EUA à Europa: parem de armar a Ucrânia

Christopher R. W. Nevinson, Voltando às trincheiras, 1916
image_pdf

Por ANDREW KORYBKO*

Vladimir Putin pode não concordar com um cessar-fogo ou armistício enquanto os europeus continuarem a armar a Ucrânia

A leitura oficial do Kremlin da ligação telefônica mais recente de Vladimir Putin com Donald Trump compartilhou a demanda de Vladimir Putin de que “uma cessação completa do fornecimento de ajuda militar estrangeira e inteligência a Kiev deve se tornar a condição-chave para evitar uma escalada do conflito e progredir em direção à sua resolução”. A suspensão temporária de tal assistência por Donald Trump prova que ele tem a vontade política de interrompê-la para sempre se conseguir o que quer das negociações com Vladimir Putin. Mas com os europeus a história é diferente.

O Secretário de Estado Marco Rubio disse a Donald Trump durante uma reunião do Gabinete na segunda-feira antes do fim das conversas de 12 horas entre Rússia e EUA em Riad naquele dia que “Você [promoveu] apesar dos impedimentos de outros países”, o que foi sem dúvida uma alusão à belicosidade dos europeus. Embora deliberadamente vago, ele poderia muito bem estar se referindo aos planos da União Europeia e do Reino Unido de continuar armando a Ucrânia apesar da exigência de Vladimir Putin de que isso cessasse como uma de suas condições mais importantes para a paz.

Polônia, Romênia e o Mar Negro, em ordem decrescente, servem como pontos de entrada para armas estrangeiras na Ucrânia, sobre nenhuma das quais os EUA têm controle total. Eles operam em conjunto o centro logístico de Rzeszow, no sudeste da Polônia, por onde cerca de 90-95% de todas as armas para a Ucrânia passam, mas essa instalação pode continuar funcionando mesmo se os EUA se retirarem. A situação é semelhante à recém-construída “Rodovia da Moldávia” da Romênia para facilitar o embarque de armas dos portos gregos para a Ucrânia.

Os militares dos EUA operam conjuntamente apenas instalações portuárias locais em Alexandroupolis, sem ter influência direta sobre a “Rodovia da Moldávia”, sendo que ambas também podem continuar funcionando sem essa operação. Quanto ao Mar Negro, o novo acordo de grãos que os EUA estão negociando com a Rússia pode levar a verificações internacionais de carga para detectar tráfico de armas ou criar uma cobertura plausível para esse comércio. Em qualquer caso, assim como os dois anteriores, o ponto é que outros, além dos EUA, também podem contar com essa rota.

É improvável que Donald Trump ameace sanções econômicas contra aliados nominais da OTAN cujos países continuam a armar a Ucrânia, mesmo que ele próprio decida suspendê-las para sempre como parte da série de compromissos pragmáticos que está negociando com a Rússia para acabar de forma sustentável com o conflito. O único cenário em que ele pode reunir o Congresso para aprovar outro pacote de armas é se a Rússia expandir significativamente sua campanha terrestre além das regiões que reivindica como suas.

Enquanto isso não acontecer, a ajuda da era Biden acabará em breve e a Ucrânia ficará totalmente dependente da ajuda europeia, mas não está claro se essa redução drástica na ajuda (também tendo em mente seus estoques já muito esgotados) seria suficiente para a Rússia cessar as hostilidades. Vladimir Putin pode concordar com isso como parte da série de compromissos pragmáticos que está negociando com Donald Trump, ou ainda pode pressionar seu homólogo a exercer mais pressão sobre os europeus para que sigam seus passos.

As mãos de Donald Trump estariam atadas no segundo cenário, como foi explicado, mas ele também poderia apontar uma solução sugerindo que os europeus, em vez disso, estocassem os equipamentos que desejam enviar para a Ucrânia na Polônia e na Romênia, conforme seus compromissos de “garantia de segurança” com Kiev. Estes se referem aos pactos bilaterais firmados no ano passado, pelos quais grandes países como o Reino Unido, França, Polônia, Itália e os próprios EUA basicamente concordaram em retomar seu nível existente de suporte à Ucrânia se as hostilidades ressurgissem.

Quaisquer armas que os europeus ainda possam enviar para a Ucrânia não compensariam o corte da ajuda dos EUA, então eles estariam transferindo seus equipamentos para serem destruídos sem nenhum propósito além de atrasar a inevitável resolução política do conflito, momento em que a Rússia poderia até ganhar mais terreno. Vladimir Putin pode, é claro, prefere que a OTAN não armazene nada próximo às fronteiras da Ucrânia para um rápido envio se houver uma continuação da guerra, mas a Rússia não pode controlar o que eles fazem em seu território.

Donald Trump e sua equipe fariam bem em transmitir esses pontos aos europeus para facilitar o processo de paz ucraniano. Vladimir Putin pode não concordar com um cessar-fogo ou armistício enquanto os europeus continuarem a armar a Ucrânia, o que seria inútil da parte deles em qualquer caso, enquanto eles estariam apenas desperdiçando suas armas que poderiam ser melhor aproveitadas se as hostilidades ressurgissem e os EUA restaurassem seu nível anterior de apoio à Ucrânia. Esta proposta-compromisso poderia levar a um avanço.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]

Tradução: Artur Scavone.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES