Por um PT com a política no comando

Foto: Lula Marques/ Agência PT
image_pdf

Por RUI FALCÃO*

Somos um partido que sempre se pautou por disputas de ideias, de projetos, de estratégias. E é assim que continuaremos sendo

1.

No dia 12 de março de 2025, tomei a iniciativa de me dirigir à nossa militância com uma carta que inaugurou, de maneira qualificada, o debate sobre os rumos do nosso Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras, do governo do presidente Lula, do nosso projeto de sociedade e, de forma ainda mais ampla, sobre o futuro do Brasil.

Essa carta, que foi inicialmente publicada no site oficial do Diretório Nacional, ganhou vida própria. Foi difundida por diversas publicações, da mídia progressista à imprensa conservadora e alcançou amplitude muito maior graças às redes petistas e às discussões que suscitou.

Companheiros e companheiras que também se apresentaram como pré-candidatos saudaram a iniciativa, tecendo comentários críticos, pertinentes e, acima de tudo, bem-vindos. Essa reação só confirma que o que propusemos não foi uma imposição, nem uma palavra final, mas sim a abertura de um espaço necessário para o diálogo e a construção coletiva.

Reconheço que nem todos os temas puderam ser aprofundados naquele primeiro momento. E isso não se deu por omissão ou por falta de visão crítica, mas porque o objetivo central era convocar mais pessoas a refletirem, debaterem e se engajarem. Era preciso gerar alento, fazer com que a esperança voltasse a ter a política como motor de transformação.

A carta tratou de questões fundamentais que precisam, agora, ser reafirmadas com ainda mais vigor.

2.

Vivemos uma crise global – econômica, social, política, cultural e ambiental – entrelaçada de maneira indissociável com o capitalismo, a opressão racial e os antagonismos bélicos. Não podemos nos iludir: esses elementos não são externos a nós. Eles nos atravessam. Nos desafiam. E exigem uma ação política consciente, estratégica e transformadora.

Diante deste cenário, lancei a minha candidatura à presidência Nacional do PT, no último dia 25 de abril, no Sindicato dos Engenheiros, em São Paulo, como parte da renovação partidária conduzida pelo Processo de Eleição Direta (PED) 2025.

Como ex-presidente do PT de 2011 a 2017, me coloco novamente à disputa como nome capaz de conduzir o PT no processo de renovação e de enfrentamento frente à nova sociedade brasileira, sem abrir mão do combate à extrema-direita no Brasil e no mundo.

Além disso, precisamos avançar na democratização do Estado brasileiro. Isso implica, de maneira urgente e inadiável, em pôr fim à tutela militar sobre a política, alterando o artigo 142 da Constituição Federal. A presença dos militares como tutores ou árbitros da vida política nacional é um resquício autoritário que já deveria ter sido superado. E será, se formos firmes e coerentes com nossos princípios democráticos.

Outro ponto que defendo é a correção de rota, retomando a discussão da reforma política, essencial para criar um ambiente institucional capaz de apoiar propostas fundamentais como a adoção do voto em lista partidária e a implementação de plebiscitos convocados tanto pelo Poder Executivo quanto por iniciativa popular. Sem isso, continuaremos reféns de um sistema que favorece o poder econômico e individualiza a política, dificultando a construção de projetos coletivos de transformação.

Outro fator importante são as pressões crescentes do capital financeiro, que se movimenta para capturar o orçamento público em nome da austeridade fiscal. Não é uma disputa técnica: é uma disputa política. Se permitirmos que os interesses do mercado ditem os rumos do orçamento, comprometemos a capacidade do Estado de implementar políticas de justiça social e de promover o desenvolvimento nacional soberano. Por isso, nosso papel é apoiar o governo Lula, mas apoiar criticamente, com consciência de que nossa função é resistir a essas pressões e fortalecer o projeto popular.

Reitero a necessidade de rechaçar os apelos de “despolarização”. Essa palavra, tão usada pela mídia hegemônica, é, na prática, um instrumento para tentar empurrar o PT para o centro político, enfraquecendo nossa identidade, diluindo nosso programa e rebaixando nossa organização. Não existe neutralidade num país tão desigual quanto o Brasil. Despolarizar, nesse contexto, é abrir mão do nosso lado: o lado dos trabalhadores, dos pobres, das mulheres, da juventude, da população negra, indígena, LGBTQIA+, dos setores historicamente oprimidos e explorados.

3.

Mesmo aqueles que discordaram de partes do manifesto que apresentei, reconhecem que o documento trouxe a política para o centro da cena. Apresentou análises, propostas e uma agenda concreta para a ação partidária, tanto no Parlamento quanto nas ruas. Demarcou campo de forma clara.

Reafirmo: as disputas internas no PT devem ocorrer no terreno da política, nunca na lógica pequena da luta pelo controle de fundos partidários. Quem afirma o contrário, como fez o editorial do jornal O Estado de S. Paulo, em 12 de março, mente e tenta nos dividir. A nossa história desmente essas maquinações. Somos um partido que sempre se pautou por disputas de ideias, de projetos, de estratégias. E é assim que continuaremos sendo.

A repercussão do nosso manifesto também se deve, acredito, à confiança que conquistei ao longo da minha trajetória de vida e militância. Enfrentei a ditadura militar. Fui preso, torturado, mas não abandonei a luta. Tenho orgulho de ter contribuído para a construção do Partido dos Trabalhadores desde sua fundação, e de ter exercido a sua presidência em momentos decisivos da nossa história: em 1994 e, depois, de 2011 a 2017.

São essas experiências, de coragem, de solidariedade, de convicção, que me impulsionam a aceitar o chamado de tantos companheiros e companheiras para apresentar minha candidatura à presidência Nacional do PT neste Processo de Eleições Diretas (PED).

Tenho consciência de que este PED é uma oportunidade histórica para elevarmos o nosso partido a um patamar de compromisso com as bases sociais que nos fundaram. De reconectarmos o PT à sua essência popular e socialista. De resgatarmos nossa capacidade de mobilização de massas, de formação política, de organização de lutas concretas nos bairros, nos sindicatos, nas escolas, nas periferias, no campo e nas cidades.

Precisamos construir um partido que seja mais do que uma legenda eleitoral. Um partido que seja, novamente, instrumento vivo de transformação social.

Estou preparado para este desafio. Convoco cada militante, cada dirigente, cada simpatizante do nosso projeto histórico, a somar forças nesta caminhada. O Brasil precisa de um PT forte, enraizado, mobilizado e guiado pela política, a dos sonhos, da resistência e da transformação.

Com coragem, com esperança e com muita disposição para a luta, sigo ao lado de vocês. Vamos juntos, companheiras e companheiros, por um PT com a política no comando.

Rui Falcão é deputado federal (PT-SP). Foi presidente nacional do Partido dos Trabalhadores entre 2011 e 2017.

A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES