Por ROBERTO LEHER*
O plano que deveria salvar a educação pública amarra-a à lógica do mercado, transformando um direito universal em negócio e o fundo público em subsídio para o capital financeiro
Financiamento do ensino superior
Nem os mais otimistas nutriam expectativas positivas em relação ao Relatório e ao Substitutivo ao PL 2.614/2024[1] (14/10/25) elaborados pelo Deputado Moses Rodrigues do União Brasil-CE, dirigente da Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES), entidade que reúne entidades mantenedoras de instituições de ensino superior de capital fechado.
O Relator, é preciso realçar, foi escudado pela deputada Tábata Amaral (PSB-SP) cuja formação política se deu no âmbito das estratégias de formação de “líderes” e parlamentares da Fundação Lemann – Fundação que possui inequívoca influência no ministério da Educação, vide as Bases Nacionais Comuns Curriculares, o Novo Ensino Médio e todo o imbróglio em torno da informatização das escolas com a participação da MEGAEDU.
A presente análise do relatório do Plano nacional de educação é preliminar e está organizada em três partes, divulgadas separadamente. Muitos aspectos precisam ser examinados com vagar e o Plano nacional de educação, por sua natureza, é abrangente, abarcando todas as esferas do Estado, amplitude que compreende das creches à pós-graduação, públicas e privadas.
No entanto, o método de análise não pode se limitar ao exame de cada diretriz, objetivo, estratégia ou ação isoladamente, embora não prescinda de análises específicas. O mais importante é o esforço ativo de buscar as principais linhas de forças do relatório e do substitutivo.
A primeira parte focaliza apenas o ensino superior, colocando em relevo a mercantilização financeirizada em curso e as condições objetivas de manutenção das universidades públicas, o que envolve uma primeira análise do financiamento. Na segunda parte o foco é o trabalho docente no PNE e, finalmente, na terceira e última parte será discutido o problema das estratégias em prol da educação pública frente à ofensiva do capital, retomando as perguntas orientadoras das presentes notas preliminares.
O texto valoriza e reconhece a atuação das entidades que lutam pela educação pública e o engajamento dos parlamentares comprometidos com a causa da educação pública e, por isso, examina suas emendas sobre os temas aqui abordados. A correlação de forças na Comissão encarregada de conduzir as discussões do PL do PNE do MEC foi drasticamente negativa[2].
As críticas aqui esboçadas, evidentemente, não estão dirigidas ao campo progressista, mas especialmente ao texto-base (PL 2.614/2024) que expressa as posições do Todos pela Educação (TPE) e ao Substitutivo que os aprimora, conforme o mesmo TPE[3]. Os pontos considerados “avanços substantivos”, é preciso reiterar, requerem um estudo à luz das linhas de força do Substitutivo e não será realizado nestas pontuações iniciais.
O que está em jogo na educação brasileira?
Pensar os desafios de um novo Plano Nacional de educação demanda uma indagação ampla, profunda e radical. Frente ao tsunami provocado pela mercantilização financeirizada da educação existirão, em dez anos, educação básica e ensino superior, de fato, públicos no Brasil? Pode o projeto de Plano nacional de educação apresentado pelo governo Federal ser um contraponto, ainda que parcial, a tal processo do capital? Ou, distintamente, o Plano nacional de educação é mais um veículo para o avanço do capital contra o que é (potencialmente) público? O que de fundamental mudou no substitutivo, após a apresentação de emendas?
A indagação se refere à permanência da educação pública como aquela concebida como dever do Estado, de provimento estatal, laica, direito universal, dotada de correta infraestrutura, na qual seus trabalhadores possuem justas condições de trabalho, remuneração e carreira com dedicação exclusiva, compatíveis com a relevância do trabalho educativo.
Tudo isso com o propósito essencial de assegurar a todo o povo uma cultura geral, dirigida e organizada pelos educadores, estudantes e conselhos populares. A educação pública, nesse prisma, deve assegurar conhecimentos críticos à ordem do capital, “desinteressados” como destacado por Antonio Gramsci, e, por isso crítico aos particularismos mercantis, religiosos e fatalistas.
Em resumo, pública nos marcos da luminosa asseveração de Marx na Associação Internacional dos Trabalhadores e na Crítica ao Programa de Gotha, de que é preciso rejeitar, categoricamente, que o Estado particularista burguês seja o educador do povo, o particularismo é incompatível com o caráter público. A educação pública é aquela que confronta a mercantilização engendrada pela ofensiva do capital.
A defesa radical do público é indissociável das lutas pela desmercantilização da educação cada vez mais “financeirizada” e inserida nos ciclos de reprodução ampliada do capital, sob especial influência dos operadores do capital comércio de dinheiro. A dinâmica financeirizada engendra descontinuidades com as formas pretéritas de mercantilização e de privatização. Por isso, a esquerda não pode objetivar controlar e atenuar a presença do capital na educação como se a mercantilização fosse a mesma de antes da grande crise de 2008.
O substitutivo reduz a meta de 10% do PIB em gastos públicos para as instituições públicas
Cinicamente, o substitutivo inclui as verbas do fundo público desviadas para o setor mercantil e os próprios gastos das instituições mercantis na contabilização dos 10% do PIB, anunciando que a meta do Plano nacional de educação é alcançar 11% do PIB compreendendo as verbas apropriadas pelo setor mercantil. A partir dessa manobra, o relator reduz a meta de investimentos públicos de 10% para 7,5% do PIB no final do decênio, sem metas intermediárias,[4] manobra que contou com o silêncio do TPE. Retrocede, dessa forma, à meta prevista no Plano nacional de educação de 2001, em que o texto original, antes dos vetos de FHC, previa 7% do PIB.
Todas as análises referenciadas na crítica à economia política da austeridade convergem na análise de que alcançar 10% do PIB exclusivamente na educação pública não é possível com a permanência do Regime Fiscal Sustentável (RFS)[5]. Frente ao dilema, o Relator optou por harmonizar o Plano nacional de educação com o RFS e explicitou que a opção foi pela austeridade neoliberal e pelo fortalecimento do setor mercantil, posto que os aportes do fundo público para o setor mercantil passam a ser contabilizados como política pública.
Desse modo, com o substitutivo não será possível alterar a ordem de grandeza das verbas públicas necessárias para instaurar e requalificar toda a infraestrutura da educação pública[6], básica, tecnológica e superior, nem generalizar o imperioso regime de dedicação exclusiva a todos os docentes das redes públicas do país, nem, tampouco, alterar o custeio das instituições públicas, um requisito urgente, como é possível depreender do processo de desmanche das universidades federais, constrangidas, em pleno governo Lula, ao mesmo orçamento de custeio e de capital vigente no governo de Jair Bolsonaro.
Um Plano nacional de educação sem financiamento das universidades públicas
O Projeto de Plano nacional de educação apresentado pelo MEC (PL 2.614/2024) “esqueceu” de prever recursos para o ensino superior público e para as instituições de ensino tecnológicas públicas. Toda seção dedicada ao financiamento focalizava, tal como querem os APH empresariais, a educação básica.
No texto do MEC, o estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto (art. 214, CF) não foi tratada no âmbito da lei, mas remetida à Meta (18a) que previa 7% do PIB até o sexto ano de vigência e de 10% do PIB “para educação” (genericamente, ou seja, pública e privada) no final da vigência do Plano nacional de educação. No entanto, também as metas e as estratégias do PL 2.164/2024 circunscrevem o financiamento exclusivamente à educação básica, nos termos bancomundialistas, do Todos pela Educação e da Fundação Lemann.
Ao retirar do PL o financiamento do ensino superior público, o MEC estava seguindo a orientação da área econômica do governo em prol da meta de déficit zero (e superávits a partir de 2026) do RFS. Na ótica do MEC, as universidades federais importam um gasto orçamentário não prioritário, como é possível depreender do estrangulamento dos recursos federais para as suas universidades (Gráfico 1).
Com efeito, as verbas de custeio e de capital estão estranguladas na mesma ordem de grandeza do executado na guerra cultural do governo Bolsonaro, correspondente, em termos de custeio e capital, à metade do já difícil ano de 2014.
Gráfico 1- Série histórica orçamentária 2000-2024, valores corrigidos IPCA/ dezembro de 2023

Não há como deixar de refletir sobre a mensagem do MEC sobre a “inexistência” das universidades públicas e dos institutos de educação tecnológica em um Plano Nacional de Educação. Este é um tema da maior relevância, pois sinaliza não apenas a internalização das proposições bancomundialistas (os países capitalistas dependentes devem focalizar a educação básica, pois a superior é um tema a ser resolvido no mercado), como aponta um porvir do país sem universidades públicas pulsantes e com infraestrutura compatível, por conseguinte, um país enredado nas amarras da heteronomia cultural.
Financiamento no substitutivo
Após pressões para que o substitutivo alterasse de modo relevante o teor do PL 2.614/2024 para contemplar o financiamento da educação superior, o Substitutivo contemplou a menção ao ensino superior apenas nos objetivos, mas de modo a indeterminar o financiamento. Com efeito, o Capítulo VI do substitutivo, dedicado ao financiamento, tal como na versão do MEC, está todo ele direcionado para a educação básica (tema que não pode ser discutido no presente estudo, visto suas particularidades, em especial seus nexos com os entes da Federação). O objetivo 19 menciona “condições de oferta e de permanência da educação básica e da educação superior”. Mas o avanço é aparente.
A referência específica às instituições públicas de ensino superior (Meta 19e) se vale de uma técnica legislativa conhecida que afirma uma proposição, mas a modalização discursiva a indetermina. Diferente da educação básica que possui indicadores objetivos, no caso das instituições de ensino superior públicas, o texto propugna “Ampliar continuamente os recursos públicos”. A redação é expressamente indeterminada.
Se o governo federal, em dez anos, aumentar os atuais gastos de custeio e capital em 20%, por exemplo, ainda assim, o orçamento seria de pouco mais da metade do orçamento de 2014, conforme o Gráfico 1 e a Meta 19e estaria sendo cumprida. Contudo, o desmonte teria se acentuado ainda mais, pois o desmanche da infraestrutura é cumulativa. A estratégia 19.16 que deveria operacionalizar a meta 19e, ratifica a indeterminação: “Ampliar os recursos públicos destinados à manutenção, expansão, melhoria e reestruturação das instituições públicas de ensino superior…”.
A estratégia 19.17, por sua vez, é totalmente rejeitável, visto que preconiza, tal como no Future-se, “Fortalecer a autonomia financeira das universidades públicas”. Isso significa, concretamente, que as universidades devem captar recursos no mercado para que possam ser autônomas financeiramente. Outra situação, muito distinta, seria fortalecer a autonomia de gestão financeira, como no texto constitucional.
Se no caso das universidades públicas predomina a indeterminação (e a procrastinação de ações), o mesmo não se aplica às corporações privadas.
Desmercantilização
O PL 2.614/2024 em exame não aborda, nem tangencia, o problema da ocupação da educação brasileira por corporações dirigidas pelos operadores das finanças. É como se o problema da oferta massiva da educação por holdings, controlados por fundos e empresas de private equity, inscritas no moinho satânico dos circuitos do capital comércio de dinheiro, organizados como Sociedades Anônimas, dirigidos por Conselhos de Administração e com ações na bolsa de valores inexistisse. Nada, nenhuma linha.
Ao contrário. Os incentivos do Estado que as alavancaram e possibilitaram a monopolização do ensino superior (processo de monopolização agora em curso na educação básica por meio das corporações especializadas na venda de sistemas de ensino e plataformas de trabalho) seguem apoiados de modo explícito na meta 13.8 (Fies e ProUni). Na Apresentação há menção ao crescimento do setor privado com fins lucrativos, existem proposições sobre “a qualidade” da educação a distância, a respeito da necessidade de qualificação dos docentes etc., mas o inteiro teor do PL ignora que a presença das corporações financeirizadas mudou o cenário.
De igual maneira, nada é dito sobre os sistemas de ensino e plataformas de trabalho. É como se o texto tratasse da educação privada dos anos 1970-1990 quando estas eram empresas mercantis, mas familiares, comunitárias ou confessionais. Desse modo, o risco, provável, é sua aprovação sem que o tema tenha sido objeto de discussões reais na sociedade.
No processo de elaboração houve intentos de enfrentar o tema da mercantilização financeirizada, ainda que de modo pouco sistemático, por parlamentares comprometidos com a causa da educação pública, como a Emenda compartilhada pelos deputados Tulio Gadelha- Rede/PE (506), Tarcísio Motta (829), Pedro Uczai (1431) e Ivan Valente (3033): “Acréscimo de estratégia 18.14. Objetivo 18 do Anexo ao PL 2614/2024, sendo sua redação: “Interromper o processo de privatização da política educacional, caracterizada pela presença e atuação de grupos empresariais e fundações, especialmente aquelas relacionadas ao setor financeiro, no âmbito dos órgãos de formulação das políticas educacionais, apropriando-se de recursos financeiros destinados à escola pública, por meio da celebração de contratos com os órgãos estatais e venda de produtos e serviços padronizados ao setor público, interrompendo também as ações da filantropia colaborativa, fortalecendo a ampliação do atendimento do ensino superior público e da educação infantil pública, de modo a conter programas de bolsas tipo Fies e medidas de terceirização e conveniamento.” – Rejeitada.
Ainda que pouco sistemática, a Emenda reconhece a existência de grupos relacionados com o setor financeiro, que as corporações possuem influência nas redes de ensino e no ministério e que comercializam materiais padronizados. Destaca, ainda que de modo indicativo, o problema da neofilantropia, e focaliza na crítica ao Fies, ao conveniamento (educação infantil) e às terceirizações, este último problema abordado em outra emenda subscrita por Pedro Uczai, Tarcísio Motta e Sâmia Bonfim.
Apesar de tratar de temas que mereceriam uma formulação mais específica, tais emendas somente teriam efetividade com um amplo movimento proveniente dos setores democráticos comprometidos com a educação pública (entidades acadêmicas, movimentos sociais) e, sobretudo, com fortes lutas sindicais, o que ainda não está no cenário.
Desse modo, a tramitação do Plano nacional de educação não teve como foco o problema de imensa escala de que a educação pública está sendo corroída pelo capital, tanto na educação básica (“sistemas” de ensino, plataformas de trabalho vinculadas às corporações, terceirização da gestão) e pela mercantilização direta do ensino superior. De cada dez novos estudantes que ingressaram no ensino superior, perto de 9 estão em uma instituição privada; sendo que, de cada 10, seis iniciam um curso a distância, modalidade em que uma dezena de holdings e corporações possui 80% das matrículas.
O relator acolheu epidermicamente o que poderia ser considerado aperfeiçoamentos da regulação da mercantilização, sem que a própria mercantilização financeirizada fosse abordada no texto do Substitutivo. Os dois principais alicerces da mercantilização financeirizada foram alavancados pelo Estado, (1) o Programa Universidade para Todos (ProUni), que concede isenções tributárias de grande monta às instituições com fins lucrativos – em evidente conflito com a Constituição Federal que no art. 213 restringe expressamente o repasse de verbas públicas para as instituições “sem fins lucrativos” e (2) o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) que é um vasto programa de empréstimos subsidiados destinados, crescentemente, para as corporações mercantis, não apenas do ensino superior, mas também da educação profissional, e que requerem astronômico subsídio implícito[8], estão claramente recepcionados no Substitutivo.
Os excertos das estratégias são precisos: “Estratégia 12.14 – Promover o financiamento estudantil em cursos da educação profissional, técnica e tecnológica, nas redes privadas ofertantes de educação profissional e tecnológica, inclusive nos termos da Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001”.
“Estratégia 14.8 – Ampliar a ocupação dos benefícios concedidos no âmbito do Programa Universidade para Todos (Prouni), de que trata a Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005, e dos financiamentos concedidos no âmbito do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), de que trata a Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores com avaliação positiva, com avaliação periódica da concepção e implementação dessas políticas de financiamento”.
“Estratégia 14.9 – Ampliar o caráter inclusivo do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), mediante a manutenção e expansão do Fies Social e a atualização periódica dos parâmetros de financiamento, especialmente limites e tetos, bem como a ampliação do teto de renda familiar para admitir o acesso por estudantes de famílias cuja renda familiar comprovadamente não seja suficiente para arcar com os encargos educacionais de cursos elegíveis para esse financiamento”.
Em virtude dos critérios e das metodologias de avaliação das organizações privadas mercantis, a avaliação não é um entrave para as corporações. A avaliação dos cursos é ainda mais favorável às corporações do que o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) que, ao menos, afere (precariamente, é certo) algum aprendizado dos estudantes. Ao superdimensionar os itens extra-acadêmicos, o Conceito Preliminar do Curso e, ainda mais, o Conceito de Curso (que não considera o ENADE)[9] têm sido, há tempos, uma das principais estratégias do marketing das corporações.
Um caminho sólido para enfrentar a mercantilização financeirizada é a proibição de grupos educacionais controlados total ou parcialmente por fundos de investimentos e empresas de private equity e com ações nas bolsas de valores, a exemplo do que fez a China. A regulação dos meios como a educação é metamorfoseada em mercadoria somente seria eficaz se a educação deixar de estar sob controle de Conselhos de Administração sob direção dos operadores financeiros, sem alavancagem do fundo público e com efetiva regulação da formação.
Desse modo, a salvaguarda, inclusive pensada pelos parlamentares de esquerda e, também, pela extrema-direita não possui eficácia para regular a mercantilização. A emenda proposta pelos Deputados Tarcísio Motta (411), Samia Bomfim (1382) e Pedro Uczai (1441) foi acolhida e basicamente referencia a Estratégia 14.8 do Substitutivo apresentada anteriormente.
No entanto, o mesmo não aconteceu com a Emenda complementar, compartilhada por Tarcísio Motta (789), Pedro Uczai (1261) e Luiziane Lins (2166), rejeitada pelo Relator, que indicava uma correta política de extinção processual dos repasses do fundo público para o setor privado: “Acréscimo de estratégia 18..x ao Objetivo 18: “Reestruturar o volume de recursos públicos aplicados no setor privado educacional do nível superior, construindo travas e prazos, para que ele seja paulatinamente diminuído, mantendo os contratos vigentes do Fies e PROUNI para os estudantes que já usufruem destas políticas, reduzindo-se gradativamente as coberturas dos referidos programas, de modo que no quinto ano de vigência deste plano representem 50% do que são hoje e ao final do decênio, estejam zeradas.” –Rejeitada.
Desse modo, as duas grandes emendas que interpelaram a mercantilização foram rejeitadas pelo Relator, pois, evidentemente, alterariam o inteiro teor do Plano nacional de educação. A “estrutura já estabelecida” do Plano nacional de educação está referenciada, basicamente, na coalizão de APH liderados pelo Todos pela Educação e pela Fundação Lemann, e, cada vez mais, pela presença direta de corporações monopolistas.
As ações de redução de danos, por serem políticas (ainda que no âmbito da pequena política), podem conter germes de bom senso e, por isso, não deveriam ser descartadas quando a correlação de forças assim o exigir. Afinal, a grande política – no caso, a educação na vida estatal – não está dissociada das lutas que (aparentemente) caracterizam a pequena política.
Contudo, Antonio Gramsci alerta: “É grande política reduzir tudo à pequena política” como fazem os referidos APH. Quando a “grande política” desaparece do cenário das lutas das frações de classes que estão subalternizadas pela grande política do bloco no poder, o risco é repetir a observação de Lampedusa, em O Leopardo, magistralmente captada por Luchino Visconti em sua película de mesmo nome sobre a unificação da Itália: “é preciso que tudo mude para que tudo permaneça igual”.
O insulamento na pequena política desmoraliza as esquerdas e os que lutam por outro horizonte para a educação pública, afastando os intelectuais coletivos da esquerda das massas populares.
Roberto Leher, biólogo e pedagogo, é professor e ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Autor, entre outros livros, de Universidade e heteronomia cultural no capitalismo dependente (Consequência). [https://amzn.to/3Ra7SiV]
Notas
[1] Comissão especial sobre o Plano nacional de educação – decênio 2024-2034 (PL 2.614/24) Projeto de lei n 2.614, de 2024.
[2] A Comissão foi composta de 33 (trinta e três) membros titulares e de igual número de suplentes, mais um titular e um suplente, atendendo ao rodízio entre as bancadas não Contempladas”. Presidida pela deputada Tábata Amaral, e relator foi o Deputado do União-CE, Moses Haendel Melo Rodrigues, organicamente vinculado ao setor privado. Embora com flutuações em temas pontuais, entre os titulares da Comissão Especial predominam largamente parlamentares representantes da extrema-direita e da direita – 28. Embora o PSB não componha o arco da direita, a sua representante representa diretamente o capital. O campo progressista está reduzido a sete representantes.
[3] Todos pela Educação – análise do substitutivo. https://todospelaeducacao.org.br/noticias/plano-nacional-de-educacao-analise-do-parecer-apresentado-na-comissao-especial-do-pne-na-camara/
[4] FINEDUCA. O Brasil precisa aplicar em educação pública o equivalente a 10 % do PIB e tem riqueza para isto! Vai perder a hora? Manifestação da Fineduca sobre o substitutivo apresentado pelo Deputado Moses Rodrigues ao PL 2614/2024.https://campanha.org.br/noticias/2025/10/16/fineduca-o-brasil-precisa-aplicar-em-educacao-publica-o-equivalente-a-10-do-pib-e-tem-riqueza-para-isto-vai-perder-a-hora/.
[5] Isabela Tabarelli Cabral, et. al. Os riscos da desvinculação de pisos e benefícios no Brasil. Le Monde Diplomatique, 23/09/2025. https://diplomatique.org.br/os-riscos-da-desvinculacao-de-pisos-e-beneficios-no-orcamento-do-brasil/. Ver também Pedro Paulo Zahluth Bastos. A encruzilhada fiscal de Lula. Phenomenal World, disponível em: https://www.phenomenalworld.org/pt-br/analises/a-encruzilhada-fiscal-de-lula/.
[6] . Ver documento do Fineduca citado.
[7] Andifes, Orçamento, disponível em https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZWE0YTQzY2EtN2RjMS00NDZkLWEwZTYtNzViN2Q1OGVmOGRiIiwidCI6IjMyMTEyODk1LTEwNzItNDFiZS04MjVjLWExNzlhNmYyMzFiNiJ9.
[8] LEHER, R.; SARDINHA, R. Vinculação constitucional de verbas para a educação pública, depleção do fundo público e austeridade. Educação & Sociedade, v. 45, p. e286586, 2024.
[9] TCU. acórdão 980/2024 – plenário. https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/acordao-completo/acordao-completo-2642828, a partir do acórdão tc 010.471/2017-0: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/acordao-completo/ACORDAO-COMPLETO-2303716
Nota
[i] Andifes, Orçamento, disponível em https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZWE0YTQzY2EtN2RjMS00NDZkLWEwZTYtNzViN2Q1OGVmOGRiIiwidCI6IjMyMTEyODk1LTEwNzItNDFiZS04MjVjLWExNzlhNmYyMzFiNiJ9.
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