Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Dado o estudo de psicologia econômica por anos a fio, o economista se meteu a ser um terapeuta. Passou a orientar essa discussão em busca do entendimento do complexo mundo real
“Em companhia de dois, três resultam em complexidade”. Imagine se são quatro!
O mundo real vai muito além de pares e/ou raciocínios binários, tipo Tico-e-Teco (“2 neurônio” sem S e… sem DR). A discussão de relacionamento (DR) entre um casal, em terapia, segue um processo estruturado, facilitado pelo terapeuta.
Dado o estudo de psicologia econômica (ou economia comportamental) por anos a fio, o economista se meteu a ser um terapeuta. Passou a orientar essa discussão em busca do entendimento do complexo mundo real.
No início da terapia, o economista-terapeuta trabalha com o casal para identificar os principais problemas de relacionamento necessários de se abordar durante as sessões. Com o estabelecimento desses objetivos, partem para a exploração das questões-chaves.
O economista-terapeuta facilita a discussão aberta entre o casal (o neoliberalismo e a globalização), encorajando-os a expressar suas preocupações, sentimentos e necessidades. Cada parceiro tem a oportunidade de falar sobre como se sente em relação ao relacionamento entre ambos.
O economista-terapeuta ajuda o casal a reconhecer padrões de comportamento e interação resultantes nos conflitos e problemas no relacionamento. Escuta os padrões de comunicação negativos, falta de empatia ou desequilíbrio nas responsabilidades.
Ensina então ao casal certas habilidades de interagir, como ouvir ativamente, expressar-se de forma clara e assertiva, e resolver conflitos de forma construtiva. Eles praticam essas habilidades durante as sessões e recebem feedback do economista-terapeuta.
Passa, então, a ajuda o casal explorar emoções profundas e questões não resolvidas. Afetam seu relacionamento, como traumas passados, inseguranças ou problemas de relacionamento com outros, inclusive eventual quebra da fidelidade.
O casal neoliberalismo-globalização trabalha em conjunto para identificar áreas de conflito e encontrar soluções mutuamente satisfatórias. O economista-terapeuta facilita o processo de negociação e o ajuda a desenvolver compromissos e acordos.
Após a negociação e resolução de conflitos, auxilia o casal na criação de um plano de ação para implantar as mudanças discutidas durante a terapia. Isso pode incluir metas específicas, práticas de interação aprimoradas e estratégias para fortalecer o relacionamento.
Finalmente, nesse papel de terapeuta, o economista faz acompanhamento e avaliação de modo contínuo. Ao longo das sessões subsequentes, monitora o progresso do casal e revisa regularmente seus objetivos e estratégias. Eles ajustam o plano de tratamento conforme necessário.
Este é um esboço geral do processo de discussão de relacionamento entre o neoliberal e a globalização. Cada sessão de terapia variava, dependendo das necessidades e dinâmicas específicas do casal, bem como da abordagem terapêutica do economista-terapeuta, porém, foi surpreendente ter aparecido outros relacionamentos com o neoliberalismo, despertando um ciúme atroz na globalização.
Entraram na roda-da-conversa a desindustrialização e, depois, até a financeirização! Foram insuportáveis as acusações de infidelidade contra o neoliberalismo…
Inicialmente, o neoliberalismo e a globalização pareciam estar intimamente ligados, com políticas frequentemente promovendo a abertura de mercados, a redução de barreiras comerciais e a facilitação do movimento de capitais e mercadorias entre países. Segundo as promessas nupciais, dariam luz ao crescimento do comércio internacional e à integração econômica global.
O neoliberalismo mentiu à globalização ou não conseguiu resistir à sedução da desindustrialização? Envolveu-se, apaixonadamente, com as diversas indústrias domésticas em desaparecimento por enfrentarem a concorrência estrangeira, isto é, seu cônjuge desde o casamento, ou seja, desde a assinatura de um pacto nupcial de prestação de serviços por prazo indeterminado com a querida globalização.
Para piorar, durante a discussão de relacionamento (DR), a traída descobriu o neoliberalismo e a financeirização também estarem profundamente interligados a ponto de serem considerados “carne-e-unha” – e não apenas fenômenos complementares, surgidos em resposta às mudanças nas políticas econômicas e no ambiente global. Alguns sinais de como esses dois estavam apaixonadamente relacionados foram revelados.
O neoliberalismo promovia farras com políticas econômicas, enfatizando a desregulação dos mercados, incluindo entre os convidados o mercado financeiro e sua companheira: a financeirização. Sua redução das restrições regulatórias sobre as instituições financeiras e as transações financeiras facilitou o relacionamento íntimo com essa outra amante: a financeirização da economia.
Ele defendia a privatização de empresas estatais e a liberalização dos mercados, incluindo o mercado financeiro, com esse propósito pecaminoso! Levou ao crescimento do sistema financeiro, porque mais inovações e serviços foram paridos para a adoção do setor privado. Os rebentos nasceram, para acomodar novos investimentos e transações, como filhos naturais de pais não casados.
Suas farras eram embaladas pela maximização dos lucros e a busca pelo interesse próprio como fossem motores exclusivos da atividade econômica. Incentivava a especulação financeira e o comportamento promíscuo em curto prazo, para todo o sistema financeiro, contribuindo para sua amada financeirização emergir socialmente.
Ao reduzir o papel do Estado na economia, incluindo sua intervenção nos mercados financeiros, o neoliberalismo levou a uma menor regulação e supervisão do sistema financeiro. A financeirização ficou seduzida por as instituições financeiras operarem com mais liberdade e assumirem riscos mais elevados.
Pior ocorreu quando o neoliberalismo promoveu a liberalização dos mercados financeiros em nível global, permitindo sua nova parceira entrar na seara da antiga. Facilitou o movimento de capitais e a integração dos mercados financeiros internacionais. Aumentou a interconexão e interdependência dos sistemas financeiros nacionais, tratando a financeirização e a globalização como iguais!
Em resumo, o neoliberalismo e a financeirização estão intimamente relacionados através de políticas econômicas promotoras de desregulação, privatização, maximização de lucros e redução do papel do Estado na economia, facilitando assim o crescimento dessa amante. Passou a rivalizar com a globalização.
Então, foi dramática essas descobertas de infidelidade. Inicialmente, a globalização sofreu com o sentimento de ter sido traída, mas foi revendo seus conceitos, enquanto tomava maior conhecimento sobre as amadas amantes do seu marido. Inclusive a globalização passou a contribuir para a desindustrialização em certas regiões, porque suas filhas, empresas transnacionais, buscavam mão de obra mais barata e mercados de consumo em outros países. Isso levava ao declínio da indústria manufatureira em áreas tradicionalmente industriais, por conta de elas transferirem a produção para o exterior.
O descaramento chegou ao ponto de assumir a alcunha de “globalização financeira”, um aspecto da globalização mais ampla, relacionada à expansão dos mercados financeiros em escala global. O neoliberalismo, seu marido infiel, muitas vezes promoveu políticas favoráveis à liberalização financeira, como a desregulação dos mercados financeiros e a facilitação do movimento de capitais entre países.
Levou à financeirização da economia globalizada, com o sistema financeiro envolvendo-a ao desempenhar um papel cada vez mais dominante em relação a outras atividades econômicas. Como vingança o sistema financeiro virou o amante da globalização!
O economista-terapeuta percebeu, no caso, ser mais conveniente uma terapia de grupo para discussão de relacionamento (DR) em lugar da terapia de casal. Seria conduzida por ele mesmo e envolveria um grupo de quatro epifenômenos – o neoliberalismo, a globalização, a desindustrialização e a financeirização – para compartilharem experiências e questões relacionadas aos relacionamentos entre eles.
Uma terapia de grupo para discussão de relacionamento seria uma oportunidade valiosa para aprender com os outros, obter apoio emocional e desenvolver habilidades com finalidade de melhorar os relacionamentos. O economista-terapeuta completará a narrativa dos acontecimentos dela em outra sessão.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/3r9xVNh]
A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA