, com isso, sufocar e enterrar o movimento sindical na USP[xv]. Dessa ótica, não se pode dizer que a estratégia de Rodas não tenha sido, ao fim e ao cabo, e ao menos em parte, bem-sucedida. O intrigante é que a pequena multidão de analistas políticos paranoica com o que chama de “populismo”, e que na USP sempre vociferou contra o assim chamado “populismo” da ADUSP e do SINTUSP, convenientemente absteve-se de chamar Rodas de populista.
Zago, por seu turno, respondeu à crise com uma política de saneamento financeiro que, se conteve um lado da crise, agravou-a por outro. É então que o número de docentes ativos começa a cair, e continuaria a cair na gestão de Vahan Agopyan (2018-2021), que fora vice-reitor e aliado de Zago, até chegar ao patamar de 2023.
Sucessor de Rodas, Zago sempre se esquivou de assumir qualquer responsabilidade sobre a crise provocada na gestão de seu antecessor, apesar de ele próprio ter feito parte do núcleo de poder na administração central da universidade – Zago foi pró-reitor de pesquisa no período – e de as decisões de Rodas que levaram à crise terem sido de conhecimento público. Em depoimento à CPI das Universidades na Assembleia Legislativa, dado em 28 de agosto de 2019, Zago chegou a declarar, falando de si e dos demais pró-reitores: “sabíamos muito pouco da dinâmica financeira da Universidade”[xvi].
Podemos acreditar ou não. E, se acreditarmos, então essa declaração é mais do que tudo sintomática: se um pró-reitor sabe muito pouco da dinâmica financeira da universidade na qual ele é pró-reitor, então quem realmente sabe além do reitor? De fato, as decisões na Universidade de São Paulo são centralizadas ao extremo.
Nessa mesma sessão, Zago ainda declarou: “em dezembro anterior [2013], à véspera, exatamente na véspera da eleição, a Reitoria havia distribuído 539 novas vagas para contratações de docentes, que se viessem a ser concretizadas agravariam enormemente a situação de desequilíbrio financeiro”, e complementou: “Então, ao longo do meu mandato, começando então nos primeiros dias, logo após a posse, e prosseguindo nos anos seguintes, foram tomadas medidas diretamente pela Reitoria ou propostas ao Conselho Universitário, que sempre as aprovou, as seguintes medidas. Primeiro: suspensão de todas as contratações de pessoal, incluindo substituições de aposentados ou demitidos. Revogação das portarias que haviam concedido 539 novas vagas de docente às vésperas da eleição”.
Apesar de ter seguido a política administrativa e acadêmica de Zago, sobretudo a política de não contratação de professores, Vahan afastou-se da política repressiva e de desqualificação e criminalização do movimento, que marcou a gestão de seu antecessor. O reitor seguinte, Carlos Gilberto Carlotti Júnior (2022-), que igualmente evita fazer discursos criminalizadores e incriminadores, iniciou sua gestão prometendo contratações de professores e ampliação de direitos. Não foi por acaso que a greve de 2023 foi uma luta por conquistas.
As greves e a estrutura de poder da USP
Antes da greve de 2002, a administração da FFLCH solicitara da reitoria 115 novos docentes, mas nesta ofereceu apenas 12 docentes à faculdade, em tratativas que seguiram o protocolo institucional, entre a administração central e a administração da unidade. A notícia que chegou aos alunos através da diretoria da faculdade era de que não havia uma efetiva negociação. Era essa a oferta e ponto final. Negociação, efetivamente, só houve com a greve, por pressão dos estudantes.
As primeiras rodadas de negociação foram improdutivas, quando as negociações eram conduzidas pelo então vice-reitor Hélio Nogueira da Cruz, que era também o coordenador da Comissão de Claros, a instância da administração central responsável por analisar e tomar decisões sobre pedidos de contratações de professores. Depois de algumas semanas, o reitor determinou a mudança nas negociações, e designou o então pró-reitor de pesquisa, Luiz Nunes de Oliveira, como negociador principal por parte da reitoria. Na rodada aberta por Nunes, ele iniciou a reunião declarando: “houve um erro por parte da reitoria”[xvii].
Ao falar de erro, o representante da reitoria fazia menção ao fato de a falta de professores na unidade não ter sido levada em conta pela Comissão de Claros. Tendo em mãos dois cadernos contendo todas as disciplinas da FFLCH consolidadas no ano anterior, Nunes reconheceu que a FFLCH precisava de 96 docentes para suprir apenas a demanda mínima existente, ou seja, sem contar a abertura de novas linhas de pesquisa.
O que Nunes chamou eufemisticamente de “erro” foi na verdade o resultado do exercício de um poder arbitrário. Não se tratou de erro, mas de uma decisão consciente e deliberada. No início das negociações, os estudantes que negociavam com a reitoria pediram o estudo que embasava a oferta de 12 docentes, anterior à greve, mas este estudo nunca foi apresentado, e nem poderia: simplesmente não houve estudo algum que embasasse aquela oferta.
Alguém, ou um grupo, que usufruía de cargos e, portanto, de posições de poder na administração central da USP, valendo-se inescrupulosamente desse poder, tirou do bolso um número, 12, e ofereceu à FFLCH, como que dizendo: “eu concedo 12 porque eu quero conceder 12”. Uma conduta em nada distinta do que a História e a Ciência Política dedicadas ao Brasil convencionaram chamar de patrimonialismo, a qual deita raízes no chão histórico brasileiro[xviii].
Daí que se pode com propriedade dizer: na USP, toda greve é contra a estrutura de poder, é contra um poder exercido arbitrariamente, não raro caprichosamente, e ao mesmo tempo contra uma lógica de poder atravessada pela imiscuidade entre o público e o privado. Essa é uma importante lição da greve estudantil de 2002 e de todas as greves na USP. Pois toda demanda, toda reivindicação, é por algo ou contra algo que outros, valendo-se de uma posição de poder, arbitrariamente recusam-se a conceder ou querem impor. Historicamente, nem mesmo os membros do Conselho Universitário tomam parte efetivamente das decisões, apenas a chancelam. É contra os efeitos dessa lógica de poder que as mobilizações acontecem. Nesse sentido, toda greve é política.
Uma dessas demandas que o poder na USP reiteradamente recusou-se a conceder foram as cotas sociais e raciais. O caso das cotas é particularmente revelador porque durante muito tempo os conselhos centrais e da maior parte das unidades sequer aceitaram discutir o assunto, salvo pontuais exceções. Em 2015 – portanto, quando já havia uma política de cotas em nível federal –, a reitoria da USP, em plena gestão Zago, quando questionada pronunciou-se dizendo que “não há previsão de discussão do tema”[xix].
Os pretextos sempre dados para não haver debate – isto é, para a recusa sumária da política de cotas – são conhecidos. Pouco depois, Zago ainda tentou driblar a demanda por cotas através da adoção do Enem como critério de ingresso[xx]. Se no ano em que escrevemos (2023) a composição demográfica dos alunos de graduação da USP é nitidamente diferente em relação a vinte anos atrás, foi graças à pressão dos movimentos na década anterior – inclusive à tentativa de ocupação da reitoria em 2015 –, em especial à histórica luta do movimento negro, de dentro e de fora da USP[xxi].
Ao contrário do que comumente se alega, semelhante estrutura de poder não é meritocrática, pois não se baseia no mérito acadêmico. São grupos de interesses, compostos por poucos indivíduos, que, aproveitando-se de um status quo e associando-se em função de interesses particulares, ocupam posições de poder através das quais operam na lógica da distribuição de bens escassos (materiais e simbólicos), do favor e do privilégio. E, não raro, também da intimidação, da ameaça e da retaliação. A estrutura e a lógica de poder da qual são beneficiados é reproduzida por sua ação, perpetuando-se como um circuito fechado. O acesso de novos indivíduos aos grupos que disputam e compartilham o poder é controlado. Como acadêmicos, pesquisadores e professores, esses indivíduos podem ter mérito acadêmico, mas isso nada tem a ver com a posse e o exercício do poder na USP.
Ao mesmo tempo, uma das razões pelas quais essa estrutura de poder se perpetua é o fato de ela ser replicada nas instâncias inferiores (unidades e departamentos)[xxii], de modo que, na USP, todo aquele e aquela que ocupa posições de poder pode, se quiser, exercê-lo de maneira arbitrária. Nem todos o fazem, mas o essencial é que poderiam fazê-lo se quisessem, pois a estrutura o permite.
Assim, não é incomum flagrar o arbítrio de parte de indivíduos investidos de poder e autoridade em decisões tomadas localmente, e não apenas na esfera administrativa, mas também acadêmica, em geral sob a anuência dos pares, que comumente naturalizam esse tipo de conduta – para a qual a alternativa é o “populismo” –, ou simplesmente porque preferem evitar dor de cabeça e desgastes pessoais com questionamentos e contestações. No fim, apesar de o poder para a tomada de decisões de relevo estar nas mãos de muito poucos, a estrutura de poder da USP é tal que permite a não poucos aproveitarem-se da lógica de poder que nela impera.
Pois foi essa estrutura de poder fechada e autocrática da USP que permitiu a Rodas arbitrariamente adotar políticas irresponsáveis que levaram à crise financeira, tendo para tanto a anuência de seus pares na administração central, e que permitiu a Zago arbitrariamente dar início a uma política que envolvia a não contratação de professores por vários anos. Se damos destaque para ambos, Rodas e Zago, é porque a crise que a greve estudantil de 2023 evidenciou originou-se nas gestões de ambos, que, opostas na superfície, no fundo complementaram-se. Rodas produziu a adversidade, e Zago a transformou em oportunidade.
O poder simbólico e a legitimidade dos movimentos
Rodas foi o reitor que mais promoveu mudanças nos espaços na universidade quando comparado àquelas efetuadas por seus antecessores – e que já foram muitas. Na década de 1990, a Cidade Universitária passou por mudanças estruturais em sua relação com a cidade e com a comunidade no seu entorno. Em janeiro de 1995 surgiu a limitação de horário ao público externo entre as 14h de sábado e 5h de segunda.
Na gestão Flávio Fava de Moraes (1994-1997) foi ampliado o muro em torno da universidade. Fava declarou: “O ‘dono’ da favela São Remo era um morador, cujo apelido era ‘Pisca’. Ele controlava as construções, o acesso, o parque infantil, o estacionamento etc. Ele dialogou conosco, aceitou que terminássemos o muro perimetral da USP, desde que fosse deixado um acesso para os seus moradores irem ao Hospital Universitário. O pleito era justo e ele está lá, aliás, tem dois acessos, o outro está mais abaixo, um portão menor, perto da Prefeitura do campus”[xxiii].
Uma das medidas arbitrárias de Rodas foi a mudança da sede da reitoria dos blocos K e L do Conjunto Residencial da USP (CRUSP) – que, apesar do nome, nunca foram usados como moradia estudantil – para o edifício da “antiga reitoria”, junto à Escola de Comunicação e Artes (ECA). Poucos foram os que à época notaram que a motivação para a mudança era ligada à posse e ao exercício de um poder simbólico. Primeiro porque tirou a reitoria de uma posição desconfortável, entre o CRUSP e a FFLCH, e a deslocou para o centro da USP. Segundo porque, com a reforma da nova sede e seu cercamento, Rodas deslocou as sedes da ADUSP e do SINTUSP, que antes ficavam exatamente no local para onde a reitoria foi (isto é, no centro), para a margem da USP, onde ainda hoje se encontram[xxiv].
Some-se a isso o cercamento por grades da “prainha da ECA”. O espaço da Quinta & Breja (tradicional evento da Escola) esvaziou-se, as festas foram proibidas e o horário de frequência reduzido[xxv]. A justificativa é a mesma usada pelos governos: baderna e violência. Sem a convivência dos alunos nos espaços, o próprio movimento estudantil veio perdendo o controle territorial para ocupações comerciais efêmeras, comuns, por exemplo, no vão do prédio de História e Geografia. É um círculo vicioso em que a repressão aumenta o pretexto de maior controle autoritário do espaço e a comunidade acadêmica fica prisioneira da “proteção” institucional. A pandemia também colaborou para isso, ao criar um “antes e depois” bem demarcado entre as gerações do ensino presencial e virtual.
Em 2011, Rodas também assinou um convênio com a Polícia Militar para aumentar sua presença na Cidade Universitária. Houve alguns casos em que policiais militares, desacostumados às dinâmicas da vivência universitária, provocaram conflitos com estudantes.
Essas mudanças tiveram uma dimensão também material na medida em que tornaram mais difícil o encontro entre estudantes e servidores docentes e não docentes atuantes no movimento, em um campus que já fora projetado e construído para separar, dividir e dificultar os encontros[xxvi].
Como seu antecessor, em várias ocasiões Zago fez declarações públicas contra os movimentos no sentido de os desqualificar, deslegitimar e criminalizar – e, não raro, incriminar. Em seu discurso de posse como reitor, Zago declarou que a USP “vem sendo ameaçada pela corrosão do tecido mesmo da universidade, tanto por movimentos de protesto que se têm transformado em agressões ao patrimônio e às pessoas como pela intolerância ao diálogo”. O mais surpreendente não é a declaração em si, mas o fato de Zago ter afirmado que essa suposta “ameaça” era “mais grave” do que a crise financeira.
Todo ato de nomeação importa. A tomadas de posição e a discursos como esses, faz toda a diferença nomeá-las pelo que são: violência simbólica. No caso do mencionado discurso de Zago, uma violência que simplesmente inverte os papéis: ao gratuitamente atribuir às entidades estudantis e sindicais e àqueles que se engajam nas mobilizações a pecha de ameaçadores e de agressores, é esse discurso que violenta. Atribuir a outrem o que se pratica coaduna-se perfeitamente com a onda neofascista que varreu o Brasil naqueles anos.
Um dos ataques de Zago ao movimento estudantil e revestido de violência simbólica foi a decisão de tirar das entidades estudantis o controle da organização das eleições para a representação discente junto aos colegiados oficiais, controle esse que passou para a reitoria e as administrações de unidades. Medida que Jacques Marcovitch tentou adotar em 2000, sem sucesso[xxvii]. Na ocasião, Zago articulou a mudança com estudantes de direita que ocupavam assentos no Conselho Universitário. Estes alegavam que as eleições não eram representativas, e, num esforço de persuadir outros disso, ao cabo de cada eleição lançavam e espalhavam levianamente acusações de fraude, de que, todavia, nunca houve evidência.
Até então, as eleições para a representação discente nos conselhos centrais ocorriam junto da eleição para a gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Havia inscrição de chapas com prévia divulgação, debates abertos com ampla divulgação, além de distribuição ostensiva de panfletos e jornais com propostas. Hoje, os estudantes recebem uma notificação por e-mail no dia anterior à votação (online), não antes, e, no dia da votação, a única informação disponível são os nomes dos candidatos e nada mais. Vale dizer que a distribuição da representação discente era proporcional, respeitando o percentual de votos de cada chapa.
Em suma, trocou-se uma forma de eleição democrática e participativa para uma forma de eleição nos moldes da estrutura de poder da USP: com pouquíssima informação, quase secreta, sem qualquer discussão. E por quê? Porque Zago quis. Uma decisão caprichosa e que não teve outra motivação senão o desprezo de um indivíduo pelo movimento estudantil.
Também aqui se observa o exercício arbitrário de um poder simbólico, de desautorização e desqualificação do movimento estudantil e de suas entidades. É emblemático o testemunho que se observa na nota que o DCE soltou à época: “Na entrega dos documentos, fomos intimidados com ironias e infantilização dos nossos métodos históricos, dando a entender que não teríamos os RDs protocolados, porque segundo eles [reitoria] as eleições não são legítimas”[xxviii].
A medida teve, contudo, um desdobramento irônico. Com a passagem do controle das eleições para a reitoria, adotou-se um novo método, que consistia no voto em candidatos individualmente, podendo os votantes escolher mais de um candidato até o número total de cadeiras do conselho. Esse método implicou em, na prática, converter a composição da representação discente de proporcional para majoritária, uma vez que os candidatos mais votados tendiam a ser do mesmo campo político. O que ocorreu a partir de então, de uma eleição a outra, foi que os candidatos de grupos de direita, por serem menos organizados do que os candidatos de grupos de esquerda, recebiam menos votos do que estes, tendo sido, com isso, alijados da representação discente – graças ao método antidemocrático que eles próprios ajudaram a criar.
Os piquetes e a postura dos docentes nas greves
Estudantes fazem greve? É comum professores declararem que alunos não paralisam trabalho. A Lei 7.783/1989 define a greve como “[…] a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”. No entanto, a lei veda ou impõe restrições a outros tipos de trabalhador, como militares, funcionários de serviços essenciais etc.
A universidade há muito deixou de ser uma instituição de intelectuais tradicionais, no sentido gramsciano. Ali só há intelectuais orgânicos contestadores ou reprodutores da ordem. A aura liberal da USP como universidade formadora de dirigentes para o país foi transmutada numa organização burocrática atravessada pela tensão entre a defesa de seu caráter público e a sua associação com interesses empresariais. Mais do que uma associação, trata-se da incorporação de verdadeiras empresas no interior da USP através de fundações, convênios e toda série de acordos.
Muitos estudantes obtêm condições precárias de permanência através de bolsas de iniciação científica e de extensão universitária, monitoria e estágios administrativos ou em laboratórios. O fato é que mesmo quando têm bolsa de pesquisa, em geral fazem coleta de dados para docentes ou trabalhando naquilo que poderíamos chamar de infraestrutura intelectual. Não estamos questionando a legitimidade disso, é óbvio, mas apontando que muitos alunos e alunas são na prática mais do que estudantes na universidade.
O que importa é que a aplicação de conceitos sociológicos sem nenhuma mediação com a realidade concreta da universidade e com a consideração de que o termo greve tem um uso histórico e político, é feita apenas com o interesse de deslegitimar o movimento estudantil.
O caso dos piquetes é emblemático. Sempre que começa a circular o burburinho de greve estudantil, acende-se o sinal amarelo entre os docentes. Mas a verdade é que, entre estes, as posições costumam ser as mais distintas, desde a recusa de greves como uma questão de princípio ao apoio ativo e militante, passando por uma plêiade de posições intermediárias.
É provável que após mais de duas décadas, predomine entre os docentes da FFLCH uma memória ou uma opinião favorável da greve de 2002. Afinal, vinte anos depois a maioria dos docentes ativos da FFLCH foi contratada para as vagas conquistadas pela greve de 2002 – pois todas as vagas abertas desde então foram fruto daquela greve. Muitos destes eram, à época, estudantes na própria FFLCH, de graduação ou de pós-graduação. Se provocados a dizer o que pensam sobre aquela experiência, é provável que a maioria reconhecerá a justeza e a importância daquela greve e de seus resultados, mas é igualmente provável que poucos digam que houve piquete. Todavia, houve.
Em 2002, uma parte não pequena dos docentes resistiu à greve, sobretudo no início. Principalmente nos cursos de Filosofia e Ciências Sociais. Para que a greve acontecesse, isto é, para que as decisões das assembleias de curso fossem respeitadas, foi necessário piquete – ação igualmente aprovada nas assembleias.
Na ocasião, o piquete bloqueou não os prédios, mas as salas de aula. No curso de Filosofia, alguém mais espirituoso empilhou as carteiras em uma das salas e escreveu na lousa “A Bienal é aqui”, em alusão à Bienal de São Paulo que acontecia naquele momento. Por conta dos piquetes no curso, um dos docentes chamou os estudantes de “juventude hitlerista”.
Houve quem se aproveitasse do espaço aberto em veículos de imprensa de grande circulação para desqualificar o movimento. Em todos os cursos, os docentes que criticavam os piquetes faziam-no geralmente sob o argumento de que a ação era obra de uma minoria – argumento que, vindo de docentes, não tinha outro efeito senão o de soar ridículo: afinal, a quem cabe determinar qual é a posição majoritária entre os estudantes senão os próprios estudantes, e através de assembleia? O movimento estudantil não precisa da tutela de docentes – e, todos hão de concordar, estes têm mais o que fazer do que tomar parte nas disputas do movimento estudantil.
Em pouco tempo, a situação estabilizou-se. A resistência foi vencida. Voltou a crescer apenas nas semanas finais, como pressão pelo encerramento da greve. Mas, de maneira geral, a maioria dos docentes apoiou o movimento. A congregação reuniu-se várias vezes, sendo aberta a um número ampliado de estudantes. Havia interesse na greve, até certo entusiasmo. Rodrigo Ricupero, à época aluno de pós-graduação, lembra ter visto o historiador Nicolau Sevcenko em uma fila esperando para pegar um panfleto.
Houve quem apoiasse ativamente. Maria Aparecida de Aquino e Olgária Matos deram uma aula pública em frente ao Teatro Municipal, como atividade de greve. Particularmente importante foi o ato público no Anfiteatro Camargo Guarnieri com os “notáveis” (dentre os quais Antônio Cândido, Aziz ab’Saber, Octávio Ianni, Marilena Chauí e Chico de Oliveira). Nas negociações com a reitoria, a presença de Renato Queirós (então vice-diretor), Ariovaldo Umbelino e Zilda Iokoi foi fundamental.
Quando se leva em conta o apoio da maioria dos docentes e funcionários da FFLCH à greve de 2002, mesmo daqueles e daquelas que tinham ressalvas ou discordavam dos estudantes nesse ou naquele ponto, não é despropositado dizer que, em certo sentido, a greve de 2002 foi da FFLCH.
Nos anos seguintes, com a frequência maior de greves – sindicais e estudantis –, ocupações e piquetes, e com uma leva de professores jovens formados no bojo do neoliberalismo, a resistência às greves foi aumentando. Foi crescendo também o sentimento e a opinião, que sempre rondou a USP, de que greve tem algo de indecoroso, é “coisa de sindicalista”. Em sua segunda graduação, cursando uma disciplina na Letras, Antônio David lembra-se de um professor que sempre vinha até a turma para cumprimentar o docente responsável (de quem ele era amigo) antes do início da aula, e, em meio a piadas e conversas supérfluas que consumiam alguns minutos, esse professor tinha o hábito de, dirigindo-se aos alunos, criticar a ADUSP, para só então despedir-se e seguir seu rumo.
Não há dúvida de que semelhante hostilidade, crescente, foi alimentada por Rodas e Zago, cujos discursos e ações contra os movimentos na USP estavam em sintonia com a criminalização da esquerda e dos movimentos sociais em franco crescimento na sociedade. E como hoje sabemos, a imagem do movimento estudantil como uma horda de desequilibrados que coloca em risco o patrimônio, como se observa no discurso de posse de Zago como reitor, fez escola.
No dia 18 de setembro de 2023, o diretor da FFLCH, Paulo Martins, um militante de esquerda, ordenou o fechamento dos prédios da faculdade às 19h para impedir uma ocupação que os estudantes haviam prometido, a fim de chamar a atenção para a falta de professores na USP. O tiro saiu pela culatra: a decisão de Martins foi o fator que desencadeou a greve[xxix].
O diretor da faculdade em 2002, Francis Henrik Aubert, em nenhum momento desqualificou ou tentou intimidar o movimento. Ao contrário, ele sempre se portou de maneira gentil e respeitosa em relação aos grevistas, inclusive quando expunha suas diferenças em relação aos nossos pontos de vista, táticas e decisões. Mas ele fez mais. Do início ao fim, defendeu a legitimidade da greve, da pauta e dos grevistas, para dentro e para fora da USP, sempre na condição de diretor – postura que manteve inclusive no início de agosto, quando acreditava que a greve deveria ser encerrada.
Ele sabia que a greve era estudantil, e que à diretoria não cabia impor aos estudantes o encerramento da greve. Não há dúvida de que suas tomadas de posição, assim como a de muitos outros docentes, contribuíram para o sucesso da greve. Sua conduta, como diretor da FFLCH, foi exemplar: um exemplo de decência.
Em uma universidade cujo poder é detido e se exerce sob o mito da meritocracia, é instrutivo olhar para a decisão do Centro Interdepartamental de Tradução e Terminologia da faculdade de dar para seu laboratório o nome de Francis Henrik Aubert[xxx], e de o fazer em vida daquele a quem se homenageia. Prova de que mérito acadêmico nada tem a ver com posse e exercício do poder, pretexto para justificar o arbítrio, mas apenas e tão somente com reconhecimento.
Sentidos do protesto estudantil
Outra lição a se tirar da trajetória de lutas, mobilizações e greves na USP é que, em todas as situações nas quais a precarização se intensificou ou em que a USP foi atacada – como no episódio dos decretos de José Serra –, foram os estudantes que se levantaram e tomaram a iniciativa de defender a universidade. Não é exagero afirmar que, não fosse o movimento estudantil, a USP provavelmente estaria numa situação muito distinta da atual, e pior. Haveria menos professores. A qualidade do ensino e da pesquisa estaria comprometida. Não haveria a política de permanência e muitos dos direitos que temos hoje.
Se não se pode dizer o mesmo das cotas, adotadas graças à luta e à pressão do movimento negro, o movimento estudantil somou. Talvez não houvesse até mesmo Autonomia Universitária, haja vista os decretos de Serra editados em 2006 e revogados graças à ocupação da reitoria no mesmo ano – e apenas à ocupação.
Aquela ocupação também exibiu um caráter pouco lembrado das greves estudantis: a formação política. Ela não ecoava simplesmente a ocupação de 1982 em que organizações políticas tinham papel destacado, mas uma autonomia de base que não impedia a ação organizada mediante comissões para tratar de todos os aspectos práticos e teóricos do movimento.
Ainda que diferentes em suas aspirações e prioridades, métodos de organização e de luta, e formas de sociabilidade, o movimento estudantil de 2002 e de 2023 guardam muito em comum. Em ambos os momentos flagramos a forte confiança dos estudantes no movimento estudantil e na luta por conquistas. Ademais, e como procuramos mostrar nas páginas acima, a conjuntura interna à USP era semelhante em ambas as circunstâncias.
Como vimos, o exercício do poder e da autoridade na USP obedece a ciclos: quando o movimento estudantil, por força da conjuntura (o que é o mesmo que dizer, por absoluta necessidade), deixou de priorizar conquistas e passou a adotar táticas de resistência e de enfrentamento, viu-se o recrudescimento das práticas de sujeição e das medidas de violência institucional vindas da administração universitária, um recrudescimento que, é imperativo dizer, alimentou-se dessa mesma conjuntura.
O que se fez nesse período, no qual o abuso e o autoritarismo foram normalizados, deixou para trás um rastro de precarização, como o qual a geração seguinte de estudantes engajados teve de lidar. Mas, tanto em 2002 como em 2023, a despeito do quadro de distensão, o movimento estudantil da USP teve de se haver com uma estrutura de poder que não é apenas autoritária, mas autocrática, pois não diz respeito a uma fase política, mas a uma estrutura de poder[xxxi].
A fase neoliberal da USP em que a lógica empresarial está introjetada no cotidiano universitário, mediante metas de produção, competição por bolsas, captação de recursos, disputa de cargos etc. coabita bem com a democracia. A perseguição administrativa na USP, por exemplo, cresceu durante o processo de redemocratização do país.
Laura Capriglioni, estudante da USP em 1982, captou essa contradição na reportagem que fez sobre a ocupação de 2007: “Os estudantes em tempos de democracia não gostam de mostrar seus rostos nem de declinar seus nomes. Identificam-se por um prenome, às vezes confessando, antes que se pergunte, que é falso. Temem punições administrativas. Há 25 anos, a Ditadura ainda existia no país – era o governo do general João Baptista Figueiredo (1918-1999) -, mas a confiança do movimento estudantil era tamanha, que todos queriam aparecer. Um grupo de alunos do Instituto de Física, então uma das escolas mais ativas da USP, fez questão de ‘tomar posse’ da sala do Conselho Universitário, batizando-a de ‘Espaço Marcelão’, em homenagem a um colega que até pelo tamanho não conseguia se manter incógnito”[xxxii].
Não há dúvida de que o mesmo pode ser dito do protesto estudantil na maior parte das universidades no Brasil, senão em todas: na sua diversidade, o movimento estudantil sempre se encontra no lado oposto ao poder – um poder que frequentemente é exercido de maneira arbitrária, abusiva e violenta. E não poderia ser diferente: a universidade é parte da sociedade e, como tal, reproduz a sua maneira o autoritarismo que é imanente à sociedade brasileira[xxxiii].
Ao mesmo tempo, como historiadores não podemos deixar de reconhecer que esse eco não soa idêntico em todas as universidades: cada universidade tem uma história e faz sua história, obviamente ligada à história do Estado, do Brasil etc., e com ela o movimento estudantil de cada universidade igualmente tem e faz sua própria história. E essas são histórias que merecem ser contadas.
Mas o que é o movimento estudantil? De uma geração a outra, os estudantes fazem uso de seu direito de agir, de reivindicar e de se opor porque percebem e compreendem que as decisões da administração universitária (ou de governos) interferem em suas condições de estudo e de trabalho – portanto, em suas vidas. Por isso, aqueles que se opõem ao ideal de democracia participativa na universidade sob o vulgar pretexto de que democracia é “populismo” não apenas pintam uma imagem caricata e tosca dos estudantes – além dos funcionários e mesmo dos docentes –, uma imagem igualmente revestida de violência simbólica; conscientemente ou não, na prática essa recusa da democracia na universidade nutre-se da ideia de que, no meio universitário, a vida de uns vale mais do que a vida de outros. Um retrato do Brasil.
Não é muito lembrar que, quando há conquistas fruto das mobilizações estudantis, estas no mais das vezes não beneficiam diretamente àqueles que participaram da mobilização, mas as gerações vindouras. Há, no movimento estudantil, uma generosidade da qual muitas vezes os próprios estudantes não se dão conta. Para grande parte dos engajados na greve em curso[xxxiv], não será diferente. Em contrapartida, se estes podem hoje estudar e lutar, é porque os direitos de hoje são fruto das lutas e conquistas das gerações que vieram antes. A ação presente é enredada pela história, e é crucial conhecê-la. [xxxv]
Histórico das Greves na USP (1988-2023) | |||
Ano | Duração em Dias | Tipo | Resultados Principais |
1988 | 58 | Sindical e estudantil | Reajuste salarial |
1994 | 37 | Sindical e Estudantil | Reajuste salarial |
2000 | 54 | Sindical e Estudantil | Reajuste salarial |
2002 | 106 | Estudantil | Reposição de Docentes |
2004 | 62 | Sindical | Reajuste salarial |
2007 | 50 | Sindical (20 dias), Estudantil (50) | Garantia da autonomia universitária |
2009 | 57 | Sindical e Estudantil | Reajuste salarial, estabilidade de empregados irregulares e abertura de discussão sobre estatuinte |
2013 | 50 | Estudantil | Continuidade de discussões pós greve |
2014 | 116 | Sindical e Estudantil | Reajuste salarial e abono |
2016 | 67 | Sindical e Estudantil | Reajuste salarial, cotas, políticas de permanência estudantil |
2018 | 31 | Sindical e Estudantil | Reajuste salarial, aumento de vale refeição e de bolsa estudantil emergencial |
2023 | 45 | Estudantil | Reposição de claros docentes |
Fontes: Jornal do Campus e Jornal da USP.[xxxvi] |
Sedes da ADUSP e do SINTUSP (círculo preto)
e da Reitoria (círculo vermelho) até 2012

Sedes da ADUSP e do SINTUSP (círculo preto)
e da Reitoria (círculo vermelho) após 2012

*Antônio David é doutor em filosofia pela USP e doutor em história social pela mesma instituição.
*Lincoln Secco é professor do Departamento de História da USP. Autor, entre outros livros, de A revolução dos cravos: economias, espaços e tomadas de consciência (1761-1974) (Ateliê Editorial) [https://amzn.to/3S476E6]
Notas
[i] Para os dados referentes à USP na gestão Marcovitch, cf. “Gestão Marcovitch: quatro anos de isolamento e o mesmo modo de decidir” (Antônio Biondi e Rita Freire), Revista ADUSP, set. 2021, disponível neste link. Para o cálculo relativo ao período entre 2014 e 2022 na USP, os dados foram retirados das edições de 2015 e 2023 do Anuário Estatístico da USP. Para o cálculo referente ao período entre 1998 e 2002 na FFLCH, os dados foram retirados das edições de 1999 e 2003. Finalmente, para a comparação entre 1989 e 2022 na USP, considerou-se os dados de 1999 e 2023. Disponível neste link.
[ii] Chaui, Marilena (2001). Escritos sobre a universidade. São Paulo: Editora UNESP, pp. 135-56.
[iii] Ibidem, pp. 43, 143.
[iv] “Resultados dos dez anos de autonomia da USP” (Roberto Leal Lobo e Silva Filho), O Estado de São Paulo, 23 maio. 2001; “Vai mundo bem, obrigado” (entrevista com Jacques Marcovitch), Educação (revista do Sindicado dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo), 8 fev. 2000; “Quatro anos de trabalho e lutas” (pronunciamento do reitor Jacques Marcovitch no Conselho Universitário, sessão de 9 out. 2001), Jornal da USP, 22 a 28 out. 2001; ““Demanda de claros docentes” (Comissão Geral de Pauta do Comando de Greve dos alunos da FFLCH, 2002; exemplar disponível no Centro de Apoio à Pesquisa Histórica – CAPH, Departamento de História, FFLCH/USP).
[v]A historiadora Rosa Udaeta, à época estudante e grevista, participou do trabalho de organização e catalogação do material e, posteriormente, escreveu um artigo acadêmico sobre o arquivo da greve de 2002, publicado na revista Angelus Novus: Udaeta, R. G. S. “Por 259 professores: o percurso para a constituição do acervo documental da greve estudantil de 2002 da FFLCH-USP”, Angelus novus, ano 2, n. 2, 2011, pp. 206-24, disponível neste link. Recomendamos também o livro organizado pela historiadora Maria Lígia Coelho Prado: Prado, M. L. C. (org.) Notícias de uma universidade: a greve estudantil da FFLCH/USP. São Paulo: Humanitas, 2003. (Série Iniciação, n. 7). Como mostra o historiador, e à época grevista, Gabriel Passetti no capítulo “Histórico da greve estudantil da FFLCH/USP-2002”, as ações do movimento – inclusive o Fúria – foram táticas adotadas pelo movimento em face da movimentação (negociação, declarações, ações) da reitoria em relação à greve. Recomendo ainda o artigo de Passetti publicado na revista virtual Klepsidra: Passetti, G. “A Greve Estudantil da FFLCH-USP e sua cobertura pelo Estadão”, Klepsidra, disponível neste link.
[vi]Sobre os decretos de Serra, cf. “O ‘pano de fundo’ do ataque de Serra às universidades” (César Augusto Minto e Maria Aparecida Segatto Muranaka), Revista ADUSP, out. 2007, pp. 23-30, disponível neste link.
[vii]Na literatura especializada e no ensaísmo, há um volume imenso de trabalhos dedicados à conjuntura brasileira do primeiro governo Lula em diante, da esquerda nesse período e dos acontecimentos de junho de 2013. No que toca especificamente ao movimento estudantil, vai ao encontro do que acima dissemos a análise da socióloga Ângela Alonso, que, abordando a “política das ruas” quando esta teria gradativamente saído do controle do PT no curso dos governos Lula e Dilma, afirma: “À esquerda, a briga foi dupla. O MST antes recebia sem esforço nem muita concorrência a insatisfação juvenil com o governo de turno. Ao passar a aliado do Planalto, perdeu o dom da atração automática da juventude. Dois campos passaram a fascinar a nova geração de potenciais ativistas, sobretudo estudantes de universidades públicas e de colégios de elite dos maiores centros urbanos. Um feixe era de movimentos neossocialistas, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), costela desgarrada do MST em 1997. Eram os frustrados tanto com as concessões petistas à governabilidade quanto com a adaptação da ‘velha’ esquerda de rua à negociação. Apostaram no protesto. Outro campo cevou-se de simbologia e modelo de organização no anarquismo. Autonomeados autonomistas, galvanizaram o interesse da nova geração para questões identitárias, com as quais o PT e os movimentos socialistas nunca tinham lidado bem. Longe do sol governista, mas também dos eflúvios esquerdistas, brotou o terceiro campo no deserto à direita. Floresceu em polinização gradativa esse ativismo dos antipáticos não só ao petismo como a qualquer ‘esquerdismo’”. Alonso, Ângela (2023). Treze: A política de rua de Lula a Dilma. São Paulo: Companhia das Letras (edição eletrônica sem paginação; cf. “A rua no governo”). Nessa mesma direção, recomendamos artigo escrito Caio Martins e Leonardo Cordeiro, à época estudantes da FFLCH e militantes do Movimento Passe Livre (MPL): Martins, Caio & Cordeiro, Leonardo (2014). “Revolta popular: o limite da tática”. In: Parra, Henrique Zoqui Martins et al (orgs.). Junho: potência das ruas e das redes. São Paulo: Friedrich Ebert Stiftung (FES) Brasil, pp. 202-17, disponível neste link. Vide ainda: Vários Autores. Cidades Rebeldes. São Paulo: Boitempo, 2013.
[viii]As edições do Informativo ADUSP, publicadas com regularidade de maio de 1994 a fevereiro de 2020 e disponíveis na internet, constituem uma fonte rica para a pesquisa histórica, na qual se pode atestar a centralidade da campanha salarial para os servidores docentes (assim como para os não docentes), bem como a forte presença do movimento estudantil na campanha salarial até meados da década de 2000. O mesmo vale para o Boletim do SINTUSP. Tome-se como exemplo o Infomrativo ADUSP nº 75, de junho de 2000, disponível neste link.
[ix]Sobre a greve de 2004, cf. Infomativos ADUSP nº 159 (19 abr. 2004) a 168 (02 ago. 2004), disponíveis neste link.
[x]A 12ª e última edição do congresso foi em 2015. Uma 13ª edição chegou a ser prevista para 2020, mas foi adiada em função da pandemia de COVID-19, sem que sua organização tenha sido retomada em seguida.
[xi]“Prisões, expulsões, espionagem. Eis a ‘USP Tolerância Zero’” (Pedro Estevam da Rocha Pomar e Flávia Telles), Revista ADUSP, abr. 2012, pp. 43-54, disponível neste link.
[xii]Revista ADUSP, set. 20017 (edição especial de balanço da gestão Zago: “USP arrasada”), disponível neste link.
[xiii]“PM retira grupo da Faculdade de Direito e leva 220 para a delegacia” (Folha de São Paulo, 22 ago. 2007), disponível neste link. No caso da ocupação da reitoria, em 2006, não dispomos de fontes que atestem a posição de Rodas no episódio, embora a notícia tenha circulado na época a partir de membros do próprio conselho. Tome-se a declaração que o sentão ecretário da Casa Civil, Aluysio Nunes Ferreira, deu tão logo a reitoria foi desocupada pelos estudantes: “A Reitora da USP tenta atribuir ao Governo do Estado as responsabilidades dela… não tomou as medidas que deveria ter tomado…”. “Traumas da ocupação: reitora da USP leva a culpa na rede Globo”, Vermelho, 01 jul. 2007, diponível neste link.
[xiv]Em entrevista ao Jornal do Campus concedida no final de seu mandato, Rodas declarou, sobre as reservas financeiras que vinham de gestões anteriores: “Aquele dinheiro do ICMS não é para estocar, é para gastar”. Tais gastos envolveram a contratação de 2.414 mil servidores não docentes – parte significativa com curso superior –, a aquisição de imóveis e a distribuição de verbas a docentes, funcionários e alunos através de mudanças na política de carreira, gratificações e bolsas. O comprometimento com a folha de pagamento na USP passou de 79% em 2014 para 100% em 2022. “Não é possível que haja uma pessoa só num esquema desses”, Jornal do Campus, 06 nov. 2015, disponível neste link.
[xv]O aumento salarial que houve em sua gestão, de que muitos falaram à época, ocorreu por mudanças na carreira dos funcionários, não por reposição salarial na data-base.
[xvi]“CPI – GESTÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS, 28.08.2019”, Assembleia Legistlativa do Estado de São Paulo (ALESP), disponível neste link. O depoimento pode ser visto ainda neste link (a partir de 1h20m). Zago procurou deslocar sua imagem da de Rodas ainda durante a campanha para reitor. Quando assumiu a reitoria, Zago abriu um processo administrativo contra Rodas. O processo foi anulado pela Justiça Federal porque a presidente da comissão processante, Maria Sylvia Di Pietro, não poderia, na condição de professora sênior, ocupar essa função.
[xvii]Dá testemunho dessa declaração um dos autores deste capítulo, que participou das negociações.
[xviii]Escrevendo sobre o patrimonialismo no Brasil do século XIX, Florestan Fernandes escreve: “O patrimonialismo combinava-se à autocracia. Quem podia impunha o ‘eu quero!’ e ali estava a lei”. Fernandes, Florestan (2014). Florestan Fernandes na constituinte: leituras para a reforma política. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo; Expressão Popular, p. 282.
[xix]“Protestos suspendem primeiras reuniões do Conselho Universitário em 2015”, Jornal do Campus, 25 abr. 2015, disponível neste link.
[xx]“’Ficamos ilhados por muito tempo’, diz reitor da USP sobre uso do Enem”, G1, 24 jun. 2015, disponível neste link.
[xxi]A reivindicação por cotas raciais entrou na pauta do movimento estudantil da USP no início dos anos 2000, mas apenas formalmente. Por muitos anos, quase não houve ações concretas de parte do movimento estudantil da USP em prol das cotas. Foi somente em meados da década seguinte, no bojo já da política de cotas em nível nacional, que o movimento de fato abraçou a pauta, que desde muito antes vinha sendo reivindicada pelo movimento negro, de dentro e de fora da USP, com destaque para a atuação do Núcleo da Consciência Negra da USP. Até então, havia resistência às cotas raciais (e mesmo sociais) entre os estudantes, cujas posições eram bastante divididas, mesmo entre aqueles que atuavam no movimento estudantil. É sintomático o editorial do n. 43 da revista da ADUSP, de 2008, em que se faz alusão às “ressalvas com relação às cotas, em especial as étnicas ou raciais” – apesar das ressalvas, o editorial faz uma defesa da medida. Pouco antes, em 2004, a edição n. 33 da revista abriu espaço para posições a favor e contra, igualmente sintomático da divisão do movimento docente no período. Cf. “Editorial – Avanço das cotas e das políticas afirmativas”, Revista ADUSP, jul. 2008, disponível neste link; “Ações afirmativas, sim” e “Cotas, do direito de todos ao privilégio de alguns”, Revista ADUSP, out. 2004, pp. 25-34, disponível neste link. No movimento estudantil não era diferente. Ainda assim, por já compor a pauta estudantil aprovada em Congresso, já naquela década houve tentativas, de parte do movimento estudantil, de abrir a discussão junto aos colegiados das instâncias da administração da USP (reitoria e unidades) sobre as cotas – como na sessão do Conselho Universitário ocorrida em 15 de março de 2005, quando o estudante de jornalismo Rodolfo Vianna fez a leitura do texto “Da necessidade de implementação de cotas na Universidade de São Paulo” –, mas sem sucesso. Salvo pontuais exceções, as instâncias de poder da USP recusavam-se a discutir o tema.
[xxii] Em alguns departamentos estudantes perderam o direito de reservar uma sala para um debate ou reunião de estudos. Só podem fazê-lo com a anuência de um docente. Pode-se deduzir que neste caso a autoridade patrimonialista sequer se disfarça de racional – legal, pois antes como depois, não havia razão para que alunos tivessem aquele direito, salvo a autorização arbitrária de um chefe. Basta uma norma no site, sequer uma portaria. Curiosamente, o Movimento Estudantil, talvez formado por alunos pós pandemia, deslembrados da convivência nos espaços da universidade, simplesmente adaptou-se.
[xxiii]In Motoyama, Shozo et. al. “USP 70 Anos: Imagens de uma História Vivida”, pp. 265-280.
[xxiv]A sede da ADUSP ficava no térreo da atual reitoria, na lateral, de frente para o Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA, e a sede do SINTUSP ficava no edifício onde funciona a lanchonete da ECA. Hoje, as sedes do SINTUSP e da ADUSP ficam ao lado da Prefeitura do Campus da Capital. “Cronologia da mudança da sede”, ADUSP, 05 abr. 2012, disponível neste link. Cf. os mapas, ao final do texto.
[xxv] Fofano Júnior, Jorge. “Qual o futuro da prainha da ECA?”, Jornal do Campus, 25 de maio de 2022. O festival Osama seria inimaginável na USP pós pandemia. Vide Galvão, Júlia e Barros, Maria Fernanda. “Osama Bin Reggae, a última megafesta da USP”. Jornal do Campus, 25 de junho de 2024.
[xxvi]Cf. Dantas, C. “O abandono do “espírito universitário” na construção da Cidade Universitária Armando de Sales Oliveira”, Estudos Avançados, vol. 26, n. 24, 2022, disponível neste link.
[xxvii]“Estudantes conquistam direito de organizar eleição de representantes discentes”, Informativo ADUSP n. 86, nov. 2000, disponível neste link.
[xxviii] A nota que o DCE soltou à época foi transcrita pelo portal Esquerda Diário: “Zago quer vetar representantes discentes no Conselho Universitário”, Esquerda Diário, 08 jul. 2016, disponível neste link.
[xxix] “Pronunciamento da Direção sobre a contratação de docentes”, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 17 set. 2023, disponível neste link; “Movimento estudantil age como a direita bolsonarista, diz diretor de unidade da USP”, Folha de São Paulo, 22 set. 2023, disponível neste link; “Carta aberta à comunidade da FFLCH”, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 19 out. 2023, disponível neste link.
[xxx] “FFLCH inaugura Laboratório de Tradução”, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 15 ago. 2018, disponível neste link.
[xxxi] Usamos aqui livremente um conceito de Florestan Fernandes.
[xxxii] Capriglioni, L. “25 anos depois, estudante leva a mãe para a invasão”, Folha de São Paulo, 23 de maio de 2007.
[xxxiii] Chaui, op. cit.
[xxxiv] Os autores se referem à greve de 2023, momento em que escreviam. O texto foi revisto e atualizado em 2025.
[xxxv]O presente texto foi publicado em Annelise Erismann e Joana Aparecida Coutinho (coord.) O Futuro da Universidade. 1ed. Marília: Lutas Anticapital, 2024, v. , p. 51-74. Utilizamos trechos de artigos que publicamos em A Terra é Redonda, reescritos e acrescidos de novas informações e interpretações.
[xxxvi] Valemo-nos especialmente do minucioso levantamento de: Lima, Laura P. e Morimoto, Thais. “1988 a 2023: as greves históricas da USP”, Jornal do Campus, 18 de dezembro de 2023.
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