Por Christian Edward Cyril Lynch*
Terceiro artigo de uma série sobre a vida e a obra do cientista político.
Introdução
O livro A imaginação política brasileira: cinco ensaios de história intelectual (Revan, 2017) reúne pela primeira vez o conjunto de cinco ensaios escritos por Wanderley Guilherme dos Santos entre 1965 e 1975 e que resultaram da primeira pesquisa efetuada de forma sistemática e exaustiva – ainda hoje não superada – sobre o pensamento político brasileiro.
Sua pesquisa sobre o
pensamento político brasileiro se iniciou em 1963, quando chefe do departamento
de filosofia do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Ela começara
por solicitação de Álvaro Vieira Pinto, seu antigo professor na Faculdade
Nacional de Filosofia e, à época, diretor do instituto. Vieira Pinto pretendia
suprir a carência de registros bibliográficos que pudessem ser utilizados como
fonte de consulta adequada, capaz de alargar o cânone reconhecido de obras
representativas da filosofia brasileira.
Na companhia de Carlos Estevam
Martins, Wanderley Guilherme dedicou-se à leitura de obras dos séculos dezoito
e dezenove na seção de livros raros da Biblioteca Nacional e na biblioteca do
Serviço Social do Comércio (SESC). À medida que progressivamente se
desinteressava pela temática mais metafísica desta literatura, Wanderley
descobria, como que casualmente, obras de vários dos autores listados como
filósofos, e de outros não incluídos nesta categoria, que versavam sobre a
sociedade e a política do Brasil no século XIX.
Wanderley começou então seu
processo de “conversão” às ciências sociais em detrimento da produção
filosófica (ainda que não de temas filosóficos, seja em epistemologia ou em
teoria política, como a sua produção evidencia). Provavelmente, vem também
deste momento isebiano o desconforto com os modos então prevalecentes de
tratamento do pensamento brasileiro, incômodo que, formalizado como problema
teórico, estará na origem de seus textos sobre o tema. No âmbito do ISEB,
estava praticamente excluída a possibilidade de se considerar relevante o
pensamento brasileiro no passado, dado que ali se concebia que a natureza
colonial do país inviabilizara qualquer produção intelectual autônoma e consistente.
Foi também no seu período isebiano que ele
travou contato com as obras de Guerreiro Ramos sobre o pensamento político
brasileiro. Como é sabido, Guerreiro era o único professor do ISEB que chamava
a atenção para o fato de que, a despeito do lento processo de superação de sua
condição cultural “colonial”, haveria uma linhagem de intelectuais brasileiros
que, desde o século dezenove, já viria se destacando na luta pela autonomia do
pensamento nacional, e cuja contribuição deveria ser resgatada, no contexto de
estabelecimento de uma ciência social brasileira.
De fato, ao contrário do que supunha a
perspectiva hegemônica dentro do ISEB, e na linha do que afirmava Guerreiro
Ramos, as leituras iniciais de Wanderley Guilherme nas Bibliotecas Nacional e
do SESC sugeriram-lhe não apenas que havia originalidade no pensamento
brasileiro anterior aos anos 1950, como lhe chamaram atenção para o fato que,
consideradas originais pelos membros do instituto (principalmente por Hélio
Jaguaribe), as teses isebianas encontravam-se já, em parte, formuladas por
obras cuja leitura havia sido por quase todos eles negligenciada, por sua
submissão à suposta mentalidade colonial do país.[i]
A afirmação da existência de uma elite
intelectual brasileira cujo pensamento deveria ser estudado pelos que buscavam
compreender os dilemas contemporâneos do Brasil constituiu-se, desde esta
época, numa tese e num horizonte da pesquisa de Wanderley Guilherme sobre o
pensamento político brasileiro. Assim foi que a colheita daquele primeiro
material bibliográfico o motivou a querer ampliá-lo; ele dizia agora pretender
efetuar o levantamento “o mais completo quanto possível, do pensamento
brasileiro, filosófico, social e político, durante os séculos dezenove e vinte,
e pretendendo também isolar algumas constantes do desenvolvimento intelectual
brasileiro” (Santos, 1965, p. 93).
A nova pesquisa começaria em 1964, devendo
durar cerca de dois anos. Com o golpe militar e o fechamento do ISEB pelo novo
regime, a pesquisa regular só foi retomada no ano seguinte, contexto de criação
do antigo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ, atual
IESP-UERJ). A investigação se desdobraria até pelo menos 1978, compreendendo a
produção de seis artigos ou ensaios de referência, que serão objetos de nossa
análise neste artigo. São eles: (1) “Preliminares de uma Controvérsia
Sociológica” (1965); (2) “A Imaginação Político-Social Brasileira” (1967); (3) “Roteiro
Bibliográfico do Pensamento Político-Social Brasileiro” (1967); (4) “Raízes da
Imaginação Política Brasileira” (1970); (5) “Paradigma e História: a ordem
burguesa na Imaginação Social Brasileira” (1975); (6) “A Práxis Liberal no
Brasil: propostas para reflexão e pesquisa” (1978). Examinar-se-á aqui o
conteúdo de cada um desses textos para, ao final, fazer um balanço sobre a
contribuição por eles aportada ao estudo do pensamento político brasileiro.
“Preliminares
de uma Controvérsia Sociológica”(1965)
O primeiro resultado da pesquisa encetada
foi publicado em setembro de 1965, num artigo intitulado “Preliminares de uma
Controvérsia Sociológica”, na Revista
Civilização Brasileira. O artigo polemizava com o cientista político
Antônio Otávio Cintra, que anteriormente apostara na reorientação da ciência
social brasileira a partir do paradigma empírico-quantitativo norte-americano.
Tomando partido da sociologia compreensiva
contra o positivismo, Wanderley Guilherme sustentava neste primeiro artigo que
os fatos humanos e sociais não possuiriam somente uma existência bruta, objetiva,
tal como os fenômenos naturais, mas incorporariam também uma significação que
lhe conferia o seu caráter propriamente humano. Por essas razões, o problema da
elaboração de uma ciência social brasileira não se resumia à aquisição de
técnicas modernas de investigação; ela tinha uma conotação histórica que não
era possível ignorar (Santos, 1965, p. 84)[ii].
Embora concordasse com a necessidade de métodos rigorosos de trabalho, não se
deveria chegar ao ponto de se opor técnicas quantitativas e qualitativas.
Além disso, a oposição entre a sociologia
compreensiva e a generalizante não esgotava as alternativas no campo da ciência
social. Afastar as postulações dogmáticas parecia-lhe, assim, indispensável
para se “pensar o problema da ciência em geral, e da ciência em país
subdesenvolvido, em particular” (Santos, 1965, p. 92). A produção intelectual
brasileira precisava ser investigada sem certezas preconcebidas, não para fins
de inventário antiquário ou evolucionário da pré-história das ciências sociais
brasileiras (como lhe parecera ter feito Florestan Fernandes), mas para
“compreender como a verdade surge, ou principia a surgir do próprio erro”
(Santos, 1965, p. 85).
Haja vista que o “pensamento social
brasileiro” ainda não recebera nenhum tratamento sistemático e a controvérsia
metodológica isebiana fora interrompida com o fechamento do instituto em 1964,
Wanderley defendia a retomada da pesquisa e apresentava, no artigo, suas
primeiras hipóteses e conceitos sobre o que ele ainda chamava “história das
ideias no Brasil”. Ao seu juízo, uma leitura preliminar do material examinado
permitia entrever que, ao contrário do que se acreditara no ISEB, era antiga a
crítica da subordinação do pensamento brasileiro às fórmulas européias: o
debate em torno do “problema do caráter subsidiário da produção intelectual
brasileira” já se encontrava “em estado larvar” nos grandes debates do século dezenove
(Santos, 1965, p. 86).
Embora a categoria de alienação cultural
tivesse representado um avanço, Wanderley Guilherme argumentava que, ao
distinguirem entre pensamento alienado e pensamento “autêntico”, os isebianos
haviam confundido o nome com o conceito e reduziram o pensamento alienado à
condição de pensamento errado, o que não lhe parecia razoável. Se, a despeito
das teorias “alienadas” que o orientavam, o Brasil conseguira resolver questões
decisivas em sua história – como a independência, a abolição da escravatura e a
industrialização –, das duas, uma: ou as teorias se ajustavam à realidade
brasileira (o que contradizia a hipótese de alienação como conceito), ou a
evolução histórica se realizara de modo aleatório em relação à consciência
nacional (o que contradizia a hipótese hegeliana de que a história possuiria
uma lógica).
Para Wanderley, a primeira era a hipótese
correta: os intelectuais brasileiros manejavam pragmaticamente os produtos
intelectuais estrangeiros, “transfigurando-as em seu significado original e
adaptando-as às condições imperantes no país”. Predominante nas análises
acadêmicas brasileiras que se valiam da categoria de alienação, o aparato
cognitivo hegeliano era incapaz de conferir inteligibilidade ao processo
intelectual real (o próprio Marx, lembrava, acabara por preferir abraçar a
categoria de “práxis”) (Santos, 1965, p. 94). Melhor do que “alienação”, o
conceito mais adequado para descrever o processo empregado pelos brasileiros
para assimilar as teorias estrangeiras era o de “mediação”.
“Roteiro Bibliográfico do Pensamento
Político-Social Brasileiro” (1965)
Assistido por um grupo
de bolsistas[iii],
Wanderley Guilherme buscou definir, dentro do universo de obras e autores
brasileiros, aqueles que poderiam ser arrolados como constitutivos do
“pensamento político-social brasileiro”. A partir de pesquisa em livros,
periódicos, boletins bibliográficos e arquivos de editoras, ele e sua equipe
elaboraram uma ampla listagem de obras de análise política e social aparecidas
entre 1870 e 1965; listagem esta que só seria publicada 35 anos depois: o Roteiro Bibliográfico do Pensamento
Político-Social Brasileiro (Santos, 2002, p. 259-267).
Foram excluídos do
arrolamento textos dedicados à metodologia; aqueles considerados como
estritamente historiográficos, antropológicos, econômicos e de psicologia
social, além de trabalhos dedicados à exposição ou à crítica do pensamento de
determinados autores (Santos, 2002, p. 13-14). Selecionados a partir de uma
pesquisa bibliográfica feita em 45 volumes bibliográficos e 23 coleções de
periódicos e boletins, a impressionante listagem de três mil textos está
organizada em duas seções: na primeira, são arrolados artigos publicados em
periódicos; na segunda, os livros.
As duas listas são
igualmente periodizadas a partir de três momentos da cronologia política da
história brasileira: 1870-1930; 1931-1945; 1945-1965. O marco cronológico final
é claramente pragmático: ele coincide com o momento de realização do
levantamento bibliográfico (1965). Entretanto, o marco inicial não encontra
justificativa explícita, nem na própria listagem, nem nos artigos publicados
imediatamente antes e depois.
Entretanto, compreender
as escolhas daqueles marcos temporais é relevante na medida em que esclarece o
que Wanderley considerava não apenas como o período por excelência do
pensamento político brasileiro, como as razões de tal consideração. Tanto para ele quanto para Guerreiro Ramos, o
estudo daquele pensamento era particularmente relevante, não exatamente porque
representasse uma contribuição ao “progresso das ciências sociais” (expressão
que guardava o positivismo de que era cético), mas por contribuir “ao
conhecimento dos processos políticos brasileiros” (Santos, 1970, p. 147).
Em outras palavras, o
pensamento político brasileiro representava um precioso manancial de hipóteses
explicativas para todos os interessados em compreender a “atualidade política”
na perspectiva da dinâmica da modernização nacional (a “revolução brasileira”).
Ora, a “atualidade” começara com o regime democrático posterior à queda do
Estado Novo e correspondia, portanto, ao período entre 1945 e 1965. Já a
“revolução brasileira” começara com a Revolução de 1930, sendo de se supor que
as hipóteses mais fecundas sobre aquele processo haviam sido produzidas nos
quinze anos seguintes (por esse motivo, Wanderley dedicaria o melhor de seus
esforços para examinar justamente a produção brasileira da “Era Vargas”, isto
é, o chamado “pensamento autoritário”).
No que se refere à data
inicial de 1870, é sintomático que o Roteiro
tenha adotado o mesmo marco inicial da pesquisa que Guerreiro Ramos adotara em
1955 nos Esforços de Teorização da
Realidade Nacional[iv].
A referência deve ter sido extraída de um dos autores favoritos de Guerreiro,
que era Sílvio Romero, o primeiro para quem o ano de 1870 marcara o advento do
paradigma intelectual científico no Brasil na medida em que assinalava a
passagem do romantismo ao realismo; do trabalho escravo para o assalariado, da
monarquia para a república; a ascensão do Exército, do imperialismo econômico e
os primeiros surtos nacionalistas[v].
Assim, também para Wanderley, aquele seria implicitamente o marco inicial do
período “predecessor dos tempos modernos”, que começavam em 1930 (Santos, 1970,
p. 147).
“A
Imaginação Político-Social Brasileira” (1967)
Com o objetivo de examinar criticamente o
modo desdenhoso por que a ciência social brasileira considerara até então a
“história do pensamento político-social brasileiro”, Wanderley Guilherme
publicou em 1967, na Revista Dados, seu segundo artigo sobre o assunto: “A
Imaginação Político-Social Brasileira”. Para caracterizar o estatuto de seu
objeto de pesquisa, não era possível, àquela altura, contornar ou ignorar a
querela travada na década de 1950 entre Guerreiro Ramos, no Rio de Janeiro, e
Florestan Fernandes, em São Paulo, sobre o caráter científico ou
pré-científico, respectivamente, da produção intelectual brasileira.
Entre dois escolhos – enquadrar como
científico o tipo de reflexão intelectual que caracterizava o pensamento
político brasileiro, segundo a perspectiva nacionalizada de ciência adotada por
Guerreiro, ou rotulá-lo de pré-científico, a partir do universalismo de
Florestan –, Wanderley preferiu escapar do dilema ao optar por uma espécie de
meio termo. Se não lhe parecia razoável “considerar rigorosamente científico” o
tipo de reflexão característica do pensamento político brasileiro, também lhe
parecia equivocado descartá-los “mediante a vaga, imprecisa e, pois,
acientífica designação de ‘ideológicos e científicos’” (Santos, 1967, p. 182).
Na busca de uma categoria intermediária,
ele recorreu àquela de “imaginação social”. O conceito havia sido forjado pouco
tempo antes por Wright Mills num texto em que buscava chamar a atenção para a
intuição sócio-científica que orientava o trabalho de agentes sociais como
jornalistas, educadores e profissionais liberais. Eles não pertenciam ao meio
acadêmico-científico, é verdade; nem por isso, todavia, produziam reflexões
desprovidas de valor ou sentido. Para compreender o seu mundo, as pessoas
precisavam de uma qualidade de espírito (uma “intuição”) que as ajudasse “a
usar a informação e a desenvolver a razão”, qualidade aquela “que jornalistas e
professores, artistas e públicos, cientistas e editores estão começando a
esperar daquilo que poderemos chamar de imaginação sociológica” (Mills, 1965,
p. 11 e 25).
Wanderley adaptou, então, a categoria de
Mills para designar o tipo mais especificamente político de reflexão produzido
no Brasil por aqueles intelectuais públicos, expressiva, segundo ele, do
conjunto de representações intelectuais do processo político difundidas no
espaço público nacional desde a independência: era a “imaginação política
brasileira”[vi].
Atuando no âmbito da esfera pública, aquele “intelectual público” não era um
cientista social, mas também não se limitava, ele, a ser veículo de
lugares-comuns.
Os “formadores de opinião” eram pessoas
que racionalizavam os acontecimentos políticos, interpretando-os e
explicando-os para o grande público. Eles convertiam, assim, opinião privada em
crenças pública. As avaliações conflitantes dos assuntos políticos decorriam
principalmente das variações na perícia pessoal e na disposição interior desses
formadores de opinião, conforme a premência de tempo, a disponibilidade de
dados heterogêneos e fragmentários, a disposição interior e a perícia pessoal.
Além disso, a imaginação política vinculava-se tanto ao passado quanto ao
futuro.
Ao passado, porque os múltiplos
acontecimentos anteriores se uniam numa primeira explicação racional acerca do
que teria acontecido; ao futuro, porque a imaginação política balizaria o
horizonte de expectativas dentro do qual os atores políticos se moviam. Se
todas as pessoas agiam segundo uma avaliação das possíveis consequências de
seus atos, suas ações dependiam da visão de mundo que lhes era fornecida pela
imaginação política. Eis por que ela era “o primeiro laboratório onde as ações
humanas (…) entram como matéria-prima, são processadas e transformam-se em
história política” (Santos, 1970, p. 138).
A esta altura, Wanderley Guilherme
criticava duramente todos os estudos anteriores, realizados com vistas ao
enquadramento do pensamento político brasileiro. Os critérios de análise até
então adotados se baseavam em racionalizações post facto – como aquela segundo a qual todo o passado cultural
brasileiro teria sido alienado, ensaísta e não científico; ou colonial e não
nacional. Além disso, de cunho institucional e evolutivo, as matrizes
interpretativas empregadas dependiam excessivamente de acidentes temporais.
O esquema “etapista” da
“institucionalização da atividade científico-social” adotado por Florestan para
aquilatar o caráter científico ou pré-científico da produção sociopolítica
autóctone era criticado por Wanderley como “rudimentar”; ele estava baseado num
positivismo historiográfico inaceitável, porque multiplicava os anacronismos.
Levada a ferro e fogo, o critério de Florestan, que desqualificava Nabuco,
Uruguai e Azevedo Amaral como pré-científicos, também desqualificava Marx,
Comte e Spencer (Santos, 1967, p. 186).
Mas não era apenas o método adotado pelo
reverenciado mestre da sociologia uspiana que lhe parecia “rudimentar”. Também
lhe parecia inadequado estudar a “evolução do pensamento sociológico no Brasil”
como Djacir Menezes e Fernando Azevedo, classificando os textos como
naturalistas, históricos, antropológicos, jurídicos e escolásticos segundo suas
características manifestas. Guerreiro Ramos era o único estudioso que o
antecedera cuja obra efetivamente colaborara para o estudo da “história do
pensamento político-social brasileiro”.
A despeito de alguns senões[vii],
a contribuição de Guerreiro havia sido “incomparavelmente mais fecunda que a de
todos os demais”. Além de abandonar a premissa de que a articulação da produção
cultural brasileira era irracional ou arbitrária em relação ao processo
sociopolítico real, Guerreiro Ramos rejeitara o critério formal-positivista
dependente dos “acidentes da cronologia temporal”, preferindo classificar os
autores conforme o caráter indutivo ou dedutivo de suas análises e estabelecer
um conjunto de categorias explicativas da dicotomia nelas presente[viii].
Cumpria, pois, investigar as pistas
deixadas pelo autor da Redução
Sociológica, corrigindo suas eventuais deficiências, excessos ou lacunas.
Antes, porém, era preciso proceder ao “levantamento (bibliográfico) rigoroso do passado cultural brasileiro” (Santos,
1967, p. 190).
“Raízes
da Imaginação Política Brasileira” (1970)
O quarto produto da pesquisa de Wanderley
Guilherme foi o texto por ele denominado “Raízes da Imaginação Política
Brasileira”, surgido de um roteiro de conferência proferida na Universidade de
Berkeley no início de 1969 e apresentado meses depois em seminário na
Universidade de Stanford, onde fazia doutorado. Traduzido para o português, o
texto foi publicado no ano seguinte como artigo na Revista Dados, e tinha por objetivo identificar os padrões
dicotômicos de explicação que, segundo Wanderley, prevaleciam na moderna
imaginação política brasileira: “A tendência para representar a vida social
como a luta contínua entre dois agrupamentos de fenômenos conflitantes é a
característica mais importante da imaginação política brasileira” (Santos,
1970, p. 137).
Tomando a literatura política produzida a
título de compreender o movimento militar de 1964, nos anos anteriores,
Wanderley afirmava que, independentemente de seus juízos de valor favoráveis ou
desfavoráveis a respeito do acontecimento, os autores tendiam a explicarem-no a
partir de uma percepção polarizada do conjunto de causas e de fenômenos, como
se a história política brasileira se resumisse a uma dinâmica bipolar.
Participação de massa, comunismo, corrupção, desordem administrativa,
demagogia, ineficiência governamental eram fenômenos que, embora independentes
em si mesmo uns dos outros, eram sempre apresentados em bloco por aqueles que
defendiam o golpe de Estado.
Seus adversários, por suas vezes, agiam do
mesmo modo ao vincularem, no pólo positivo, a defesa da democracia àquela do
poder executivo, da industrialização e da independência nacional, e
aglutinando, no negativo, o imperialismo, o ruralismo, o poder legislativo e o
autoritarismo – como se todos estes fenômenos estivessem conectados.
O que definia o padrão explicativo da
imaginação política brasileira era, assim, a percepção dicotômica do conflito
demonstrada pelos analistas[ix].
Quais as origens, porém, de semelhante padrão? Aqui Wanderley Guilherme
recusava as duas “respostas fáceis”, que estariam disponíveis no mainstream acadêmico: ou o padrão dual
decorria da “ideologia” do analista, contaminado pela visão de mundo da classe
a que pertencia; ou ele decorria de uma leitura objetiva da realidade política
em si mesma, efetivamente marcada pela oposição aglutinada dos fenômenos
referidos.
A primeira resposta reduzia à condição de
mero acidente a onipresença do padrão dicotômico de explicação e por isso não
era plausível. A segunda resposta pressupunha uma estruturação tão cristalina
das forças em conflito, que não daria margem para diferentes interpretações do
acontecimento – o que evidentemente não era o caso. Wanderley avançava uma
resposta alternativa: os padrões explicativos dicotômicos resultavam de uma
cultura política que fornecia aos produtores da imaginação política brasileira
o seu “padrão latente de análise”.
Em outras palavras, havia um paradigma
histórico e culturalmente sedimentado de explicação dicotômico muito anterior
ao movimento de 1964. Para além da socialização nas normas e valores sociais
básicos, o amadurecimento político de uma comunidade passava pela conversão
intelectual de seus analistas a determinadas formas de percepção socialmente
cristalizadas na cultura, e que eram relativamente autônomas tanto dos lugares
por eles ocupados na estrutura socioeconômica quanto do cotidiano empírico da
política. Esta era a principal razão por que o estudo do pensamento político
brasileiro se tornava imprescindível; sem ele, seria impossível conhecer o
desenvolvimento dos padrões de análise que prevaleciam na análise política
(Santos, 1970, p. 146).
A questão referente ao estatuto científico
ou não científico do pensamento brasileiro perdia, assim, toda a importância.
Ainda que eventualmente não contribuísse para “o progresso das ciências sociais”,
seu estudo era indispensável para “o conhecimento dos processos políticos
brasileiros” (Santos, 1970, p. 147). O primeiro e decisivo passo neste caminho,
portanto, passava por superar o preconceito cientificista, difundido
principalmente por Florestan Fernandes, que impedia a “história intelectual
brasileira” de ser conhecida e examinada, para além dos acidentes
institucionais[x].
Naturalmente, o reconhecimento de uma
cultura política brasileira embutia – como ainda embute – o risco de atribuir
as características do pensamento brasileiro ao “caráter brasileiro” ou a uma
“psicologia nacional”. Wanderley Guilherme contornava esse risco chamando a
atenção para a condição histórica e “moderna” do estilo dicotômico de percepção
política, que teria emergido somente no final dos oitocentos.
No período imperial, teria prevalecido
outro tipo de análise, que enxergava a política como uma permanente disputa
pelo poder por parte de homens hábeis e experientes, cujas orientações
políticas variavam conforme os resultados táticos produzidos. Para este estilo
“maquiavélico” de análise, o comportamento humano era marcado pela
imprevisibilidade: não havia racionalidade a
priori capaz de explicar a história política, que se limitava a registrar
“os resultados sucessivos de movimentos políticos bem-sucedidos”.
Ela não poderia ser, pois, nem a “projeção
necessária de choques sociais e/ou econômicos agregados, nem o espelho fiel
onde se poderia ver o caráter ético da época”[xi]. A
mudança na análise política teria se iniciado no começo da República, com o
lento declínio da agência humana como matéria-prima da explicação e sua
substituição pelas questões econômicas e sociais. Para alguns de seus primeiros
analistas, já se impunha decidir sobre duas potencialidades de país – ou
industrial, economicamente autônomo, politicamente independente e soberano, ou
monocultor, economicamente dependente e politicamente colonizado.
Euclides da Cunha teria sido primeiro
grande autor a estabelecer “a fórmula intelectual para a análise política que
estava por vir: descobrir uma dicotomia à qual possa ser racionalmente
atribuída a origem de crises eventuais; traçar a formação da dicotomia no
passado histórico nacional; propor a alternativa política para a redução da
dicotomia”. Era essa a “estrutura básica do paradigma”[xii]
analítico que, durante a Primeira República, seria repetido por Alberto Torres,
Oliveira Viana e Gilberto Amado – autores de estudos também marcados por
“contrastes, oposições e polarizações” (Santos, 1970, p. 150)[xiii].
Neste processo de mudança de paradigma, a
Revolução de 1930 havia sido o divisor de águas, ao generalizar o padrão
dicotômico de explicação e, com ele, a convicção de que as origens da crise
latente que atravessava a sociedade brasileira deveriam ser buscadas no
desdobramento de alguma contradição (Santos, 1970, p. 152). Durante a primeira
metade da década de 1930, teriam recorrido ao padrão dicotômico de explicação
todos os analistas de primeira linha, independentemente de suas posições
ideológicas. Eram reformistas, como Virgínio Santa Rosa, Martins de Almeida,
Menotti del Picchia e Agamenon Magalhães; eram conservadores, como Alcindo
Sodré, Plínio Salgado, Miguel Reale e Jaime Pereira; eram até mesmo os
indecisos, como o jovem Afonso Arinos.
O estilo dicotômico atingiu o seu ápice
depois de 1935, com a publicação de “três dos mais importantes livros da
imaginação política brasileira” – O
Brasil na Crise Atual, A Aventura
Política do Brasil e O Estado
Autoritário e a Realidade Nacional, de Azevedo Amaral, e “a teoria mais
abstrata que esta abordagem dicotômica” teria produzido: A Ordem Privada e a Organização Política Nacional, de Nestor
Duarte.
Depois da letargia intelectual imposta ao
campo de análise política pelo Estado Novo, a abordagem dicotômica retornou com
força nos artigos dos Cadernos do Nosso
Tempo e na atividade intelectual do ISEB, consolidando-se como o paradigma
de reflexão no interior do qual amadurecera a intelectualidade brasileira da
sua geração (isto é, da década de 1960). Uma vez comprovada a existência de um
“resíduo histórico de longa tradição de análise política no Brasil” (Santos,
1970, p. 155), Wanderley Guilherme destacava a que seria extremamente produtivo
aos analistas da atualidade política brasileira retomar, desenvolver e
verificar determinadas hipóteses explicativas ventiladas pelos autores
pós-revolucionários: “Dificilmente haverá, entre as teorias contemporâneas, alguma
boa hipótese sobre política no Brasil que não tenha sido desenvolvida durante a
década de 30” (Santos, 1970, p. 156).
“Paradigma
e História: a ordem burguesa na imaginação social brasileira” (1978)
No final da década de 1970, Wanderley
Guilherme publicou os dois textos mais importantes de sua pesquisa: “Paradigma
e História: a ordem burguesa na imaginação social brasileira” e “A Práxis
Liberal no Brasil: propostas para reflexão e pesquisa”. Ambos já haviam
circulado em cópias mimeografadas, despertando entusiasmo e polêmica; de modo
que, ao serem publicados, converteram-se em referências incontornáveis para o
estudo do assunto no âmbito das ciências sociais.
A principal novidade que neles se percebe
reside na tentativa de enquadrar a natureza e a trajetória do pensamento
político brasileiro no quadro mais amplo da problemática de instituição de uma
sociedade liberal no Brasil. Do ponto de vista metodológico, atenuava-se
significativamente a preocupação presentista que prevalecera desde o início da
pesquisa, que resultara na exclusão do grosso do período imperial como uma
“pré-história” do nosso pensamento, por meio de um aprofundamento da dimensão
histórica do estudo. Além de reivindicar a história no título do primeiro
texto, Wanderley remontava o seu estudo para o período imperial anterior a 1870
e enveredava por uma análise mais contextualizada.
“Paradigma e História: a ordem burguesa na
imaginação social brasileira” era uma consolidação muito aumentada dos textos
anteriores, por meio da qual Wanderley sistematizava e atualizava suas
reflexões, introduzia novas hipóteses e digressões e, por fim, um desdobramento
inédito[xiv].
Embora o texto flua sem divisões, é possível nele identificar três partes.
Depois de uma introdução sobre a formação
das ciências sociais no Brasil, a primeira faz um balanço do “estado da arte”
tomando como ponto de partida as três matrizes (institucional, sociológica e
ideológica) de que os cientistas sociais se teriam valido para estudar a
história intelectual do país.
Já a segunda apresenta, depois de breve
interlúdio metodológico, duas formas alternativas de ordenar o pensamento
político-social brasileiro, conforme o conteúdo manifesto das obras ou os
estilos de análise adotados.
A terceira e última parte do texto
indagava das origens do padrão dicotômico de análise, concluindo pela longeva
existência de duas linhagens de analistas políticos, ambas empenhadas na
construção de uma sociedade liberal no Brasil, embora divergentes a respeito
dos meios conducentes a alcançar tal fim.
Na introdução, Wanderley Guilherme
afirmava que, como em toda a parte, as ciências sociais teriam surgido e se
desenvolvido no Brasil pela influência conjugada da aclimatação do conhecimento
produzido nos países centrais e dos estímulos internos da história nacional.
Porque cada país e sua cultura adquiriam “individualidade nacional ao mesmo
tempo em que se integram na história universal”, superava-se a polarização
entre ciência e não ciência, universalidade e particularidade (Santos, 1978a,
p. 17). Os diferentes tons adquiridos pelas ciências sociais de cada país
decorriam do modo por que cada nacionalidade absorvia e difundia a produção
estrangeira e da interação entre os acontecimentos nacionais e sua reflexão
científica.
Prosseguindo no trabalho de romper com a
matriz institucional predominante nas análises e com a consequente oposição
entre ciência social e ensaísmo, Wanderley declarava que o processo de surgimento
da ciência nacional iniciara com “a inserção do Brasil na história universal”,
ou seja, com a descoberta do país; entretanto, ele reconhecia que, dada a
vinculação estreita do Estado português à Segunda Escolástica, a modernidade
científica em nosso mundo datava somente do período pombalino[xv].
A proclamação da independência deflagrara
uma nova fase e, consequentemente, do desenvolvimento intelectual brasileiro,
operado pelas escolas de ensino superior do Império e reverberado pelas
tribunas parlamentares e jornalísticas. Graças à fundação das primeiras escolas
superiores de ciências políticas, sociais e econômicas, o tipo de reflexão
sociopolítica produzida no Brasil subiu de patamar quantitativo e qualitativo
entre 1919 e 1935; quanto às tentativas de inventariar o patrimônio social
nacional, reiterava-se a tese de que as décadas de 1920 e 1930 haviam sido o
momento privilegiado da reflexão político-social brasileira, limitando-se os
autores das décadas de 1950 e 1960 a reproduzi-las de modo mais sofisticado.
A percepção equivocada de que datava desta
época a “alvorada do pensamento brasileiro” e o consequente descaso com a
produção intelectual anterior eram atribuídos, primeiramente, ao intervalo
autoritário do Estado Novo, que interrompera os estimulantes “esforços de
teorização da realidade nacional” (Santos, 1978a, p. 23)[xvi], e
em segundo lugar, à superestimação do impacto representado pela fundação das
novas escolas de ciências sociais, dirigidas por professores estrangeiros.
Era neste ponto que Wanderley Guilherme
reapresentava, atualizado e aumentado, seu diagnóstico crítico do “estado da
arte” no campo dos estudos do pensamento político-social brasileiro. A novidade
ficava por conta da inclusão de autores de produção mais recente na área[xvii].
As análises existentes poderiam ser agrupadas conforme os critérios nela
empregados: o institucional, o sociológico e a ideológico. A passagem relativa
à primeira daquelas matrizes repetia, com poucas alterações estilísticas, o
trecho de “A imaginação política e social brasileira” que recriminava os
estudos anteriores de Costa Pinto, Fernando de Azevedo, Djacir Menezes e
Florestan Fernandes por conferirem centralidade ao surgimento das instituições
superiores de ciências sociais.
A referência às matrizes sociológica e
ideológica, porém, era uma novidade: a matriz sociológica se caracterizaria por
se orientar pelas características da estrutura econômico-social na tentativa de
explicar as variações ocorridas no conteúdo das preocupações dos investigadores
sociais. Tais variações poderiam se dar em função das mudanças processadas na
estrutura socioeconômica (Florestan Fernandes) ou para deduzir os atributos ou
dimensões do pensamento social daqueles do processo social (ISEB).
Ocorre que a maioria dos autores enquadrados
nesta matriz, como Edgar Carone, se contentaria em descrever certos aspectos do
quadro social e expor as idéias dos autores, na pressuposição de que houvesse
entre ambas uma relação de evidência. Já os textos de Florestan sobre a
formação das ciências sociais no Brasil não teriam sido mais do que tentativas
frustradas de sociologia do conhecimento. Embora suas análises fossem as “mais
estimulantes e férteis de sugestões” dentre as produzidas pela “matriz
sociológica”, o reverenciado chefe da sociologia paulista fracassara ao se
deixar levar pela crença de que “a simples enunciação e descrição dos atributos
dos processos sociais seriam evidências suficientes para demonstrar a relação
de dependência funcional entre o conteúdo que se pensa e o desdobrar empírico
da história social” (Santos, 1978a, p. 28 e 31)[xviii].
Com o exame desses autores, Wanderley
abria a segunda parte do texto com uma indagação: haveria um modo apropriado
para examinar os autores que compunham o pensamento político brasileiro, de
modo a fazer-lhes justiça enquanto analistas? Caso positivo, qual seria? Neste
ponto, ele enveredava por um interessante interlúdio metodológico ao longo do
qual explicava não haver método algum que se pudesse de antemão apontar como
adequado: “Não existe uma única história das ideias políticas e sociais no
Brasil, nem das disciplinas sociais, quando já institucionalizadas, que permita
descartar as demais como falsas (…). Tudo depende da utilidade do objetivo
que se tem em vista” (Santos, 1978a, p. 57).
Aqui, subjacente à discussão, estava o
problema da unicidade ou da multiplicidade de objetos a se conhecer. Caso o
investigador acreditasse no significado real e único dos fenômenos sociais, ele
deveria, à maneira de Hegel, articulá-los conceitualmente e ao seu
desenvolvimento temporal, desprezando por irrelevante tudo o que com ele
conflitasse. Caso se acreditasse, porém, na multiplicidade dos objetos a se
conhecer, o pesquisador deveria reconhecer que quaisquer ideias elaboradas num
dado momento histórico produziam consequências, muitas das quais inesperadas.
Parecia-lhe que, em matéria de ciências
sociais, esta epistemologia relativista era a mais adequada a seguir[xix].
Era assim possível investigar a história das idéias com diversos fitos, como o
de verificar o seu impacto na percepção dos problemas; o de avaliar os
paradigmas intelectuais mais influentes de um determinado período; o de
examinar como as idéias foram mobilizadas para atacar ou defender determinada
organização política; ou o de averiguar o seu efeito sobre as metodologias
empregadas.
Neste campo de possibilidades
reconhecidas, Wanderley assinalava duas formas possíveis de descrição da
“evolução das ciências sociais no Brasil” (isto é, da história do pensamento
político-social brasileiro). A primeira possibilidade de descrição adotava por
norte o conteúdo manifesto dos trabalhos publicados. Essa orientação constituía
uma importante novidade na pesquisa.
Até então, a preocupação exclusiva de
Wanderley Guilherme havia sido a de compreender como os analistas do passado
(seus “antecessores”, por assim dizer) haviam representado a dinâmica política
brasileira posterior à Revolução de 1930 e elevado seus resultados à condição
de uma “ciência política” válida enquanto “imaginação”. Por esse motivo, os
textos anteriores de Wanderley não revelavam interesse no exame do pensamento
brasileiro em si mesmo, enquanto conjunto de proposições ou visões de mundo de
cada autor – hipótese que o levaria a examinar o conteúdo manifesto das
proposições discursivas no quadro de seus respectivos contextos históricos.
Da mesma forma, pela mesma razão, a
pesquisa tivera como marco inicial o ano de 1870, deixando em segundo plano a
maior parte do período monárquico, encarada implicitamente como uma era
“pré-moderna” da reflexão brasileira. Essas faltas, Wanderley buscava agora
saná-las, ao menos em parte, ao longo das sete páginas onde descrevia o evolver
do “pensamento político-social brasileiro” desde a independência, a partir dos
temas abordados pelas obras que o compunham, e relacionando-os à agenda
política de cada período de nossa história.
A suposição mais ou menos implícita era a
de que as diferentes etapas do processo de construção nacional exigiam da
classe política necessidades ou tarefas específicas e sucessivas, que apareciam
refletidas nas obras produzidas em cada uma delas num ambiente de debate.
Assim, depois da independência e durante a
maior parte dos oitocentos, o problema da organização do Estado nacional teria
dominado a produção do pensamento político brasileiro e, como tal, reunindo ao
seu redor as mais relevantes análises políticas elaboradas no período – aquelas
do Visconde de Uruguai e de Joaquim Nabuco[xx].
A Primeira República, por sua vez,
assistira à produção de análises complexas sobre a organização social e
política brasileira – e aqui, os nomes de Alberto Torres, Oliveira Viana e
Gilberto Freire eram citados com ênfase[xxi].
Entretanto, ainda que atenuada, Wanderley perseverava a tese de que a primeira
década da Era Vargas teria sido o período por excelência do pensamento político
brasileiro; época quando se produziram “as mais argutas análises sobre o
processo político nacional”.
Tanto assim que a importância da produção
intelectual da Primeira República radicava antes de tudo no fato de que a sua
agenda havia “preparado” intelectualmente os analistas que atuariam entre 1930
e 1937; da mesma forma, reiterava-se que o repertório de problemas fixado
naqueles anos era o mesmo que, “sob as roupagens linguísticas as mais variadas,
se vem transmitindo de geração em geração, até hoje” (Santos, 1978a, p. 39). Em
outras palavras, era naqueles sete anos que emergira a pauta do Brasil moderno
e era em função dele que, bem ou mal, se justificava o maior ou menor interesse
em estudar os demais períodos históricos.
No período “contemporâneo” (1945-1964),
Wanderley voltava a destacar a produção intelectual do ISEB e as observações
deixadas por Hélio Jaguaribe e Guerreiro Ramos sobre as relações entre
liderança política e seus estilos – as únicas que lhe pareciam escapar “ao
convencionalismo às vezes solene, porém não menos banal, do marxismo
acadêmico”. Ao seu juízo, o mérito dos isebianos jazia principalmente no fato
de terem praticamente se limitado a desenvolver os temas privilegiados pelo
pensamento político brasileiro durante a década de 1930[xxii].
Destacando, por fim, a bem-sucedida
institucionalização e expansão dos cursos homônimos, ocorrido durante as duas
décadas anteriores, Wanderley concluía a narrativa da evolução no Brasil das
ciências sociais – isto é, da história do pensamento político brasileiro,
tomando por critério o conteúdo manifesto dos textos.
Por seu turno, a
segunda possibilidade de ordenação racional daquele desenvolvimento residia na
descrição dos modos por que a realidade social aparecia estruturada na
percepção dos analistas. Seguia-se então uma reprodução aqui e ali modificada,
embora sem mudança da orientação geral, do argumento em torno dos paradigmas de
percepção do conflito político – o “maquiavélico” e o “dicotômico”, delineado
em “Raízes da Imaginação Política Brasileira”.
Se as páginas dedicadas
ao período republicano não apresentam alterações sensíveis em relação ao texto
publicado oito anos antes (apenas pequenas supressões e um maior
desenvolvimento da passagem dedicada a Martins de Almeida), o mesmo não pode
ser dito do tratamento conferido aos autores do período imperial, que era
claramente mais refinado que nos textos anteriores. Embora reiterasse que os
pensadores monárquicos nutriam uma visão individualista do conflito político, a
Wanderley Guilherme parecia agora que apenas os panfletários, como Ferreira
Viana, resumiam-se a ela.
Havia dois grupos mais
complexos de autores, que ostentavam diferentes características. O primeiro
grupo, de que eram expoentes Zacarias e Tavares Bastos, analisaria a realidade
brasileira pelo prisma das doutrinas em voga; já o segundo preocupava-se antes
com a efetividade daquelas doutrinas a partir de um exame “sociológico” da
realidade do país – e aqui o autor paradigmático era o Visconde de Uruguai.
Essa maior sofisticação
na classificação dos autores imperiais antecipava a última e provavelmente mais
importante parte do texto, que consistia em indagar – o que ele ainda não
fizera – sobre os motivos de se ter formado no Brasil uma tradição ou cultura
política que enxergava a realidade dicotomicamente. Era como se houvesse dois
“conjuntos de atributos e/ou processos sociais que não podem existir senão
simultaneamente”; como se o conflito se desenrolasse “segundo as regras dos
jogos de soma zero” (Santos, 1978a, p. 42).
Para responder àquela
indagação, Wanderley avançava a proposição de que, na verdade, todo o
pensamento político brasileiro (ou ao menos sua principal e mais valiosa parte)
tinha por motor a necessidade de superação da realidade social autoritária,
fragmentada, que era vista como atrasada, para a realização de um ideal de
sociedade liberal e capitalista (“burguesa”), que era enxergada, por seu turno,
como moderna. Era por essa razão que os analistas tendiam a apresentar de modo
polarizado seus argumentos: porque aglutinavam de um lado aquilo que era
percebido como atrasado, e de outro, aquilo que era percebido como moderno.
Embora acordes em
relação ao objetivo a ser alcançado, nossos autores divergiriam a respeito das
estratégias mais convenientes ao alcance daquele desiderato. Desde o Império se
poderia identificar a presença das duas famílias ou linhagens intelectuais do
pensamento político brasileiro, a concordar com os fins, mas a divergir nos
meios. Os políticos e autores conservadores (os “saquaremas”), como o Visconde
de Uruguai, teriam percebido que o Estado era uma agência privilegiada para a
mudança social, pois apenas ele poderia criar condições para a realização
prática das preferências e dos valores políticos dominantes, ou seja, de
instauração de uma ordem liberal.
Daí a defesa por ele
feita da expansão da capacidade regulatória estatal, encarnada num Estado
centralizado e burocratizado, sem o qual não se poderia vencer o privatismo, a
fragmentação e a escravidão. Essa estratégia contrastava claramente com aquela adotada
pelos políticos e autores liberais (os “luzias”), como Tavares Bastos, que, ao
reivindicarem a descentralização e o parlamentarismo, incorriam num “fetichismo
institucional” por suporem, de modo anti-histórico e universalista, que “a
rotina institucional criaria os automatismos políticos e sociais ajustados ao
funcionamento normal da ordem liberal”[xxiii].
A esta altura, como se
vê, o Império deixava de ser uma espécie de “pré-história” do pensamento
político brasileiro moderno para se converter no tempo de gestação da principal
clivagem que o atravessava: aquele das diferentes estratégias perseguidas pelos
autores na busca de um mesmo modelo de modernidade política. Com efeito,
decorrente da consagração do estilo dicotômico de análise, a ruptura do século
vinte com o dezenove revelava-se agora ter sido mais aparente do que real.
Ao destacarem o hiato
entre o país real e o país legal, recusando o fetichismo institucional e
desacreditando da possibilidade uma ordem liberal sem a intervenção do Estado,
os pensadores “autoritários” da década de 1930 surgiam agora, em Paradigma e História, como os
“verdadeiros continuadores” dos saquaremas do Segundo Reinado. Era a
persistência da estrutura oligárquica e latifundiária que justificava o
imperativo de “continuar expandido a capacidade regulatória e simbólica do
poder público e de garantir sua capacidade extrativa com o objetivo de
financiar a expansão do Brasil burguês moderno”[xxiv].
Apesar de divergirem
sobre a função do poder público e outros tópicos menores, todos eles –
especialmente o Oliveira Viana de Instituições
Políticas Brasileiras – especulavam sobre a maneira mais adequada por que o
Brasil poderia alcançar a ordem liberal. Enquanto isso não se dava, o Estado
nacional precisava ser forte; apenas depois, ele poderia ser fraco, conforme o
figurino liberal. A temática e a concepção de sociedade dos autoritários de
1930, por suas vezes, reapareciam na década de 1950 na produção isebiana de
Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe, que pelo nacional-desenvolvimentismo
continuavam a reclamar a expansão da ordem burguesa. Enquanto isso, cultivando
o fetichismo institucional, os udenistas continuavam a proceder como os luzias,
demandando uma institucionalidade liberal clássica que, naquele contexto, só
poderia beneficiar o privatismo oligárquico.
Entretanto, Wanderley
Guilherme frisava que o quadro sofria uma inflexão naquele momento (1978): o
regime militar criara uma sociedade de mercado em escala nacional e reduzira o
nosso atraso secular à condição de resíduo. Por conta disso, defensores
tradicionais do autoritarismo instrumental haviam passado – também eles! – a exigir o advento das
instituições liberais clássicas.
O risco desta vez era o
de que, de novo, o Brasil recaísse num extremo oposto, com a transição do
autoritarismo para um regime liberal oligárquico, dirigido por um Estado
mínimo, encapsulado pelos interesses privados, descomprometido com o
enfrentamento do imenso passivo social. Sem um Estado democrático forte,
qualquer perspectiva de melhoria social seria ilusória.
“A Práxis Liberal no Brasil” (1978)
O segundo texto
publicado como capítulo de livro e que cuidava do pensamento político
brasileiro chamava-se “A Práxis Liberal no Brasil: propostas para reflexão”.
Tratava-se de um ensaio[xxv]
sobre as vicissitudes enfrentadas no Brasil para a implantação da ordem
liberal, entendida como “certa visão de como a sociedade e governo deveriam ser
organizados em contraposição ao controle religioso da sociedade e ao
estabelecimento de uma agenda de propriedades públicas por qualquer poder
transcendente à sociedade” (Santos, 1978a, p. 68).
Esse ensaio estava
alicerçado nas conclusões de “Paradigma e História” relativas ao quase consenso
dos analistas políticos brasileiros ao longo da história nacional em torno da
necessidade de construção de uma sociedade liberal moderna e de sua divergência
essencial a respeito dos meios de forjá-la. A práxis liberal do título do texto
se referia, portanto, não apenas às tentativas empreendidas de criar aquela
sociedade, mas às dificuldades encontradas em meio àquela tarefa. A primeira
parte do texto compreendia uma interpretação dos acontecimentos relativos ao
processo histórico de construção da ordem liberal brasileira, destinada a
demonstrar que a adoção de políticas liberais muitas vezes produzia efeitos
contrários àqueles pretendidos por seus corifeus.
O dilema do liberalismo
entre nós teria sido exposto pela primeira vez de modo inequívoco por Oliveira
Viana: não era possível que um sistema político liberal rendesse adequadamente
no contexto de uma sociedade familística, autoritária e parental (isto é,
antiliberal). Para alcançar mais prontamente a ordem democrática, era preciso,
ao invés de um sistema liberal clássico de instituições, certa dose de autoritarismo
capaz de esmagar os obstáculos ao seu advento presentes na atrasada sociedade.
Aqui, sentia-se o
impacto pleno da leitura de “Instituições Políticas Brasileira” sobre a
interpretação de Wanderley Guilherme que, conduzindo-o posteriormente à leitura
do Visconde de Uruguai (autor cuja obra estava fora do marco bibliográfico
inicial da pesquisa), permitia fundar a tradição intelectual isebiana num
passado muito mais remota do que ele pudera imaginar. Embora descritas no final
de “Paradigma e História”, só agora as duas principais tradições do pensamento
político brasileiro eram devidamente nomeadas: a do liberalismo doutrinário e a
do autoritarismo instrumental (Santos, 1978a, p. 93).
Liberais doutrinários
eram aqueles atores políticos e respectivas agremiações que, desde os “luzias” do
século XIX, veicularam a crença de que “a reforma político-institucional no
Brasil, como em qualquer lugar, seguir-se-ia naturalmente à formulação e
execução de regras gerais adequadas”. Liderados por Rui Barbosa e Assis Brasil,
os liberais doutrinários da década de 1920 acreditavam que, para superar o
quadro de atraso, clientelismo e fraude que caracterizava a República, bastaria
eliminar a corrupção e renovar o pessoal governante por meio de reformas
institucionais salutares; estas, por suas vezes, produziriam lisura eleitoral,
magistratura independente e burocracia profissional.
Entretanto, depois da
Revolução de 1930, ficara claro que Getúlio Vargas preferira trilhar o caminho
aberto pelo movimento tenentista. Embora também ambicionassem a ordem liberal,
os “novos saquaremas” deram-se conta de que o receituário institucional
ministrado pelos liberais doutrinários não bastaria para atingir aqueles fins.
Getúlio também percebera que a reintrodução de um arcabouço institucional
liberal clássico reentronizaria no poder as oligarquias que dele haviam
desfrutado durante a Primeira República.
Depois da queda do
Estado Novo, os liberais doutrinários se rearticularam na União Democrática
Nacional, cuja agenda não diferia, em substância, daquela seguida nas décadas
anteriores. A grande diferença estava na mudança de tática: depois da segunda
derrota consecutiva nas eleições presidenciais para os representantes do
getulismo, em 1951, os liberais passaram a recorrer ao golpismo, baseados na
suposta manipulação do eleitorado ignorante e carente pelas forças do
“populismo”. Neste contexto, para eles, de burla do “espírito” das instituições
constitucionais, os liberais doutrinários se sentiam confortáveis para tentar
impedir o aprofundamento da degradação política e o retrocesso ao populismo
autoritário pelo apelo aberto ao golpe militar[xxvi].
No que toca à outra
“família” intelectual”, era preciso distinguir entre duas espécies de
partidários do autoritarismo, presentes no pensamento político brasileiro: os
primeiros seriam ontologicamente autoritários, ao passo que os segundos o seriam
apenas instrumentalmente. Entre os primeiros estavam, por exemplo, os
integralistas, como Plínio Salgado, que fundavam o autoritarismo na
desigualdade natural dos homens, que justificava a circunscrição do exercício
do poder nas mãos dos mais capazes.
Entre os
ontologicamente autoritários estavam também Azevedo Amaral e Francisco Campos,
para quem, embora os homens fossem naturalmente iguais, o exercício autoritário
do poder teria se tornado inevitável nos tempos modernos, marcada pelo advento
das massas: a elevação do custo social dos conflitos tornara indispensável o
emprego do autoritarismo como técnica de governo em toda a parte. Só o Estado
forte era ainda capaz de enfrentar os novos desafios relativos à preservação da
paz social e do progresso.
A despeito das
eventuais diferenças na fundamentação de seus pensamentos, todavia, Salgado,
Amaral e Campos estavam de acordo quando consideravam o autoritarismo um
remédio político permanente, e não transitório, para a ordem política
brasileira. Era neste ponto que eles se afastavam da “forma mais antiga e
resistente do pensamento autoritário no Brasil”: a do autoritarismo
instrumental (Santos, 1978a, p. 103). Desde pelo menos a independência do país
datava a crença de que caberia ao Estado “fixar as metas pelas quais a
sociedade deveria lutar, porque a própria sociedade não seria capaz de
fixá-las, tendo em vista a maximização do progresso nacional”, contra as forças
do atraso e os interesses paroquiais[xxvii].
Distintos, assim, dos
ontologicamente autoritários, os instrumentais se distinguiam também dos
liberais doutrinários por não crerem que a mudança social pudesse depreender-se
da mera instauração de instituições política liberais. Acreditando que “o
exercício autoritário do poder, pelo seu maior potencial reformista, seria o
meio mais veloz de se edificar a sociedade liberal”, parecia legítimo e
adequado aos instrumentais deixar ao Estado “regular e administrar amplamente a
vida social” (Santos, 1978aa, p. 103).
O livro paradigmático
desse modo de pensar seria Instituições
Políticas Brasileiras, de Oliveira Viana, autor seguido por Virgínio Santa
Rosa e Martins de Almeida, ainda que com variações, no tocante à agenda de
reformas. Depois de tecer considerações sobre as dificuldades enfrentadas no
Brasil para a efetivação do projeto autoritário instrumental, tanto no Estado
Novo quanto durante o regime militar, a conclusão voltava a destacar – como
aquela de “Paradigma e História” – a necessidade de se ajuntar, ao ideal de
liberdade política, aquele de justiça social, o que exigia separar o
liberalismo político do liberalismo econômico.
Conclusão: o balanço de uma pesquisa
A pesquisa de Wanderley Guilherme dos
Santos foi o primeiro grande marco dos estudos do pensamento político
brasileiro no âmbito das ciências sociais.
Em primeiro lugar, ela produziu um
enquadramento disciplinar do objeto. Sua perspectiva epistemológica
pragmático-moderada permitiu superar os dilemas até então impostos pelas
oposições resultantes, seja do hegelianismo filosófico predominante no ISEB –
“consciência crítica”, “autenticidade”, “pensamento nacional” versus “consciência ingênua”,
“alienação”, “pensamento colonial” -, seja do positivismo científico esposado
pela sociologia da USP em meados dos anos 1950 – estampado na oposição
“ciência” versus “não-ciência” ou
“ensaísmo” –, e que redundavam no desprezo do pensamento brasileiro como
periférico ou inferior.
A formação do conhecimento científico
nacional já não dependia, nem do transplante fidedigno dos processos
estrangeiros (Florestan), nem da necessidade de fundar uma ciência social
nacional (Guerreiro). Por outro lado, ao contrário do que sustentava o marxismo
acadêmico, o pensamento político brasileiro também não se reduzia a uma
expressão ideológica da classe que pertenciam seus autores.
Se, sem dúvida, a condição periférica do
Brasil se refletia na produção intelectual nacional, o principal resultado dela
não era uma reflexão de qualidade inferior, mas a abordagem dicotômica adotada
pelos autores nacionais comprometidos com o ideal modernizador, que os levava a
arrolar, de um lado, as causas que concorriam para o atraso percebido e, de
outro, os fatores que poderiam levar à sua superação.
Em síntese, da pesquisa de Wanderley
Guilherme emergia a tese de que havia uma cultura política nacional; que o
pensamento político brasileiro era o seu produto intelectual por excelência e
que não era possível compreender o acidentado processo político brasileiro sem
estudá-lo.
Em segundo lugar, com a pesquisa surgiu
uma definição clara de seu estatuto e o seu competente nome de batismo:
trata-se de estudar o “pensamento político-social brasileiro” e, em particular,
a “imaginação política” nele presente. Embora as expressões pareçam
intercambiáveis, a primeira é mais abrangente que a segunda. O pensamento
político-social brasileiro – a ele referido também como “história intelectual
brasileira”, “pensamento social brasileiro”, “pensamento social e político brasileiro”,
“pensamento político brasileiro”, “história das ideias políticas e sociais no
Brasil” – consistia nos “artigos e livros escritos por brasileiros que têm por
objeto de estudo aspectos sociais ou políticos substantivos da sociedade
brasileira” (Santos, 1970, p. 147).
Já a “imaginação política” não se referia
ao pensamento político-social enquanto universalidade de escritos, mas “ao tipo
de avaliações políticas que alguns homens de percepção educada, comprometidos
com o público de uma forma ou de outra, são compelidos a fazer (…) a fim de
oferecer uma explicação racional para suas audiências” (Santos, 1970, p. 137).
Para Wanderley importava, acima de tudo, “conhecer os processos políticos
brasileiros” por meio da detecção da “imaginação política” difusa no
“pensamento político-social brasileiro”.
A preocupação primeira de Wanderley
Guilherme estava em garantir à “imaginação política brasileira” a dignidade que
lhe era contestada pela sociologia de Florestan Fernandes em razão de seu
caráter ideológico e não-científico. Daí as expressões “imaginação política”,
“imaginação social”, e “imaginação político-social”, empregadas desde o início
de modo polêmico para contrapor-se à ideia de reduzir o pensamento relevante à
“ciência social”. Foram tais esforços que contribuíram para que a formação da
ciência política brasileira não sofresse a solução de continuidade histórica
que se verificara na formação da sociologia paulista[xxviii].
Entretanto, o nome que
prevaleceu para designar a disciplina não foi “imaginação política brasileira”,
mas “pensamento político-social brasileiro”. Mesmo em “Paradigma e História”, a
expressão “imaginação social” se restringe ao título, não sendo repetida no
correr das páginas; nelas, Wanderley a substitui por outra, que ganhou maior
passagem nos meios acadêmicos: “pensamento político-social”.
Essa mudança de
preferência terminológica não importava em alterações substantivas na
perspectiva que se inaugurava com o termo “imaginação”; ela assinalava um
arrefecimento da necessidade de empregar aquele termo específico para
referir-se ao fenômeno que importava explicitar e analisar. Parece plausível a
hipótese de que, até os textos de meados dos anos 70, mais relevante que
determinar qual o termo mais preciso para a caracterização do objeto de estudo
era desferir a crítica à dualidade básica “ideologia vs. ciência”, que deveria
ser eliminada para que se afirmasse a dignidade e a relevância da reflexão
política brasileira anterior à constituição das ciências sociais e,
provavelmente, a continuidade delas na reflexão produzida por formadores de
opinião não dedicados ao estudo científico da sociedade, e independentemente
dos resultados destas ciências.
Uma vez garantida a
dignidade do objeto, Wanderley despreocupou-se de maiores elaborações críticas
em torno do termo que batizava o campo; assim, foi o conjunto do “pensamento
político-social brasileiro” que passou a gozar da positividade que, nos
primeiros textos, parecia reservada somente à “imaginação política brasileira”.
Em terceiro lugar, a
pesquisa delimitou o perímetro do pensamento político brasileiro no âmbito das
ciências sociais. Ao excluir deliberadamente da pesquisa “as obras estritamente
históricas, antropológicas, psicológicas, econômicas, metodológicas e
escolásticas” (Santos, 2002, p. 14), Wanderley organizou o campo de estudos do “pensamento
político brasileiro”propriamente
dito. Deste modo, ao perseguir o modo por que os políticos e analistas
políticos diagnosticavam a sociedade brasileira para fins práticos de
intervenção política, ele afastou-se das “histórias das ideias no Brasil” de
caráter abrangente, como eram as histórias das ideias filosóficas de Miguel
Reale e Cruz Costa, mas também do amorfo “pensamento social” de Djacir Menezes.
Mais importante ainda,
Wanderley afastou claramente o campo do pensamento político brasileiro da
perspectiva delineada à mesma época pela crítica sócioliterária de Antônio
Cândido – que tanta importância teria na configuração futura de um campo de
estudos interdisciplinares – aquele do “pensamento social no Brasil”,
compreendido ecumenicamente à maneira de uma “história da cultura brasileira”.
Assim, por exemplo, a prioridade absoluta conferida ao político transparece
quando Wanderley define o modo de produção intelectual dos cientistas sociais
do ISEB como paradigmática do pensamento brasileiro.
Ela teria sido
“eminentemente política” porque “seus estudos, investigações e análises buscavam
problemas, e os examinavam a partir de um ângulo fundamentalmente comprometido
com a ação, interessado em produzir um entendimento das questões, vizinho à
formulação de estratégias políticas” (Santos, 1978a, p. 40). Não é por outro
motivo que, noutro lugar, Wanderley Guilherme não se conforma com a exclusão,
por parte de Florestan Fernandes, do nome de Azevedo Amaral do rol dos autores
ditos “científicos”, de que Gilberto Freire, todavia, fazia parte. Todas as
qualidades que Wanderley atribuía a Azevedo Amaral se reportavam à sua
capacidade de analisar fenômenos estritamente políticos – tal como a
“sistemática exploração que fez da conexão entre autoritarismo, sociedade de
massas e efeito-demonstração” (Santos, 1967, p. 187).
Já não se tratava, pois,
nem de um “pensamento social brasileiro” entendido como história da cultura
brasileira, nem de um “pensamento social e político brasileiro” compreendido
como conjunto das análises deixadas sobre a política e a sociedade. As análises
da sociedade brasileira só interessavam à pesquisa de Wanderley Guilherme,
portanto, na medida em que conduzissem à fornalha da “imaginação política”. A
evolução dos títulos dos textos publicados espelha o seu anseio crescente por
especificar o objeto da pesquisa como eminentemente político: em “Controvérsias”,
o objeto era designado como “pensamento social brasileiro”; em “Imaginação”,
passara a “imaginação político-social”; em “Raízes da Imaginação”, tratava-se
puramente da “imaginação política brasileira”.
É verdade que, em “Paradigma
e História”, as expressões “imaginação social”, “pensamento político e social”,
“pensamento político-social” e “pensamento social” eram empregadas como se
fossem intercambiáveis. Tal ocorria, porém, neste texto, por uma razão pontual
e contingente: ao consolidar e ampliar os textos anteriores, o ensaio também
visava a traçar “a evolução das ciências sociais no Brasil”, e não só da
ciência política. Presentes naquele texto, os eventuais retornos do autor à
expressão “social” não devem, portanto, nos enganar.
Para além da relação de
precedência estabelecida na própria designação com mais frequência por ele
empregada – pensamento político-social –, essa perspectiva de subordinação do
social ao político se revela de modo iniludível quando Wanderley articula a
pergunta que orienta a sua pesquisa: “De que modo a realidade social aparece estruturada na percepção
dos analistas sociais do passado? Particularmente, como vêem o desdobrar
da disputa política?” (Santos, 1978a,
p. 41). Daí que se possa afirmar, com certa segurança, que sua pesquisa é
constitutiva do campo de estudos do pensamento político brasileiro no âmbito
das ciências sociais[xxix].
Em quarto lugar, da
pesquisa de Wanderley Guilherme resultava a caracterização do pensamento
político brasileiro como indissoluvelmente vinculado à prática. O caráter
ativo, pragmático daquela “imaginação” se orientava para fornecer “esquemas” de
explicação racional que ordenavam, tornando legíveis, os dados dispersos, de
natureza heterogênea, mobilizados pelo analista político. Se a imaginação
necessariamente opera a partir do ordenamento do que já sucedeu, ela estabelece
o horizonte de possibilidades em que qualquer ação política pode ser concebida
e se realizar.
Neste sentido, o
produto de sua elaboração incide diretamente sobre o contexto presente,
orientando e legitimando racionalmente a conduta dos seus atores (Santos, 1970,
p. 138). É este mesmo elemento pragmático decisivo que, em “Raízes da
imaginação política brasileira”, se encontra subjacente ao conceito de “práxis”
que servirá, depois, para a análise do liberalismo brasileiro presente em Ordem Burguesa e Liberalismo Político.
Embora a noção seja vaga, o elemento pragmático é iniludível[xxx].
As ligeiras alterações
na redação do artigo quando da segunda edição de A Práxis Liberal no Brasil, vinte anos depois, não alteraram a
formulação principal da sua preocupação com as “ideias traduzidas em
comportamentos – e com ideias políticas como guias estratégicos para a ação”
(Santos, 1998, p. 9). Neste sentido, o que fica é a convicção de que, ao
contrário da teoria sociológica ou da filosofia, a teoria política está sempre
vinculada à prática e, por esse motivo, seu estudo não pode nunca ser eliminado
a priori a pretexto de sua dimensão
não-científica ou ideológica.
Este exame da
pesquisa de Wanderley Guilherme não pode se encerrar sem tocar no ponto de
maior controvérsia de sua pesquisa: a qualificação de “instrumental” por ela
conferida a uma parte do pensamento autoritário brasileiro, assim como os seus
desdobramentos. Numa época em que os cientistas políticos ibéricos e
latino-americanos discutiam o tema do autoritarismo tendo por pano de fundo a
dificuldade de enraizamento da democracia em seus países, consistia verdadeira
provocação qualificar como um liberal quanto aos fins e aos valores um autor
como Oliveira Viana.
Sem dúvida, parte
significativa da controvérsia desencadeada por Wanderley se deve ao fato de não
haver muita clareza ou segurança em torno do que em seus dois últimos textos
significam “ordem burguesa” e, principalmente, “autoritarismo”. Seja como for,
esquece-se que, em sua interpretação de Oliveira Viana, Wanderley Guilherme
baseou-se na leitura de Instituições
Políticas Brasileiras – obra política por excelência daquele autor, que não
se debruça, porém, nem sobre a questão do capitalismo ou do mercado, nem
defende qualquer regime de exceção.
Nesse quadro,
desde que se compreenda o conceito de “ordem burguesa” como equivalente de Estado
de direito democrático e se tome aquele de “Estado autoritário” no sentido que,
naquela obra, lhe empresta o próprio Oliveira Viana – o de um Estado moderno,
intervencionista e, como tal, voltado para o bem-estar social e a garantia dos
direitos civis –, permanece pertinente a sua qualificação de autoritário
instrumental[xxxi].
De resto, Wanderley não tem só flores para Oliveira Viana: critica-o mais de
uma vez[xxxii].
No que tange aos
desdobramentos dessa polêmica, o atrevimento de valorizar Oliveira Viana quando
seus livros se achavam à cabeceira de alguns dos mais importantes próceres do
regime militar (como Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel) expôs Wanderley
Guilherme aos azares de ser atacado à direita e à esquerda como simpático ao autoritarismo; tanto para
uma quanto para a outra, ele teria simplesmente incorporado – na expressão de
Bolívar Lamounier – a “auto-imagem do pensamento autoritário brasileiro”.
No entanto, à vista de
uma leitura atenta de seus textos, o repto parece carente de fundamento, por
várias razões. A primeira e mais evidente reside no fato de que nesses textos
encontramos frequentes críticas ao autoritarismo, tanto do Estado Novo, quanto
do regime militar[xxxiii].
Além disso, ao contrário do que geralmente se crê, em nenhum momento Wanderley
apresenta o Estado Novo ou o regime militar como materializações do pensamento
“autoritário instrumental”. Ao revés, o que é afirmado é que, porque puramente
autoritárias, as experiências do Estado Novo e do regime militar teriam sido
oportunidades frustradas de implantação do ideário instrumental.
Mais: o próprio governo
Jango era apresentado como uma tentativa baldada de autoritarismo instrumental.
Isto significava duas coisas: primeiro, que a mentalidade instrumental não era
privativa da direita, podendo ser também encampada pela esquerda; segundo, que
os autoritários instrumentais sofriam, tanto quanto os liberais doutrinários,
com as vicissitudes da realidade política. O problema da práxis liberal no
Brasil, portanto, não dizia respeito somente à incapacidade revelada pelos
liberais doutrinários de realizar a ordem burguesa a partir da importação de
instituições liberais, mas também à incapacidade demonstrada pelos autoritários
instrumentais de materializarem uma ordem política e institucional que não
fosse puramente autoritária (Santos, 1998, p. 49-51).
A aparente simpatia
pelos autoritários instrumentais, por parte de Wanderley Guilherme, deve ser
mais bem atribuída a dois outros fatores menos polêmicos. Em primeiro lugar, as
análises ao longo da história feitas pela “linhagem” autoritária instrumental
lhe pareciam qualitativamente superiores àquelas efetuadas dos liberais
doutrinários.
Além de perceberem que
as mesmas instituições não produziam sempre os mesmos efeitos em todos os
lugares, em razão da variabilidade da cultura e do estádio de desenvolvimento
das comunidades políticas, os instrumentais acreditavam que a construção da
ordem não se dava de maneira espontânea, por mera força do jogo social, como
acreditavam os liberais puros; para os instrumentais, o mundo social era
sustentado por uma ação política concertada (Santos, 1978a, p. 49-51). Ou seja,
sua visão de mundo era, ao mesmo tempo, mais “política” e “realista” que a de
seus concorrentes; por conseguinte, estava mais próxima do ideal de ciência
política acalentado por Wanderley.
Em segundo lugar, num
universo carente de um liberalismo de vocação democrática e nacional, os
instrumentais teriam sido quase sempre os portadores sociais dos valores
progressistas com que o nosso autor se identificava. Ao longo da história
brasileira, os estadistas saquaremas das décadas de 1830-1860, as lideranças do
movimento tenentista nas décadas de 1920 e 1930 e os intelectuais
nacional-desenvolvimentistas dos anos 1950-1960 lhe pareciam ter mais bem representado
o interesse nacional e a causa da democracia do que os bacharéis liberais
doutrinários, sempre vinculados às oligarquias estaduais, refratários à
igualdade social e adeptos do livre cambismo.
Essa simpatia de
Wanderley Guilherme pelos valores defendidos pelos autoritários instrumentais
não implica, porém, reduzi-lo à condição de um deles, e sim reconhecer que, ao
historiador das ideias políticas, não é ilícito identificar a dimensão
progressista daqueles movimentos, atores ou mesmo regimes políticos que, apesar
de autoritários, lhe parecem ter contribuído, em determinados contextos
históricos, para o avanço da causa nacional.
Em síntese, enquanto
produzia a sua pesquisa sobre o pensamento político brasileiro Wanderley
Guilherme não estava encantado pela agenda autoritária instrumental que
descobrira, mas preocupado com romper o dilema entre ordem liberal oligárquica
e autoritarismo progressista em que a história política do Brasil parecia
aprisionada, distinguindo entre liberalismo político e liberalismo econômico
para condenar o Estado autoritário sem condenar o Estado intervencionista, que
era indispensável para reduzir o imenso passivo social do país[xxxiv].
No contexto de
distensão do regime militar, Wanderley alertava para o perigo de substituir o
autoritarismo nacionalista e interventor dos militares pelo liberalismo
atomístico e oligárquico com que sonhava uma parcela da oposição ao regime –
que, segundo ele, tinha mentalidade “udenóide”, sendo verdadeiros “lobos
conservadores transfigurados em cordeiros progressistas”[xxxv].
As futuras instituições democráticas não deveriam ser desenhadas, nem conforme
o figurino liberal doutrinário, nem pelo figurino autoritário instrumental
(àquela altura, dizia ele, desaparecida por exaustão).
Impunha-se que da
ditadura saísse um Estado liberal democrático que não fosse mínimo; um Estado
suficientemente robusto para arquitetar políticas públicas capazes de elevar o
nível de vida da população “a patamares mais elevados de bem-estar coletivo”
(Santos, 1978b, p. 80). No parágrafo final de “Paradigma e História”ele voltava ao assunto: “A questão
política principal contemporânea consiste em desenhar instituições capazes de
restituir aos membros da comunidade os direitos civis e políticos que já fazem
parte do patrimônio da civilização, sem, entretanto, permitir que o privatismo
predatório, sob a propaganda do humanismo libertário, se aproprie dos
mecanismos sociais de decisão” (Santos, 1998, p. 56).
Ora, esta não era,
evidentemente, uma posição autoritária instrumental; era uma posição
social-democrata: “A conversão de um sistema autoritário em um regime
democrático estável depende da existência de um partido socialista democrático
forte, capaz de competir à direita contra os partidos que, em nome das
liberdades humanas, desejam fazer sobreviver tanto quanto possível uma ordem
social e economicamente injusta, e capaz de competir à esquerda contra os
partidos que, em nome da justiça social, consideram a questão da democracia uma
questão de tolos ou loucos. Partidos socialistas e democráticos tendem a se
converter no centro político da história” (Santos, 1978b, p. 16-17). Não é
apenas a interpretação do pensamento político brasileiro, resultante da
pesquisa, que parece assim guardar atualidade; o programa ideológico a ela
subjacente, também.
*Christian Edward Cyril Lynch é pesquisador da Fundação Casa
de Rui Barbosa e professor de Ciência Política
do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (IESP-UERJ).
Publicado originalmente como introdução ao livro de Wanderley Guilherme dos Santos, A imaginação política brasileira: cinco ensaios de história intelectual, organizado por Christian Edward Cyril Lynch (Revan, 2017).
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São Paulo: Vértice.
______________(1993). Memorial
apresentado por Wanderley Guilherme ao Departamento de Ciências Sociais do IFCS
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______________ (1998). Décadas de Espanto e uma Apologia
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______________ (2002). Roteiro bibliográfico do Pensamento
Político-Social Brasileiro (1870-1965). Belo Horizonte: Ed. UFMG; Rio de
Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz.
Notas
[i] Segundo o próprio autor, esta crítica à
auto-imagem do ISEB era o conteúdo principal de seu último curso naquela mesma
instituição, logo antes do seu fechamento pela ditadura militar. As informações
biográficas foram retiradas de duas fontes principais. A primeira é a
entrevista que consta como Anexo II da dissertação de mestrado de Marcelo
Sevaybricker Moreira, O diálogo crítico com a teoria poliárquica no pensamento
político de Wanderley Guilherme dos Santos, defendida no Departamento de
Ciência Política da UFMG em 2008. A segunda é o Memorial apresentado por
Wanderley Guilherme ao Departamento de Ciências Sociais do IFCS da UFRJ, em
1993, para o Concurso de Professor Titular de Ciência Política.
[ii] Cinco anos depois, noutro artigo, escrito
durante seu doutorado nos Estados Unidos, ele repetiria não estar ainda
convencido da “esterilidade” da sociologia do conhecimento (Santos, 1970, p.
142).
[iii] Segundo o autor, Aspásia de Alcântara Camargo
e Sonia de Camargo colaboraram no trabalho de consulta às listas bibliográficas
e editoriais, assim como no estabelecimento da listagem final. Como resultado
desta mesma pesquisa, Aspásia publicou um artigo qualificado por Wanderley como
“excelente” (Ver Camargo, 1967).
[iv] Embora também não explicite a razão da
escolha, Guerreiro deixa entrever que aquele ano assinalaria um momento
relevante de inflexão no processo de modernização das estruturas políticas e
sociais brasileiras (Ramos, 1995, p. 81).
[v] O próprio Wanderley tenderia a explicitar
posteriormente os motivos de sua escolha. A década de 1870 era um momento
especialmente relevante para a reflexão político-social brasileira, uma vez que
o problema da escravidão entrava na agenda política; fundava-se o Partido
Republicano e o ecletismo até então dominante começava a ser substituído por
perspectivas evolucionistas diversas (Santos, 2002, p. 143-145; 1978, p.88-89).
Na década de 1990, Wanderley incluiu obras relevantes, livros e monografias
produzidos em décadas anteriores a 1870 na versão publicada do Roteiro.
[vi]“Aqui, ‘imaginação política’ refere-se ao tipo
de avaliações políticas que alguns homens de percepção educada, comprometidos
com o público de uma forma ou de outra, são compelidos a fazer. Não dispondo de
tempo e/ou habilidade para desenvolver pesquisa cuidadosa, esses analistas são
obrigados a mobilizar todas as informações disponíveis a fim de oferecer uma
explicação racional para suas audiências. É natural, portanto, que o produto
final seja uma mistura ilustrativa de dados econômicos, indicadores sociais,
traços culturais e rumores políticos, e que as principais fontes de elaborações
sejam jornalistas políticos, economistas e líderes políticos” (Santos, 1970, p.
137).
[vii] Os erros cometidos por Guerreiro Ramos teriam
sido três: a divisão da literatura sociopolítica brasileira em colonial e
não-colonial (o que, para Wanderley, parecia uma variação da dicotomia
ciência/pré-ciência); a falta de um levantamento mais exaustivo da bibliografia
brasileira do passado, e falta de rigor com que teria analisado o pensamento brasileiro
da década de trinta.
[viii] “Guerreiro Ramos considera necessário
estabelecer a lógica, por assim dizer, dessa produção. Quer isto dizer que,
qualquer que tenha sido o valor da produção intelectual brasileira do passado –
pré-científica ou alienada, não importa o nome -, a sua articulação não é
irracional ou aleatória. Há uma razão que explica a produção teórica brasileira
e a sua articulação na história, e esta razão não é apenas uma referência ex
post ao contexto econômico social (…), mas inclui sua determinação teórica
necessária. E com isto o texto de Guerreiro Ramos desvenda parte do objeto
próprio da história do pensamento, inteiramente insuspeitado em todos os
demais” (Santos, 1967, p. 189).
[ix] “São estes os elementos que formam o núcleo da
imaginação política brasileira: primeiro, um estilo comum dicotomizado de
percepção política, levando a uma visão agrupada e polarizada da realidade;
depois, uma persuasão divergente em relação aos fatores causais prima facie da
vida política; finalmente, a perícia pessoal responsável pela maior ou menor
habilidade na manipulação do esquema básico e das informações disponíveis. São
estas as facilidades com as quais o laboratório da imaginação produz uma representação
da história brasileira e, em grau maior ou menor, ajuda a moldar as crenças
políticas públicas no Brasil” (Santos, 1970, p. 145).
[x] A esta altura,
reiteravam-se as críticas às abordagens anteriores efetuadas por outros
cientistas sociais, no que se refere à sua escassez e ao seu viés
institucionalista, que resultava no desprezo do pensamento político brasileiro
“pela única razão de ter sido produzido antes da criação das escolas de
Ciências Sociais”. Apenas 12 textos escritos nos anos anteriores teriam se
dedicado a compreender, ordenar e criticar o pensamento político brasileiro.
Teriam sido eles, em ordem cronológica: 1) Fernando de Azevedo, A Cultura
Brasileira – introdução ao estudo da cultura no Brasil (1943); 2) Djacir
Menezes, La Science Politique au Brésil au cours des trinte dernières années
(1950); 3) Costa Pinto e Edson Carneiro, As Ciências Sociais no Brasil (1955);
4) Guerreiro Ramos, Esforços de Teorização da Realidade Nacional Politicamente
Orientados de 1870 a nossos dias (1955); 5) Guerreiro Ramos, A Ideologia da
Jeunesse Dorée (1955); 6) Guerreiro Ramos, O Inconsciente Sociológico – estudo
sobre a crise política do Brasil na década de 1930 (1956); 7) Djacir Menezes,
La Sociologie au Brésil (1956); 8) Fernando de Azevedo, As Ciências no Brasil
(1956); 9) Florestan Fernandes, Ciências e Sociedade na Evolução Social do
Brasil (1956); 10) Florestan Fernandes, Desenvolvimento Histórico-Social da
Sociologia no Brasil (1957); 11) Florestan Fernandes, O Padrão de Trabalho
Científico dos Sociólogos Brasileiros (1958); e 12) Guerreiro Ramos, A
Ideologia da Ordem (1961).
[xi] O melhor exemplo
do padrão analítico “maquiavélico” era Um Estadista do Império, de Joaquim
Nabuco. Naquela obra, a política era vista “como a arena onde habilidades
individuais entram em disputa, sendo o próprio imperador tomado como um ator
privilegiado, a cujas ações são atribuídos tanto os bons quanto os maus
acontecimentos, dependendo do partido que está no poder”. A única exceção
possível no período para o padrão maquiavélico lhe parecia o famoso panfleto de
Justiniano da Rocha: Ação, Reação e Transação. (Santos, 1970, p. 148-149).
[xii] Cf Santos, 1978a, p. 45.
[xiii] De passagem, Wanderley comenta que a discussão
em torno da raça tinha quase sempre como finalidade assinalar o modo por que se
constituíra o “tipo brasileiro” e descrever a formação histórica da dicotomia.
Mas isso só seria verdadeiro para os “analistas sérios”, o que não seria o caso
dos de segunda linha, como Paulo Prado (Santos, 1970, p. 151).
[xiv] O texto Paradigma e História foi elaborado para
a Universidade Cândido Mendes em fevereiro de 1975 para servir de material
preparatório a um trabalho coletivo solicitado pela UNESCO sobre o
desenvolvimento das ciências sociais em diversos países (Brasil, Rússia,
Holanda, Austrália, Tunísia, Tanzânia e Camarões (Cf. Santos, 1978a, p. 15; e Santos, 2002, p. 65.)
[xv] Essa narrativa à Oliveira Martins, que
atribuía o atraso cultural de Portugal ao seu alijamento da modernidade por
obra da Contra-Reforma e da Segunda Escolástica, apologética da obra
modernizadora de Pombal, era incorporada por Wanderley por intermédio das
“excelentes obras” de Paulo Mercadante e Antônio Paim, então às voltas com a
produção de histórias das idéias no Brasil pelo ângulo abrangente da filosofia
(Santos, 1978a, p. 59).
[xvi] Aqui era expressa e propositada a alusão ao
texto homônimo de Guerreiro Ramos.
[xvii] Entravam então no âmbito da análise, além dos
dois artigos publicados na Revista Dados, já examinados aqui (o de 1967 e o de
1970): A ideologia do colonialismo, de Nélson Werneck Sodré (1961); Coleção
azul: crítica pequeno-burguesa à crise brasileira de 1930, de Edgar Carone
(1969); Ideology and authoritarian regimes, de Bolívar Lamounier (1974); e
Integralismo: o fascismo brasileiro, de Hélgio Trindade (1974).
[xviii] Quanto à terceira matriz – a “ideológica”
– deixarei para abordá-la ao final, por razões que serão de fácil compreensão.
[xix] “Todo ato social
– e a produção de uma idéia é um ato social – fica ao mesmo tempo aquém e além
das intenções de quem o realizou. Aquém, porque freqüentemente não se obtém com
ele os objetivos buscados e, além, porque se produzem efeitos não antecipados
pelo autor. Quando se busca conhecer um ato social, em conseqüência, não se
está a priori determinado pela univocidade do objeto, que marcaria de antemão o
único conhecimento significativo sobre ele, mas ao contrário constrói-se
conceitualmente esse objeto, que participa assim de duas ordens: a ordem de
articulação dos fenômenos e a ordem de articulação dos conceitos” (Santos,
1978a, p. 34).
[xx] Os autores
citados por Wanderley durante o Império são: Pimenta Bueno, Uruguai, Zacarias,
Torres Homem, Justiniano, Ferreira Viana, Frei Caneca, Tavares Bastos,
Belisário, Tobias Barreto, Sílvio Romero e Joaquim Nabuco (Santos, 1978a, p.
35-36).
[xxi] Durante a
Primeira República, “admitem preeminência os temas relativos à formação
histórica do país, as inter-relações entre sua estrutura econômica e social e
sua estrutura política, os problemas da oligarquização política, seus
condicionantes e efeitos, o jogo das raças, o conflito potencial entre elas e o
tipo de organização social provável em um país como o Brasil, a função do
Estado, os limites do privatismo e a definição da legitimidade do poder
público”. Os autores citados são Alberto Torres, Oliveira Viana e Gilberto
Freire – estes últimos, em especial, são elogiados como “sofisticados e argutos
analistas” (Santos, 1978a, p. 37).
[xxii] “Em realidade, não há praticamente uma
hipótese ou idéia desenvolvida pelo ISEB que não houvesse sido vocalizada
anteriormente. O ISEB apenas as poliu, deu-lhes uma formulação em compasso com
a época e, sobretudo, difundiu-as entre um público universitário e
intelectualizado bem maior do que havia à disposição de Sousa Franco, Amaro
Cavalcanti e Serzedelo Correa” (Santos, 1978a, p. 40).
[xxiii] Ainda: “O fetichismo institucional dos
liberais contribuía para a minimização da análise histórica, pois que as
circunstâncias conjunturais eram irrelevantes. As instituições eram as
instituições e todo o problema político consistia em afastar os obstáculos ao
seu livre funcionamento, a saber, o poder do monarca. Para os conservadores, a
essência da ação consistia em aproveitar as oportunidades ocasionais que iam
surgindo, através da luta política, e ir criando as condições para o funcionamento
da ordem social burguesa” (Santos, 1978a, p. 51).
[xxiv] “É uma sociedade de mercado, reino do
privatismo burguês e do individualismo, que está ao fim do autoritarismo de 30”
(Santos, 1978a, p. 53).
[xxv] Este caráter ensaístico do texto foi atribuído
às circunstâncias de sua elaboração para um seminário na Universidade da
Carolina do Sul. Na medida em que ele trabalhava nos EUA e não dispunha de
bibliografia à mão, Wanderley optou “por um ensaio de reflexão sobre o tema,
antes que por pesquisa mais sólida, que seria impossível, de conclusões mais
assertivas e empiricamente apoiadas” (Santos, 1978a, p. 65). Quando da publicação da segunda edição do
texto, em 1998, ele reiterou que, “sem acesso fácil e imediato à literatura
pertinente”, teria sido obrigado a adotar “a fórmula de um relato organizado e
sucinto” (Santos, 1998, p. 61).
[xxvi] Era o que transformara “a UDN, um partido
liberal quanto à sua perspectiva econômica e à sua retórica, no mais subversivo
partido do sistema político brasileiro de 1945 a 1964, quando os liberais
doutrinários julgaram, para logo sentirem o gosto da decepção, ter finalmente
chegado ao poder” (Santos, 1978a, p. 99).
[xxvii] “O liberalismo político seria impossível na
ausência de uma sociedade liberal e a edificação de uma sociedade liberal requer
um Estado suficientemente forte para romper os elos da sociedade familística. E
o autoritarismo seria instrumental para criar as condições sociais que
tornariam o liberalismo político viável. Esta análise foi aceita, e seguida,
por número relativamente grande de políticos e ensaístas que, depois da
Revolução de 1930, lutaram pelo estabelecimento de um governo forte como
premissa para a destruição das bases da antiga sociedade não liberal” (Santos,
1978a, p. 106).
[xxviii] Examinando o veloz e bem sucedido processo de
institucionalização da ciência política brasileira na década de 1960, Bolívar
Lamounier sustenta que para tanto concorreu “a existência de uma importante
tradição de pensamento político, anterior aos surtos de crescimento econômico e
urbanização deste século, e mesmo ao estabelecimento das primeiras
universidades”. Não apenas se verificaria uma “notável continuidade” entre essa
tradição e a ciência política institucionalizada, como teria sido o prestígio
dessa tradição do pensamento político brasileiro que legitimara “o
desenvolvimento da ciência política a partir de 1945”. Ao referir-se à
orientação geral dos estudos em ciências sociais na USP, impressa por Florestan
Fernandes no sentido de ruptura com aquela tradição, Lamounier assinala que ela
tivera por conseqüência um crescimento “até certo ponto contra a ciência
política, entendida como disciplina especial”, assumindo a forma de “um
sociologismo às vezes exagerado, na medida em que não dirigia a atenção para os
temas propriamente políticos, ou político-institucionais” (Lamounier, 1982, p.
407, 409 e 417).
[xxix] Esse caráter fundador da pesquisa é
reconhecido mesmo pelos seus críticos: “Guerreiro Ramos e Wanderley Guilherme
dos Santos foram provavelmente os primeiros a destacar a importância do pensamento
político brasileiro anterior a 1945” (Lamounier, 1982, p. 430). Mais
recentemente, merece registro a referência deixada por Gildo Marçal Brandão: “É
de justiça lembrar que foi Wanderley Guilherme dos Santos quem primeiro e mais
energicamente reagiu contra a tentativa de transformar divisão acadêmica do
trabalho intelectual em critério de verdade, no exato momento em que tal
perspectiva começava a se tornar hegemônica. Por mais reparos que se possa
fazer à sua crítica da periodização da história do pensamento político
brasileiro pelas etapas de institucionalização da atividade científico-social,
sua reação não só criou um nicho para todos que recusavam o cientificismo – que
tinha o seu momento de verdade como arma de combate contra o diletantismo intelectual
– como contribuiu para legitimar na universidade o trabalho com história das
idéias, ao recusar-se a vê-las como variável dependente das instituições.
Também o termo ‘pensamento político-social’, que a rigor seria mais adequado
para caracterizar a natureza da reflexão, foi apresentado por Santos e
recentemente reafirmado” (Brandão, 2007, p.25).
[xxx] “Estarei preocupado não apenas com as idéias
políticas que presidiram, precederam ou racionalizaram o desenrolar da história
brasileira, ou com fatos ‘neutros’ e ‘objetivos’ mas, principalmente, com a
ação política, enquanto idéias traduzidas em comportamentos, e com idéias
políticas como guias estratégicos para a ação política. este é o significado de
práxis que adoto neste livro” (Santos, 1978a, p. 67).
[xxxi] No sistema conceitual de Instituições
Políticas Brasileiras, “liberalismo” remete ao Estado individualista do século
dezenove, oligárquico, politicamente fraco e social e economicamente
absenteísta; ao passo que “autoritarismo” significa Estado contemporâneo,
interventor, voltado para o bem-estar social, garantidor dos direitos civis da
população. Assim é que a moderna democracia social estava ancorada, nos EUA, na
França ou na Grã-Bretanha, num Estado “autoritário”, isto é, dotado de
autoridade, “presente”, “atuante”. A diferença estava em que ela não assumia
formas únicas, apresentando algumas variações, conforme as peculiaridades
culturais e os estádios de desenvolvimento de cada país.
[xxxii] Wanderley critica Oliveira Viana pela crença
no advento de uma ilocalizável elite patriótica governante, que mudaria a
cultura política brasileira e por sua incapacidade de apreender o significado
transformador da urbanização e da industrialização experimentada pelo Brasil a
partir de 1930, referindo-se a ele, ainda no final da vida, como um país
essencialmente rural (Santos, 1998, p. 49).
[xxxiii] “O golpe de Estado de 1937 e as seqüências
políticas a que deu oportunidade paralisaram pela coação e pela propaganda a
incessante e múltipla atividade intelectual que procurava representar
conceitualmente não apenas o passado, mas, em especial, as virtualidades do
processo político e social brasileiro. De resto, que poderiam valer as
especulações e pesquisas, após 1937, se as diretivas de políticas, as
interpretações oficiais, os juízos definitivos sobre a verdade dos fenômenos
sociais eram decididos burocraticamente pelos homens no governo e seus
assessores imediatos segundo as conveniências do Poder? O sistema pós-1937 não
se distinguiu neste particular de nenhum sistema autoritário, de qualquer
orientação. A controvérsia de idéias cedeu lugar às doutrinas oficiais e, em
realidade, até às perseguições e prisões dos intelectuais rebeldes.
Extinguiu-se desse modo o debate, a polêmica e, com eles, o estímulo à pesquisa
e à investigação” (Santos, 1978a, p. 39).
[xxxiv] A solução do problema do autoritarismo dependia
intelectualmente “de uma teoria positiva do Estado democrático” que ele
produziria nos ensaios “Em defesa do laissez-faire: um argumento provisório”,
de 1979, e “Os limites do laissez-faire e os princípios do governo”, de 1982.
Cf. Santos, 1988.
[xxxv] Ao mesmo tempo em que compunha Paradigma e
História e A Práxis Liberal no Brasil (1974), Wanderley destacava, em artigos
de jornal sobre a conjuntura política do início do governo Geisel, a
necessidade de se “sustentar a defesa dos direitos civis e das minorias sem
necessariamente reclamar a implantação de uma sociedade onde o mercado seja o
exclusivo mecanismo alocador de recursos e distribuidor de bens (…). A
incidência de sistemas autoritários no mundo contemporâneo coloca o desafio de
conciliar as liberdades públicas com a limitação do privatismo exclusivamente
predatório” (Santos, 1978b, p. 35-36).
