Por FERNANDO RIOS*
Novos poemas
Com nossa ampulheta caleidoscópica
sem ponteiros paradeiros
como pensar vi/ver sofrer sorrir
tantos incógnitos momentos mundos?
para Danilo Santos de Miranda
para eu entrar no mundo
preciso primeiro entrar em mim
a casa o corpo a vida
o enigma o efêmero
o ser o ter o tempo
quem pode existir inteiro
senão afetuosamente repartido
multiplicado em alguém?
casa
a casa o corpo a vida
há que se adentrar ao corpo
como se penetra na casa
como se penetra na vida
tenho pele músculos órgãos
sangue unhas cabelos ossos
e naturalmente animal vegetal
me adentro da cabeça aos pés
minha casa corpo vida
tem porta sala janela
cozinha quarto banheiro
à espera de penetrações
às vezes me prendo
pelo lado de fora
da casa ou do corpo?
alegres tristes sinas em alegorias
que euforias no dia a dia
que horrores desgostos desolações
melancolias depressões misantropias
minhas sinas desfilam diante de mim?
meu corpo minha casa
minha casa meu corpo
onde está minha vida
onde estão minhas filantropias?
entro e saio de mim
como entro e saio de minha casa?
a vida me espera me espreita
me denuncia
aos brados me convoca
para que desistir?
só se implode amorosamente com o outro
ou no mínimo em romaria
quantas portas e janelas
fecham e abrem a cada segundo
em meu corpo casa vida?
meu corpo animal encontrou uma caverna
e agora quem governa
é meu corpo líquido mineral físico químico
quantas sombras minha caverna absorve
quantas vezes vou e volto
afogado em lágrimas
embriagado em vinho?
o que dizer aos seres sombrios?
quantas vozes gritando norte sul
enlouquecem a rosa dos ventos
destroem o astrolábio
e me mandam à deriva?
casa navio ou casulo?
há que entrar e sair
nenhuma casa aconchega
se não tiver o calor
se não tiver o odor
que se transforma em memória
que registra alegria
acima de qualquer dor
mesmo no corpo que pausa
a casa caminha tênue
porque há corpo
porque corpo sem casa
vagueia
há também os sem casa e seus corpos?
que corpos são esses?
como eles vagueiam indestinados?
são crianças jovens adultos velhos
tempos de todas idades
adulterados pela miséria pela fome
pela solidão pelo álcool pela droga
pela nossa cegueira
pela nossa hipocrisia
pelo nosso não olhar
pelo nosso anestésico não sentir
os sem casa não têm corpo?
são invisíveis para olhos sensíveis?
não são alcançados pelas mãos?
pela nossa emoção?
valem menos que um pet?
viajam pelas ruas sem destino?
concretizam o nosso desatino?
corpos e casas precisam-se
significam-se acrescentam-se
apascentam-se
corpos sem casas
entram em erupção
mágicos toques humanizam-se em solidariedades
casa e corpo são construídos nos detalhes
dedos trazem a luz de onde quer que ela venha
e acendem a casa
dedos tocam os corpos e se acendem
acendem peles iluminam almas
que perambulam eisteinianamente
sem qualquer fórmula
pelo tempo espaço
que fazem de um corpo
casa de alguém
corpo e casa
propriedades e proprietários
sabem de quem
e de cada um com seu cada qual
a casa é um útero
como o útero é uma casa
como o mar é um útero/casa
como um útero/casa é uma casa/útero
que nos convida ao viver
que nos impele ao viver
que nos convence ao viver
viver que vida, com quem?
em que humana solitária solidária idade?
quantas guerras serão necessárias
para que úteros corpos casas vidas
possam abraçar-se calorosas/mentes?
vida
entre céu e mar
voar
e segurar o pôr do sol com as mãos
e mergulhar no ar profundo
e construir no tempo grave acalanto
e desconstruir um tempo de intrusa fúria
e serenamente confundir os ponteiros da ampulheta
e sem cansaço
adormecer nos braços do amanhã
e acordar ao léu no todo segundo
(com um corpo ao lado?)
como quem acaba de nascer
e então apascentar a alcateia dor e ódio
(que sempre ronda o rebanho amar)
para saudar um ameno dia a dia
em serena sinfonia
que pavimenta o caminho
e embala bachianamente os passos
e então
entre céu terra mar
entre fogo água ar
caminhar cantar num verde azul
banhar-se num sol carinho
viver o dentro e o fora
com os calos da alma
e os jorros de glória
porque só assim o tempo não tem hora
enigma
há que beber fel e hidromel
para decifrar as nuvens
há que experimentar azia e ambrosia
para decifrar o vento
há que viver amor e horror
para decifrar paixão
e entre corpo e soco
e entre alma e arma
para que retirar o ar do outro?
para que extorquir a chama alheia?
se não acontecer lado a lado
inteira sempre vívida
sem corpo e corpo colados
nenhuma vida se semeia
efêmero
nada é mais eterno do que um efêmero
nem aion nem kairós nem cronos
para ser um efêmero verdadeiro íntegro explosivo
é possível mergulhar profundamente em um efêmero
é possível ouvir eternamente um efêmero
é possível abraçar infinitamente um efêmero
um bom efêmero toma conta de nós
cobre e aquece corpo e alma
um bom efêmero alimenta embriaga
efêmeros acontecem de dia ou de noite
costumam pousar em superfícies voláteis
e esperam o futuro pacientemente
quando você encontrar um efêmero
um grande e belo efêmero digno desse nome
devidamente tatuado no corpo e na alma
não o abandone porque ele costuma ser fugidio arredio
só precisa de um preciso terreno afeto
e de um abrangente e luminoso sonho sorriso
experimente pegar um efêmero pela mão
como quem segura a mão de um cego
como quem aquece e fortalece uma criança
efêmeros estão em toda parte
só o viver intensamente pode significá-los
e transformá-los em infinitos para sempre
ser ter tempo
tudo é muito pouco
nunca é para sempre
pouco é muito tudo
sempre é para nunca
viver jamais nunca pouco
viver tudo para sempre
e se tiver que desviver
que seja intensamente
mas há que deixar tatuado na vida
um corpo que se construiu com sorte engenho arte
um corpo que driblou a morte
plantando em terreno fértil sua eternidade
*Fernando Rios é jornalista, poeta e artista plástico.
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