Adorno, ideologia, sociologia

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Por CELSO FREDERICO*

O pensamento assistematicamente sistemático de Adorno

Quando se referem ao fenômeno ideológico, os autores ligados ao marxismo se reportam a um determinado momento da obra de Marx. Gramsci desenvolve sua reflexão, centrada na política, a partir do Prefácio de 1857 da Contribuição à crítica da economia política. Althusser, por sua vez, recorreu à Ideologia alemã em que o fenômeno era definido como uma inversão (a “câmara escura”) da falsa consciência que produzia uma representação imaginária, irreal, das condições de existência.

Adorno apoia-se no capítulo sobre o fetichismo da mercadoria em O capital para inverter a perspectiva das filosofias da subjetividade. Propõe, assim, um deslocamento do sujeito (a consciência humana) para o objeto, a realidade social: é a própria realidade “enfeitiçada” que duplica a imagem falseada. A ideologia, vista sob esse ângulo, acompanha os desdobramento da vida social. Ela não é, portanto, um fenômeno a-histórico, à semelhança do inconsciente, como afirmava Althusser, mas o resultado de um processo histórico iniciado com a divisão social do trabalho.

No livro Temas básicos de sociologia, escrito em colaboração com Horkheimer, lê-se que o estudo de uma esfera espiritual, como a ideologia, deve se realizar a partir do “movimento histórico desse conceito, que é, ao mesmo tempo, o da coisa” (ADORNO-HORKHEIMER: 1975, p. 185), portanto, deve-se buscar uma compreensão atenta às metamorfoses da superestrutura, que não se desenvolve sozinha como pretendem os idealistas, mas, contrariamente, pressupõe uma base material (“coisa”).

Recorrendo à história, os autores lembram que em sua luta contra o mundo feudal a nascente burguesia condenou em nome da razão e de seus interesses os pré-conceitos que justificavam a ordem social. Ideologia, então, era um produto da “maquinação dos poderosos”. O fenômeno ideológico, assim, aparecia, de um lado, como mera justificação do existente e, de outro, como ação sobre a mentalidade dos indivíduos. O Iluminismo afirmava que a compreensão errônea foi internalizada pelos homens: o erro, portanto, estaria nos indivíduos e não nas condições sociais responsáveis pela situação. Considerando a ideologia um erro, um desvio do intelecto que se afastou da realidade, a concepção iluminista permaneceu circunscrita à perspectiva gnosiológica. Adorno e Horkheimer, contrariamente, propõem uma interpretação que concede prioridade à base material da sociedade – a rigor, uma inflexão ontológica que eles preferem chamar de materialista.

Na concepção oriunda do Iluminismo “predomina a ideia de que com o correto conhecimento do quimismo das ideias é possível dominar os homens”, já que “o conhecimento da origem e formação das ideias é o domínio de especialistas e o que estes elaborarem deve servir depois para os que fazem as leis e governam os Estados, a fim de assegurar a ordem por eles desejada, a qual era ainda identificada, sem dúvida, com a ordem racional” (p. 180).

Como justificação de uma ordem, encobrimento, a ideologia se impôs como o fruto de relações sociais não transparentes num mundo ainda pré-industrial. Com o desenvolvimento do capitalismo, sua função se modifica , fazendo com que o conceito tradicional de ideologia perca o seu objeto. Até então ele se baseava na pretensa autonomia dos produtos espirituais. Agora, a ideologia dispensa essa autonomia, e a sua antiga função de ser uma aparência socialmente necessária deixa de existir, já que a sociedade tornou-se transparente e nela tudo está subordinado a uma direção orgânica que “converteu o todo num sistema coeso” – “a ideologia e a realidade correm uma para a outra; pois a realidade dada, à falta de outra ideologia mais convincente, converte-se em ideologia de si mesma” (pp. 201 e 202).

Essa tese reaparece em diversos textos de Adorno. Na Dialética negativa, por exemplo, pode-se ler: “Com a sociedade, a ideologia progrediu a tal ponto que ela não é mais ilusão socialmente necessária e autonomia como sempre frágil, mas simplesmente como cimento: identidade falsa entre o sujeito e o objeto”. Ou então: “a ideologia não se sobrepõe ao ser social como uma camada destacável, mas mora no ponto mais íntimo do ser social” (ADORNO: 1970, pp. 289 e 294). Desse modo, ela tornou-se um pensamento da identidade.

Com a unificação, desaparece também a distinção entre base e superestrutura: nesse “sistema coeso”, a ideologia perdeu a sua antiga função ao tornar-se propaganda que duplica o mundo. Na Teoria estética Adorno fala em “reificação absoluta” para nomear a realidade empírica que se transformou numa ideologia que se duplica a si mesma.

O processo de reificação, no Lukács de História e consciência de classe, tinha como contraponto a consciência revolucionária do proletariado; em Adorno, contrariamente, a classe operária teria sido incorporada à ordem, permitindo que a reificação triunfasse definitivamente sem encontrar resistências. A sociedade reificada impôs-se assim aos indivíduos como uma segunda natureza sobre a primeira – aquela mediada socialmente.

Diante dessa nova realidade, as teorias sociais não ficaram imunes. A sociologia, por exemplo, tornou-se também ideologia, como comprovariam os desdobramentos do positivismo e do idealismo que capitularam diante da reificação ao se renderem à “segunda natureza”, transformando o mediado em algo imediato. Duplicando a realidade imediata, a sociologia transformou-se, como o seu objeto, em ideologia. Em suas aulas e ensaios, Adorno diversas vezes procurou contrastar a sociologia com a sua teoria crítica que tem como objeto a práxis social dos homens e seus resultados, enquanto que, em Durkheim, o objeto da sociologia era o fato social e, em Max Weber, o sentido da ação social.

Contra essas duas concepções – a positivista e a idealista – voltou-se a crítica adorniana.

 

 A crítica da sociologia como ideologia

Durkheim é o alvo principal de Adorno, já que a visão positivista da sociedade, que se limita a duplicar a realidade no pensamento, opõe-se radicalmente à teoria crítica e sua dialética negativa. De modo análogo, a definição do fato social como coisa, seu caráter impenetrável e, principalmente, a ação coercitiva que exerce sobre os indivíduos, seriam a glorificação da reificação e da tirania do todo sobre as partes. As coisas são fatos sociais, resultados da ação dos homens, e não o contrário. O objetivismo dado ao fato social, sua exterioridade em relação aos indivíduos, revela “simpatia com a coisificação e a consciência coisificada” (ADORNO: 2004, p. 245). Esta última, vítima da coerção social, apenas se adapta ao mundo reificado, pois qualquer resistência é classificada como anomia e explicada como decorrente da fraca penetração da consciência coletiva na consciência individual.

O objetivismo do fato social ecoa o “espírito objetivo” de Hegel; Durkheim, entretanto, era “algo negligente na hora de citar suas fontes” (p. 234). Nas duas teorias o primado do todo se impõe aos indivíduos, enquadrando-os coercitivamente, sendo que em Durkheim a cristalização dos fatos sociais nas instituições e na consciência coletiva resulta na des-historização da vida social e na abstração. A historicidade é substituída pela fixação nos “fenômenos primigênios” e na consequente “obsessão pelas relações primitivas: estas devem ser prototípicas de todo o social” (p. 234). A consciência coletiva identificada com a média das opiniões, crenças etc. é uma abstração estatística, uma construção matemática feita a partir da eliminação das diferenças qualitativas concretas presentes na vida social.

Esta abstração se reproduz nos indivíduos, considerados meros átomos, pois embora Durkheim insista que o indivíduo é mediado pela sociedade, esta mediação, diz Adorno, “precisa do mediado” (p. 234). Sendo assim, Adorno, num curso ministrado em 1968, conclamou a sociologia a recorrer à dialética. A sociedade, “não é um dado no plano dos sentidos, algo tangível de modo imediato”. Mas, também, não é uma “realidade de segundo grau”, impenetrável, que se impõe aos indivíduos. Ela não é nem um aglomerado de indivíduos-átomos e nem “algo absolutamente frente aos indivíduos, mas sempre contém em si, simultaneamente, ambos estes momentos”. Dirigindo-se à classe, Adorno concluiu o raciocínio: “e aqui os senhores podem compreender exatamente por que a Sociologia precisa ser pensada dialeticamente – porque aqui o conceito de mediação entre as duas categorias contrapostas, de um lado, os indivíduos, e, de outro, a sociedade, encontra-se presente em ambos”. (ADORNO: 2007, p. 119).

A mediação que estrutura a vida social faz com que esta não possa ser pensada, como quer o positivismo, como um organismo formado por partes solidárias que garantiriam o seu funcionamento, colaborando todas elas para o equilíbrio. Adorno, ao invés de organismo, prefere definir a sociedade como um sistema: “Sistema é a sociedade como síntese de uma diversidade atomizada, como compêndio real, embora abstrato, de algo que de modo algum vem unido de maneira “orgânica”, imediata. A relação de troca confere ao sistema um caráter decididamente mecânico: está objetivamente encasquetado em seus elementos, e em absoluto ao modo de um organismo, similar ao modelo de uma teologia divina, onde não há órgão ao qual não corresponda uma função no todo; todo do qual recebe o seu sentido” (ADORNO: 1973, pp. 48-9).

Esta concepção de uma sociedade acima dos indivíduos e que sobre eles exerce implacável coerção fez escola nos discípulos de Durkheim, como demonstram as várias teorizações sobre o papel social. Por outro lado, a identificação da consciência coletiva com a média das opiniões possibilitou que a estatística substituísse a reflexão teórica nas pesquisas sociológicas.

A ambiciosa pretensão durkheimiana de construir uma teoria geral da sociedade cedeu lugar, entre seus discípulos, ao projeto mais modesto de trabalhar com “teorias de médio alcance” (R. K. Merton), trocando a visão organicista e totalizante da sociedade global pelos diversos sistemas sociais. Nessa mudança de orientação, o vínculo coercitivo do social sobre o indivíduo se desfez: como peças soltas, atomizadas, eles agora se movimentam no interior da sociedade desempenhando livremente diversos papéis sociais despregados das relações objetivas de domínio.

Adorno lembra que a expressão papel social nasceu no teatro, onde os atores não são as personagens que representam. Essa dualidade ator-personagem, expressa, em verdade, um antagonismo. A teorização sobre os papéis sociais nas ciências humanas havia sido antecipada por Marx quando, em O capital, afirmou que os indivíduos no capitalismo eram personificações das categorias econômicas. A reificação assim efetivada servia para ocultar a dominação sobre os homens, descoberta que ainda não constava nos textos juvenis de Marx que gravitavam em torno da teoria da alienação.

Segundo Adorno, o discurso sobre a alienação do eu, tal como aparece nos Manuscritos econômico-filosóficos, é insustentável: “esse discurso se tornou apologético porque dá a entender, com facetas paternais, que o homem seria separado de um ser-em-si que ele nunca foi” (ADORNO: 1970, p. 232). Num registro diferente, a defesa de uma autenticidade perdida reapareceu em Heidegger e em outros escritores centrados no conceito de pessoa ou em suas variantes, como a relação eu-tu, que assumem “o tom oleoso de uma teologia”.

A sociologia positivista não fala em alienação e também não admite a possibilidade de uma cisão dilacerando o indivíduo entre o seu eu e os papéis sociais que é obrigado a representar. No máximo, ela se refere à anomia para explicar os desajustes individuais, frutos da pouca coerção da consciência coletiva sobre a consciência individual ou, então, aos comportamentos patológicos que expressariam desvios que não colaboram com o bom funcionamento da engrenagem social.

A teoria sociológica sobre o papel social encontrou sua expressão mais famosa na obra de Talcott Parsons que substituiu o organismo social durkheimiano pela teoria do sistema social construído a partir da somatória de elementos que tem como ponto de partida a relação entre duas unidades mínimas: alter e ego. A partir dessa relação se produzem expectativas de comportamento, tipos de ação possíveis etc. Parsons deriva dessa unidade mínima os elementos que compõem o sistema social: normas, valores, papéis, status, estrutura, funções etc. Desse modo, o máximo de totalização possível não é mais a sociedade, o organismo vivo, mas o conjunto de sistemas sociais existentes. Enquanto Durkheim partia da totalidade (organismo) para entender os fenômenos isolados, Parsons, ao contrário, parte da relação de dois indivíduos para daí deduzir os diversos sistemas sociais.

Estamos, assim, com Parsons, diante de uma teoria psicologizante que celebra a imagem do indivíduo desenraizado agindo livremente no desempenho de suas funções. Fragmentos dessa teoria orientaram alguns manuais de “Sociologia sistemática” que reproduziam essa imagem de indivíduos movimentando-se numa sociedade presumidamente sem coerção (os antigos professores que seguiam essa vertente costumavam contrapor status e papel social, concluindo em tom solene: “o status é estático, o papel é dinâmico, pois o indivíduo não permanece fixo numa posição, já que desempenha ativamente diversos papéis em sua existência”).

Essa coexistência pacífica entre o indivíduo e a sociedade é, segundo Adorno, a expressão exemplar da tirania exercida pela totalidade sobre as individualidades. Daí a urgência para deslocar a crítica filosófica da identidade para o terreno das ciências sociais.

A coerção social que estruturava a visão da sociedade em Durkheim foi abandonada na sociologia empírica que floresceu nos Estados Unidos a partir dos anos 30 do século passado. A fragmentação da vida social, concebida como um cenário idílico onde os indivíduos livres desempenham papéis, trouxe consigo o abandono das mediações sociais, o esquecimento das estruturas econômicas que organizam e medeiam as relações humanas. Desse modo, observa Adorno, “Os papéis são próprios de uma estrutura social que adestra os homens para que persigam unicamente sua autoconservação e, ao mesmo tempo, lhes negam a conservação de seu eu” (ADORNO: 2001, p. 12). A sociologia deveria superar a imediatez, a redução da sociedade ao desempenho de indivíduos soltos e encontrar uma estrutura social organizada desde o início para perpetuar a divisão social do trabalho e o adestramento dos indivíduos que irão cumprir “livremente” as funções impostas a ele.

A autonomização dos indivíduos, por sua vez, além de ocasionar a substituição da teoria geral da sociedade pela análise psicologizante do sistema social, transformou a estatística na principal ferramenta da interpretação sociológica.

Adorno, exilado nos Estados Unidos, conheceu de perto a avalanche de pesquisas empíricas produzidas pela associação da universidade com os conglomerados empresariais, fenômeno que mereceu posteriormente a brilhante crítica de Wright Mills, em A imaginação sociológica. Convidado a trabalhar numa pesquisa sobre a música tocada nos rádios, Adorno ouviu a espantosa advertência de um professor americano: “o senhor veio aqui para fazer research, não para pensar” (ADORNO: 1973, p. 62). Desligar a pesquisa da reflexão era então um imperativo para garantir a objetividade do conhecimento sem elucubrações e abstrações filosóficas.

A primeira vítima desse procedimento é a recusa à totalidade, vista como um produto da especulação, um devaneio de filósofos. Com essa recusa, contudo, começam os problemas insolúveis da sociologia empírica. Qual o ponto de partida de uma pesquisa sobre a sociedade? Os leitores de Marx devem se lembrar daquela passagem em que ele afirma que poderia ser a população, observando em seguida que esta, sem as determinações, é uma abstração. A pesquisa empírica vai mais longe: deste dado abstrato que é a população retira uma amostra, o sorteio de indivíduos, que, na sequência, serão entrevistados individualmente.

As respostas obtidas, isto é, as opiniões dos indivíduos, são o material a ser interpretado pelo sociólogo. Mas o que é mais importante na sociedade e, por isso, deveria ser privilegiado na pesquisa? O tipo “comum”, aquele que se inclui no maior número das respostas obtidas? O tipo “típico”, aquele que expressa em sua singularidade traços universais, como pretendia o romance realista do século XIX? Ou o tipo “médio”, aquela abstração estatística que concentra num determinado ponto de confluência o setor privilegiado pela pesquisa, neutralizando, assim, os pontos extremos que permanecem nas margens? A sociologia empírica trabalha com a mediania, mas isso é mais uma abstração, pois sendo uma criação estatística, o tipo “médio” não encontra correspondência nos indivíduos concretos (nenhum entrevistado, por exemplo, assiste regularmente a 2,3 filmes por mês).

O centro da crítica de Adorno é a questão da objetividade. A pulverização da sociedade entendida como uma totalidade e a consequente atomização dos indivíduos afastam a pesquisa da pretendida objetividade e consagram o puro subjetivismo. A referência primeira e última da pesquisa é a opinião dos indivíduos sobre questões que lhe são impostas pelo pesquisador. Diz Adorno: “pretende-se investigar um objeto mediante um instrumento de investigação que decide, em virtude de sua própria formulação, o que é o próprio objeto – em suma, um círculo vicioso” (p. 86). Portanto, a objetividade restringe-se ao método da pesquisa, e não ao objeto. Desse modo, a sociologia “toma o epifenômeno, o que o mundo fez de nós, pela própria coisa” (p. 87). A natureza coisificada do método “é transferida a seus objetos, isto é, aos estados de coisas subjetivos averiguados, como se estes fossem coisa em si e não estivessem coisificados” (p. 84).

A crítica demolidora à sociologia empírica, contudo, se fez acompanhar de uma constatação bem fiel ao espírito dialético de Adorno: essa teoria contém um momento de verdade ao refletir fielmente a realidade da reificação. Por isso, Adorno sempre se empenhou na aproximação da filosofia com as ciências humanas e, em especial, com a sociologia, projeto anunciado em 1931, quando assumiu a direção do Instituto de Pesquisas Sociais (ADORNO: 1964). A conciliação entre filosofia e pesquisa empírica, tentada nos Estados Unidos, foi retomada quando de sua volta à Alemanha, após a segunda guerra mundial. Lá, deparou-se com a hegemonia do idealismo, expressa na concepção dos discípulos de Weber que consideravam a sociologia uma “ciência do espírito”.

Weber sempre foi uma influência importante em Adorno que retomou e reelaborou criticamente temas centrais de sua obra como, por exemplo, a racionalização. Mas, o projeto weberiano de criação de uma “sociologia compreensiva” é sumariamente descartado. Essa pretensão de conhecer a sociedade “por dentro”, através do sentido atribuído à ação dos indivíduos, é rejeitada por Adorno com uma argumentação que lembra o “coisismo” de Durkheim: a vida social não se restringe a ação dos indivíduos, pois comporta outros elementos que deles escapam como, por exemplo, as instituições. Estas, segundo Durkheim, são os resultados da síntese das ações dos indivíduos e, desta síntese, nasce algo novo, objetivo, com existência própria que se impõe a eles, que não a reconhecem mais como sua criação, permanecendo, assim, impenetráveis à razão. Adorno, do mesmo modo, entende as instituições não como “ação imediata”, mas sim como “ação coagulada (…) algo que se tornou autônomo diante da ação imediata”. (ADORNO: 2007, p. 254).

Contra o sentido atribuído aos indivíduos, Adorno, como Durkheim, acredita que o sentido da ação social “depende muito mais dessas instituições e pode ser explicada unicamente a partir dessas instituições” (p.255). As semelhanças, entretanto, terminam aí. Diferentemente de Durkheim, ele argumenta que tratar os fatos sociais como coisas implica na renúncia a compreendê-los: “Durkheim não se deixou dissuadir do fato de que todo indivíduo experimenta primariamente a sociedade como o não-idêntico, como “coação”. Nesta medida, a reflexão sobre a sociedade começa ali onde acaba a compreensibilidade. Em Durkheim, o método científico-natural, que ele defende, registra essa “segunda natureza” de Hegel na qual a sociedade acabou convertendo-se frente a seus membros. A antítese de Weber, não obstante, é tão parcial como essa tese, pois se dá satisfeita com a incompreensibilidade, como ele, com o postulado da compreensibilidade. O que se deveria fazer é compreender a incompreensibilidade, deduzir a opacidade de uma sociedade autonomizada e independente dos homens a partir das relações existentes entre eles. Hoje mais do que nunca a sociologia deveria compreender o incompreensível, a entrada da humanidade no inumano” (ADORNO: 2001, pp.11-12).

A transformação da sociologia em ideologia que se compraz na reprodução da segunda natureza, do “inumano”, da “realidade de segundo grau”, foi criticada, como vimos, através da referência à teoria marxiana do valor e sua decorrência: o fetichismo da mercadoria. Essa mesma base teórica foi convocada na última obra de Adorno, Teoria estética. Nela, o pensamento assistematicamente sistemático de Adorno retorna a temas que lhe são caros: a crítica ao sistema hegeliano que submete as partes ao domínio do todo, a relação entre aparência e essência, imediato e mediato, quantidade e qualidade, a nova função da ideologia que agora impregna o interior da realidade etc.

*Celso Frederico é professor aposentado sênior da ECA-USP. Autor, entre outros livros, de Ensaios sobre marxismo e cultura (Mórula).

 

Referências


ADORNO & HORKHEIMER, Max. Temas básicos de sociologia (São Paulo: Cultrix,1973).

ADORNO, Theodor. Dialética negativa (Rio de Janeiro: Zahar, 1970).

ADORNO, Theodor. “Introducción a Sociologia y filosofia, de Émile Durkheim, Obra completa, volme 8 (Madrid: Akal, 2004).

ADORNO, Theodor. Introdução à sociologia (São Paulo: Unesp, 2007).

ADORNO, Theodor. “Introdução”, in ADORNO, Theodor, POPPER, Karl, DAHRENDORF, Ralf, HABERMAS, Jürgen, ALBERT, Hans e PILOT, Harald, La disputa del positivismo en la sociologia alemana (Barcelona: Grijalbo, 1973).

ADORNO, Theodor. Epistemologia y ciências sociales (Madrid: Frónesis, 2001),

ADORNO, Theodor. Justificación de la filosofia (Madrid: Taurus, 1964).

MÜLLER-DOOHM, Stephan. En tierra de nadie (Barcelona: Herder, 2003).

WIGGERHAUS, Rolf. A escola de Frankfurt (São Paulo: Difel, 2002).

 

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