Mãe e filho

Imagem: Viktor Talashuk
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Por EDUARDO SINKEVISQUE

Considerações sobre a peça teatral dirigida por Lavínia Pannunzio e por Carlos Gradim

Com duração de uma hora, exatamente uma hora, a peça Mãe e filho, de Jon Fosse, Prêmio Nobel de Literatura em 2023, conta a história de um encontro entre dois desconhecidos, embora com laços familiares muito estreitos, talvez o laço mais forte em termos genéticos que é o de mãe e de filho.

O filho visita a mãe com que não conviveu a vida toda, tendo sido criado pela avó e depois ter ido morar com o pai.

A ação, sem que os atores saiam de cena durante o espetáculo todo, é um duelo verbal que aos poucos se torna corporal também.

A atmosfera que preenche a sala de espetáculos, transbordando do palco à plateia, é tensa, constrangedora, especular; afinal, relações familiares são sempre muito complexas, quando não arruinadas.

A peça inicia com os atores um à frente, no proscênio, e outro ao fundo. Flash de luz. Luz apagada. Ao novo flash de luz as posições se invertem. A princípio a coisa tem uma plasticidade bela, quase expressionista. Ao longo dos diálogos ácidos, agudos, com falas pressupostas, interrompidas, adivinhadas etc., a cena inicial em silêncio faz todo o sentido. E, sem antecipar ao leitor o fim, todo o sentido ao término da peça.

Como e o que conversar com quem se tem laço de sangue tão estreito, mas vida tão distante?

A situação não é tranquila nem para mãe nem para filho. Ela uma mulher que não aceitou o lugar imposto pela sociedade patriarcal de mulher do lar e mãe. Ele, um homem que está em busca de entender por que não teve a mãe.

Mais do que jogar na cara de ambos, por ambos, mágoas, ressentimentos, as personagens de Mãe e filho propõe reflexões: lugares sociais, papéis familiares, vocações, insubordinações, desejos, escolhas, gênero, sexualidade etc. Dois estranhos muito próximos, dois próximos muito estranhos.

A luz branca, de Aline Santini, com matizes, sombras, o cenário branco, de Bia Junqueira, conferem um ambiente frio, limpo, distante.

O texto dito pelos atores aquece aos poucos.

No início já há desconforto e ao mesmo tempo interesse no encontro, embora haja um crescendo disso, que se mescla com tentativas de aproximação entre as personagens, até que cheguem a se tocar, se abraçar.

O balanço que há no cenário não é mero objeto de cena, bem como o banco onde os atores sobem e se equilibram. A direção soube fazer deles metáforas das oscilações afetivas, do posicionamento balançante, titubeante das personagens e das trocas de posições: fala! Não fala. Não, não é nada; é que… deixa para lá… Você se parece comigo mais do que pensa. Na verdade sou sádico. Você não sabe nada. Que literatura é essa que você estudou? É literatura, não é?

A mãe, às vezes, é cruel, muita vez irônica. Talvez não deixe o filho falar, mesmo tendo interesse em saber, mesmo o amando, por não conseguir ou não poder ouvir. Por outro lado, é também genuíno o interesse do filho em ouvir a mãe, mas não as velhas, e de sempre, respostas para o sucedido com eles. Eis o conflito desde o início da peça.

Para finalizar, reconheço em Mãe e filho que o espetáculo tem o que dizer, tem recados a deixar. Ele espelha situações afetivas, lutas sociais, corporais e emocionais muito verossímeis.

*Eduardo Sinkevisque é pós-doutor em teoria literária pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Referência


Mãe e filho
Dramaturgo: Jon Fosse
Tradução: Guilherme da Silva Braga
Direção: Lavínia Pannunzio e por Carlos Gradim
Elenco: Vera Zimmermann e Thiago Martelli
Em cartaz no SESC Ipiranga até 11 de agosto.


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